Ontem despedimo-nos de um músico brilhante. Elemento fundador dos incontornáveis KILLING JOKE, GEORDIE WALKER era um dos guitarristas mais influentes e respeitados da era pós-punk.
Geordie Walker, guitarrista e membro fundador dos KILLING JOKE, faleceu. O músico britânico tinha 64 anos e, segundo Martin Atkins, que tocou com Walker na influente banda londrina e em super-grupos de metal industrial como os MURDER INC. e THE DAMAGE MANUAL, morreu na manhã do dia 26 de Novembro, apenas dois dias após ter sofrido um AVC. Posteriormente, a sua banda de sempre emitiu a sua própria declaração a confirmar a notícia.
“É com extrema tristeza que confirmamos que o Kevin ‘Geordie’ Walker, lendário guitarrista dos Killing Joke, faleceu às 06:30 do dia 26 de Novembro de 2023, em Praga, após sofrer um AVC massivo. Estava rodeado da sua família. Estamos arrasados. Descansa em paz, irmão“, escreveram os músicos.
Geordie Walker, cujo estilo único de tocar guitarra recebeu rasgados elogios de músicos tão aplaudidos e respeitados como Jimmy Page, James Hetfield, Page Hamilton dos HELMET ou Kevin Shields dos MY BLOODY VALENTINE, fundou os KILLING JOKE ao lado do vocalista Jaz Coleman e do baterista ‘Big’ Paul Ferguson em 1979 e, com Coleman, manteve-se como o único membro constante da banda desde a sua formação.
Nascido em Chester-le-Street, no condado de Durham, no dia 18 de Dezembro de 1958, Geordie Walker começou a ter lições de guitarra quando era criança, antes ainda de receber a sua primeira guitarra, uma Gibson Les Paul Deluxe de 1969 comprada numa loja em Northampton, como presente de Natal da mãe em 1973. Posteriormente, trocou-a pela sua icónica Gibson ES-295 semi-acústica, comprada em Londres após mudar-se para Milton Keynes na adolescência.
Foi com essa guitarra que tocou em todos os álbuns dos KILLING JOKE, do revolucionário LP de estreia homónimo de 1980 até ao mais recente «Pylon», o décimo quinto álbum de estúdio da banda, editado em 2015. “Quando encontras algo com que te expressas da melhor forma — algo que é completamente o teu som — por que usarias outra coisa?“, disse o músico na edição de Maio de 2016 da Guitar World.
“Tinha acabado de me mudar para Londres e vi um anúncio no Melody Maker“, recordou Geordie Walker sobre o seu primeiro contacto com Jaz Coleman numa entrevista em 1984. “Não sei, mas gostei do que escreveu. Parecia sério, fanático, não sei explicar bem o que foi, mas senti uma ligação com ele. Às tantas combinámos um encontro e começámos imediatamente a discutir sobre os nossos gostos musicais, por isso mantive contacto e continuei a incomodá-lo por algum motivo. Acho que aquilo de que gostava realmente era da intensidade da discussão“.
“Eu e o Paul [Ferguson] colocámos um anúncio no Melody Maker“, explicou Jaz Coleman à Metal Hammer. “Eventualmente recebi um telefonema desse tipo que dizia que nunca tinha estado numa banda, mas que era o melhor guitarrista de todos. Estava constantemente a ligar e eu não conseguia livrar-me dele, por isso acabei por dizer-lhe para aparecer na minha casa. Convidei-o para tomar uma chávena de chá, ele viu as minhas canas de pesca e tivemos uma conversa sobre pesca durante seis horas.”
“Depois disso, anunciou que não tinha onde morar e eu disse-lhe que podia ficar comigo“, revelou Jaz. “O Geordie acabou por mudar-se para a minha casa três semanas antes de realmente o ouvir tocar. Quando tocou, foi como um fogo vindo do céu“.
