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Do peso nacional à catarse final: FAEMINE, GAEREA, ADEPT, JINJER, FALLING IN REVERSE e SLIPKNOT incendiaram o Restelo no terceiro dia do EVILLIVƎ FESTIVAL.

À medida que as horas passavam, e o último dia do EVILLIVƎ FESTIVAL se aproximava, era notória a sensação de que algo especial estava prestes a acontecer. O calor, já habitual nos dois dias anteriores, voltou a fazer-se sentir com força, sem tréguas para quem chegava cedo ao Estádio do Restelo. Ainda assim, o público respondeu com uma enorme dose de resiliência e entusiasmo: o recinto esgotou com cerca de 25.000 pessoas presentes, algumas das quais (poucas, mas ainda assim mais que nos dois dias anteriores) já posicionadas frente ao palco quando os primeiros acordes ecoaram pelas colinas de Belém.

Havia algo no ar. A expectativa, a exaustão acumulada, o cheiro a cerveja e a protetor solar, os gritos esporádicos vindos de grupos de fãs espalhados pelas bancadas — tudo apontava para um fecho de festival em grande. E foi precisamente com essa energia em ebulição que se deu início à maratona de concertos, com um nome nacional em rápido ascendente: os FAEMINE.

A responsabilidade de abrir o terceiro e último dia do EVILLIVƎ não era leve — especialmente tendo em conta o calor sufocante das 16:00 e o peso simbólico de inaugurar uma jornada final repleta de nomes sonantes. Felizmente, os FAEMINE não se deixaram intimidar. Pelo contrário, apresentaram-se com uma confiança, um foco e uma entrega só acessíveis a quem sabe exactamente onde quer chegar.

Com apenas um EP editado, a banda portuguesa tem conquistado a atenção do público, graças a uma sonoridade que alia densidade atmosférica, peso moderno e uma sensibilidade melódica muito particular. Ao vivo, tudo isso se eleva exponencialmente: a agressividade é mais crua, os silêncios mais tensos, e as explosões de energia ainda mais catárticas. O som esteve irrepreensível, algo nem sempre garantido tão cedo num festival, e isso permitiu que cada camada da música se projectasse pelo recinto com nitidez e peso. As guitarras, ora etéreas, ora cortantes, a bateria bem incisiva e a voz, entre o gritado e o melódico, formaram um muro sónico de impressionante coesão.

Visualmente, a banda também soube marcar presença. Sem recorrer a grandes artifícios, optou por uma estética sóbria e imersiva, onde a postura da banda espelhava o próprio ADN da música. Resultado: para quem os conhecia, foi uma confirmação estrondosa. Para quem os descobriu ali, foi provavelmente uma das grandes revelações deste EVILLIVƎ. Num evento marcado por vários nomes internacionais de peso, os FAEMINE provaram que o underground nacional tem voz própria — e que essa voz tem lugar, com todo o mérito, nos maiores palcos do país.

Pouco depois, os GAEREA assumiram o palco como verdadeiros mestres do oculto, entregando uma atuação que se tornou, rapidamente, num dos momentos mais memoráveis de todo o festival. Desde o primeiro acorde, a banda portuguesa (agora mais internacional que lusa) não fez concessões: entrou em palco com uma intensidade avassaladora, como se o seu propósito fosse esmagar qualquer resistência.

O som brutal, denso e técnico, aliado a uma produção visual meticulosa — onde luzes, fumo e projeções visuais criavam uma atmosfera quase ritualista — transportou o público para uma experiência com o seu quê de cinematográfico. No entanto, mais do que o espectáculo visual ou técnico, o que impressionou foi a ligação que a banda conseguiu estabelecer com a audiência.

Ao contrário da habitual postura distante e reservada, no EVILLIVƎ a comunicação por parte dos GAEREA acabou por ser ligeiramente mais aberta, com pequenos gestos e palavras que aproximaram ainda mais a plateia daquela sensação de estar a testemunhar algo único. Como é hábito, os músicos entregaram-se a 100%, e o público respondeu em êxtase, com mosh pits e uma energia que parecia inesgotável.

Depois, já na recta final da actuação, foi anunciado o regresso da banda a Portugal para dois espectáculos em nome próprio, um no Porto e outro em Lisboa, no final do ano — notícia recebida com uma ovação entusiástica. Nesse preciso momento ficou claro que, além de um nome em ascensão no metal extremo internacional, os GAEREA são hoje também uma referência incontornável para a cena nacional.

Vindos da Suécia para substituir os japoneses CROSSFAITH, cuja actuação tinha sido cancelada ainda antes do arranque do evento, os ADEPT não só estiveram à altura da responsabilidade como acabaram por surpreender com um concerto carregado de energia. Com duas décadas de carreira celebradas este ano, a banda de Trosa, conhecida pela sua mistura de metalcore (as piscadelas de olho aos compatriotas AT THE GATES foram mais que muitas) e pós-hardcore emocional, assinou um concerto que transbordou intensidade do primeiro ao último minuto.

