GUANOAPES

Naquela que foi apenas a segunda actuação da sua carreira em solo luso, os veteranos de Nova Orleães EXHORDER provaram que a sua chama continua acesa — mais intensa e mais afiada que nunca.

Há títulos que se tornam icónicos mesmo antes de se ouvirem as primeiras notas. O «Slaughter In The Vatican», álbum de estreia dos EXHORDER, é um desses casos. Editado originalmente em 1990, tornou-se uma das pedras angulares do som metálico que, nos anos seguintes, emanaria de Nova Orleães — groove, peso e fúria combinados com uma atitude crua, sem filtros. No entanto, o que parecia o início de uma ascensão fulgurante acabou por se transformar numa daquelas histórias interrompidas que o metal tantas vezes conhece. Em 1992, um segundo álbum, «The Law», menos abrasivo e mais técnico, marcou o início do fim. Dois anos depois, a banda desaparecia de cena.

Quando, pela segunda vez, os EXHORDER regressaram em 2017, a promessa era clara: não se tratava só de viver do passado, mas de reconstruir um presente com alguma substância extra. A formação contava com Kyle Thomas, a eterna figura central do projecto, e também com o guitarrista Vinnie LaBella, nessa altura acompanhados por Marzi Montazeri na guitarra, Jason Viebrooks no baixo e Sasha Horn na bateria. O terceiro álbum, «Mourn The Southern Skies», lançado em 2019, confirmou essa intenção: um LP maduro, denso, cheio de personalidade.

No entanto, os anos que se seguiram foram tudo menos tranquilos. A pandemia de COVID-19 travou os planos de promoção do disco vivo, e em 2022, a saída do guitarrista Vinnie LaBella voltou a abalar uma vez mais formação. Apesar disso, o vocalista Thomas tudo fez para manter o projecto vivo, rodeando-se de novos músicos, incluíndo o exímio Pat O’ Brien, e reforçando a sua posição como líder incontestável do grupo. O resultado dessa nova vida foi «Defectum Omnium», editado em 2024, álbum que afirmou a identidade renovada da banda, ao mesmo tempo que preserva a agressividade, o groove e a honestidade crua que sempre a definiu.

Chegados a Abril de 2025, a banda pisa finalmente, e apenas pela segunda vez na sua longa carreira, solo nacional. Depois de uma estreia intensa no festival SWR – Barroselas Metalfest, em 2018, os EXHORDER escolheram o RCA Club, em pleno bairro de Alvalade, em Lisboa, para o primeiro concerto em nome próprio por cá. E o resultado foi tão memorável quanto se pudesse prever. A noite começou com actuações dos nacionais MASS DISORDER e 605 FORTE, que, com thrash ocasionalmente técnico (no caso dos primeiros) e thrash injectado de punk harcore cantado em português (no caso dos segundos), aqueceram a plateia para a muito aguardada chegada das “extrelas” da noite.

Pouco antes das 23:00, sem introduções dramáticas ou discursos grandiosos, os EXHORDER deram início à sua descarga com «Slaughter In The Vatican». Não foi apenas uma escolha simbólica; o tema é, ainda hoje, um exemplo de como conciliar velocidade letal, groove e um sentido de estrutura quase punk. O riff principal serviu como rastilho para uma sala que já fervia de entusiasmo e, claro, o público respondeu com o fervor que se esperava: com um círculo de mosh a abrir instantaneamente no meio da plateia.

O segundo tema, «Unforgiven», do muitas vezes ignorado «The Law», manteve o pulso acelerado. Aqui, a precisão da secção rítmica tornou-se evidente. Sasha Horn é um baterista de amplitude dinâmica e a sua técnica é irrepreensível, sendo que os seus padrões mais sincopados encaixaram na perfeição com o baixo de Viebrooks, audível e com peso real, e com os fraseados densos de Thomas e do sempre muito sólido Pat O’ Brien, ex-guitarrista dos Nevermore e Cannibal Corpse, que se revelou desde cedo a arma letal desta nova vida dos EXHORDER.

«Year Of The Goat», do LP mais recente, foi o primeiro momento em que a banda abrandou ligeiramente o andamento, mais enérgico que furioso, mas sem nunca perder a intensidade. Com uma dose de groove mais arrastada e riffs mais gordos, o tema funcionou quase como ponte entre o passado e o presente dos EXHORDER. O público, talvez menos familiar com esta nova fase, acompanhou com atenção — e não tardou a render-se ao refrão e aos solos que O’ Brien trouxe à mistura. Seguiu-se «The Tale Of Unsound Minds», com uma estrutura mais elaborada, que escapa às fórmulas mais previsíveis do thrash, na qual Thomas impressionou com um grande controlo vocal.

Na clássica «Death In Vain» a energia voltou a disparar. Curta, incisiva e brutal, a canção foi recebida como uma descarga eléctrica, com o público novamente em ebulição. Thomas, que durante os intervalos entre músicas se revelou sempre afável e bem humorado, voltou a assumir a postura de predador, dando à sua interpretação uma intensidade que dispensa artifícios cénicos. Logo a seguir, «Legions Of Death» tratou de manter os níveis de agressividade, e voltando à alternância de temas antigos e recentes, «My Time», evocou a herança de Nova Orleães, sempre com a marca própria dos EXHORDER — um sentido de urgência que nunca cede ao arrastamento.

«Forever And Beyond Despair», um dos destaques de «Mourn The Southern Skies», mostrou a faceta mais introspectiva e atmosférica do quarteto, mas a aparente tranquilidade foi abruptamente desfeita com os primeiros acordes de «Into The Void», original dos Black Sabbath regravado pelos EXHORDER no «The Law». Aquilo a que assistimos foi a uma reconstrução feroz de um clássico do metal, com o riff a ser desacelerado e retorcido, enquanto Thomas recriou o espírito mais sombrio de Ozzy.

Para fechar, felizmente ainda houve tempo para ouvirmos mais dois hinos incontornáveis: «Exhorder», o tema homónimo e proverbial declaração de identidade do grupo, foi executado com precisão milimétrica. E «Desecrator», uma das composições mais viscerais do disco de estreia, fechou o alinhamento com um frenesim que deixou a sala em convulsão. Sem encore — não por desdém, mas porque nada mais era necessário — os EXHORDER disseram tudo o que tinham para dizer. E disseram-no com uma convicção que transcende o rótulo de “banda de culto” ou “regresso tardio“.

Apesar da sala estar bem composta — com fãs dedicados que deram tudo desde o primeiro minuto —, ficou no ar a sensação de que os EXHORDER mereciam uma plateia maior. É difícil vê-los em palco e não pensar na injustiça histórica que acompanha a banda desde sempre: pioneiros do thrash cheio de groove que nunca chegaram a colher os louros devidos, agora a darem tudo em palco com a mesma entrega de quem se recusa a desaparecer em silêncio.