Com a formação original, que ficava completa com o baixista Martin ‘Youth’ Glover, os KILLING JOKE lançaram então o EP «Turn To Red» em 1979, antes de lançarem o seu primeiro álbum em 1980 através da E.G. Records. Descrito como “um dos melhores álbuns de estreia já feitos e um dos registos britânicos mais definidores de todos os tempos”, e famosamente comparado ao “som da terra a vomitar” por Paul Ferguson, «Killing Joke» atingiu apenas o #39 das tabelas de vendas no Reino Unido, mas acabou por influenciar uma série de bandas, dos METALLICA (que gravaram uma versão de «The Wait» no «Garage Days Re-Revisited» de 1987) aos NIRVANA, passando pelos MINISTRY, NINE INCH NAILS, HELMET ou FAITH NO MORE.
Aos mais incautos, os KILLING JOKE podiam parecer tão intimidadores e intensos quanto as canções que escreviam, e o quarteto fez pouco ou nenhum esforço para se agradar aos guardiões da indústria musical britânica. Mesmo assim, os músicos com sede em Londres conseguiram construir uma base de fãs devota e ferozmente leal com os seus três primeiros álbuns, sendo que o LP de estreia foi sucedido por «What’s THIS For…!» em 1981 e «Revelations» em 1982, este último gravado com Connie Plank.
Durante essas sessões de gravação, o produtor, fulcral no desenvolvimento do krautrock, disse a Geordie Walker que o som da sua guitarra o levava de volta à altura em que ouvia transmissões de rádio durante a Segunda Guerra Mundial. “Quando tocavam música clássica no rádio, se aumentasses o volume para o máximo, criava-e uma dissonância e era esse o som que eu fazia“, lembrou o guitarrista à revista Uncut. “Acho que esse foi o melhor elogio que já recebi“.
Em 1982, Geordie Walker seguiu Jaz Coleman até à Islândia, para onde o cantor se tinha mudado para escapar ao “apocalipse”. Na realidade, a Islândia tornou-se um ponto de partida para Coleman e Walker iniciarem carreiras alternativas como traficantes de haxixe, mas a dupla abandonou a sua operação antes das coisas correrem mal e voltaram para Londres. Com Paul Raven no lugar de Youth, os músicos foram para estúdio e gravaram «Fire Dances», o quarto álbum dos KILLING JOKE. Alcançando o pico no #29 da tabela de vendas no Reino Unido, o disco revelou-se uma decepção considerando que o seu antecessor tinha alcançado o #12.
No entanto, o maior sucesso do quarteto ainda estava por vir, com «Love Like Blood», o segundo single do álbum «Night Time», que se transformou num hino do pós-punk. Nada preparados para lidar com o sucesso em larga escala, os KILLING JOKE foram seriamente afectados pelas tensões crescentes que se sentiam no seio do grupo e que levaram à saída de Paul Ferguson e Paul Raven antes do lançamento de «Outside The Gate» em 1988.
«Extremities, Dirt And Various Repressed Emotions», quiçá um dos discos mais brutais e intensos dos KILLING JOKE, foi editado dois anos depois, com a banda a entrar num hiato exactamente no momento em que uma nova geração de bandas de “rock alternativo” emergiu e mudou a face do rock.
Durante essa pausa com os KILLING JOKE, Geordie Walker decidiu montar o super-grupo MURDER, INC com Raven, Ferguson, Martin Atkins e Chris Connelly, vocalista dos REVOLTING COCKS. A banda gravou um excelente álbum homónimo de estreia com Steve Albini, mas acabaria por separar-se pouco tempo depois devido a tensões internas. Mais ou menos por esta altura, o guitarrista foi convidado a substituir Jim Martin nos FAITH NO MORE, mas essa colaboração de sonho acabou por nunca se materializar.
Os KILLING JOKE acabariam por regressar de forma emocionante com «Pandemonium» em 1994, que foi sucedido por «Democracy», em 1996, o segundo álbum homónimo em 2002 com o super-fã Dave Grohl na bateria, e continuaram a crescer até à morte do baixista Paul Raven em 2007. Ironicamente, essa tragédia levaria ao regresso da formação original do grupo, cujo labçamento mais recente o single «Full Spectrum Dominance», foi disponibilizado em Março deste ano.