A tarde avançava sob um sol cada vez mais inclemente, mas os ADEPT abraçaram o calor como parte do desafio. “O concerto mais quente que alguma vez fizemos”, confessaram entre risos, apontando para o céu limpo e para o cenário escaldante que os rodeava. A boa disposição, longe de ser um mero alívio cómico, tornou-se uma alavanca emocional importante, ajudando a criar uma ligação descontraída e empática — com grande parte da audiência a mostrar-se surpreendida por estar diante de um regresso inesperado, mas bem-vindo.

O concerto percorreu várias fases da discografia da banda, com especial destaque para os temas dos álbuns «Another Year Of Disaster» e «Death Dealers», que marcaram os seus anos de maior projecção internacional. A inclusão desses temas mais antigos funcionou como uma viagem no tempo para os fãs mais fiéis, enquanto as estrofes gritadas, os refrões cantados e os breakdowns demolidores captaram de imediato a atenção de quem os via pela primeira vez. Canções como «Shark! Shark! Shark!» e «Sound the Alarm» provocaram uma reacção entusiástica.

Houve também um momento especial de reconhecimento mútuo com o público português quando a banda recordou a estreia em Portugal, ao lado dos saudosos MORE THAN A THOUSAND. A referência não foi gratuita nem ocasional — notava-se genuína emoção ao lembrar os laços criados com Portugal ao longo dos anos, num testemunho sobre o valor das amizades forjadas na estrada. Musicalmente, os ADEPT mostraram-se em excelente forma no EVILLIVƎ.

A voz de Robert Ljung manteve a potência e expressividade que sempre o caracterizaram, alternando entre agressividade controlada e melodia emocional. A secção rítmica revelou-se coesa, precisa e violenta nos momentos certos, e as guitarras — ora densas, ora contagiantes — desenharam paisagens sonoras perfeitas para a descarga emocional do público. O groove, aliado à sua estrutura orgânica e directa dos temas, criou a base sólida para uma resposta física arrebatadora: foi ver os mosh pits abrirem-se em várias zonas do recinto, com braços no ar, corpos a colidir e um entusiasmo colectivo que raramente se vê com uma banda não anunciada inicialmente.

Com a tarde a entrar na sua fase dourada e o calor a perder alguma da intensidade abrasadora, foi a vez dos JINJER subirem ao palco. E, como já é habitual sempre que passam por Portugal, o impacto revelou-se imediato. A banda ucraniana, que continua a afirmar-se como um dos nomes mais relevantes da nova geração do metal progressivo, técnico e moderno, apresentou-se em plena forma no EVILLIVƎ — tanto em termos técnicos como emocionais — perante uma audiência que os recebeu de braços abertos e com entusiasmo.

Logo na abertura, com «On The Top», a máquina ficou em movimento, e a coesão sonora tornou-se evidente. Os riffs intrincados e as quebras de tempo inesperadas revelaram uma precisão milimétrica e uma maturidade artística impressionante. A agressividade de «Duél» e «Green Serpent», que alternou entre um groove poderoso e linhas melódicas mais dissonantes, intensificou a ligação com a plateia — por esta altura já completamente rendida à presença imponente de Tatiana Shmayluk.

Desde o momento em que os primeiros acordes soaram, a consistência da banda ficou evidente. Cada elemento dos JINJER mostrou absoluto controlo sobre a complexidade das composições, muitas vezes marcadas por mudanças abruptas de tempo, variações tonais inesperadas e uma fusão ousada de estilos. A secção rítmica — liderada pelo baixista Eugene Abdukhanov e pelo baterista Vladislav Ulasevich — foi especialmente impressionante, sustentando as canções com precisão milimétrica e groove avassalador.

E, claro, é impossível falar de um concerto dos JINJER sem centrar atenções em Tatiana Shmayluk. A vocalista é, sem margem para dúvidas, uma das figuras mais carismáticas e versáteis da cena actual. A facilidade com que alterna entre guturais brutais e melodias cristalinas continua a provocar espanto, mesmo entre os fãs mais habituados às suas capacidades. No EVILLIVƎ, esse domínio vocal esteve em plena exibição, reforçado por uma presença cénica magnética, onde cada movimento, cada olhar, parecia calculado ao milímetro — mas sempre com naturalidade.

À medida que o grupo avançou para temas como «Fast Draw» e «Vortex», o concerto foi ganhando uma carga emocional mais densa, mas mantendo sempre o rigor técnico absoluto. A fluidez entre os registos vocais — da suavidade à violência extrema — foi particularmente notável em «Teacher, Teacher!», que arrancou um dos aplausos mais fortes da tarde. A meio do alinhamento, «Judgement (& Punishment)» e «Hedonist» trouxeram variações rítmicas inesperadas, grooves angularess e uma execução instrumental que manteve a atenção em alta, mesmo para quem não conhecia a fundo o repertório dos JINJER.

«I Speak Astronomy» e «Perennial» entraram na recta final com uma carga atmosférica quase hipnótica, e Tatiana, visivelmente emocionada, surpreendeu ao dirigir-se à audiência em português, agradecendo o apoio que lhes tem sido dado ao longo dos anos. Foi mais um momento de comunhão, de empatia, e de celebração da relação crescente entre a banda e os fãs lusos.

O concerto terminou com duas das músicas mais icónicas da banda: «Perennial», que foi recebida como um hino de resistência e fragilidade, e, claro, «Pisces», uma verdadeira viagem emocional que continua a representar tudo o que a banda é: peso, complexidade, melodia, honestidade. Com o sol já a desaparecer por trás das colinas e as luzes do palco a tomarem conta do ambiente, o final foi apoteótico. Antes de se despedirem, os JINJER anunciaram o seu regresso a Portugal em Fevereiro de 2026 e arrancaram uma nova onda de entusiasmo à plateia. A julgar pela resposta do público, será um regresso calorosamente celebrado.

Com o estádio a transbordar de expectativa, os FALLING IN REVERSE foram os protagonistas de um dos concertos mais encenados e explosivos da edição de 2025 do EVILLIVƎ FESTIVAL. Com a sua teatralidade habitual, uma produção altamente coreografada e a presença carismática (e firme) de Ronnie Radke ao leme, a banda norte-americana trouxe novamente a LIsboa um espectáculo que fundiu música, narrativa, provocação e catarse.

A intro — intitulada «Prequel» — fez-se com imagens de bastidores transmitidas em directo nos ecrãs gigantes, ao som de «Highway To Hell», dos AC/DC, criando uma atmosfera de antecipação que rapidamente acabou por dar lugar uma explosão de som e luz com «Zombified». A reacção do público foi imediata e, sem pausas, seguiram-se «I’m Not A Vampire» e «Fuck You And All Your Friends», mostrando o contraste entre o lado teatral da banda e a sua veia mais agressiva e directa.

Reforçando a versatilidade que caracteriza esta gente, a sequência que incluiu «Bad Guy», «Losing My Mind» e «The Drug in Me Is You» foi marcada por constantes variações de tom, passando do rapcore ao metal alternativo, sempre com um pé no espetáculo e outro na crueza emocional. A resposta do público foi massiva, especialmente em «Just Like You», com milhares a cantarem o refrão em uníssono. Foi então que a banda saiu de cena, dando lugar a um dos momentos mais inesperados do fim de semana.

Como se estivesse no Twitch, Ronnie Radke, filmado em directo a partir do backstage, interpretou «NO FEAR» enquanto caminhava pelos corredores da produção, num gesto tão ousado quanto eficaz. Logo de seguinda, o regresso ao palco fez-se com «God Is A Weapon» e uma versão encurtada de «All My Life», seguida de «Popular Monster», o verdadeiro ponto de ebulição da noite. Antes da canção começar, o Sr. Radke pediu para que todos acendessem as luzes dos seus telemóveis e o público acedeu, criando um mar cintilante que envolveu o recinto.

A recta final não deu tréguas: «Voices In My Head» e «Ronald» trouxeram de volta a agressividade, o sarcasmo e a teatralidade, antes do fecho demolidor com «Watch The World Burn», onde a fusão de metal, rap e electrónica encontrou o seu clímax. Para os FALLING IN REVERSE, este concerto no EVILLIVƎ representou um final de digressão vibrante, pensado ao detalhe e com impacto garantido, provando que Ronnie Radke continua a dividir opiniões — mas, em palco, não deixa ninguém indiferente.

Coube aos SLIPKNOT a tarefa de encerrarem a edição deste ano do EVILLIVƎ — e não podiam ter sido escolhidos melhores mestres de cerimónias para o apocalipse final. Depois da teatralidade intensa dos FALLING IN REVERSE, o estádio mergulhou no caos absoluto. O arranque com «742617000027» deixou o público em histeria imediata e marcou o início de um concerto que foi tão brutal quanto calculado.

A celebrar os 25 anos do álbum de estreia, a banda construiu um alinhamento avassalador, alternando clássicos como «Wait And Bleed», «People = Shit» ou «Duality» com temas mais recentes como «Yen» e «The Dying Song». Como é habitual, Corey Taylor liderou os procedimentos com autoridade, apoiado por uma produção monstruosa, repleta de labaredas, explosões e percussão tribal que fez tremer o chão.

O público respondeu com entrega total. Cada tema foi recebido como um manifesto, cada breakdown acompanhado por mosh pits desenfreados. O encore encerrou tudo em catarse coletiva, com milhares aberrarem uníssono numa das imagens mais marcantes de todo o EVILLIVƎ. Para um retrato completo desta actuação, recomendamos a leitura da reportagem completa publicada nas horas seguintes ao fim do evento e disponível aqui.