EVILLIVƎ FESTIVAL

EVILLIVƎ FESTIVAL: Dia 1 | 29.06.2024 | MEO Arena, Lisboa [reportagem]

Num primeiro dia de EVILLIVƎ FESTIVAL que, apesar de ter um pouco de tudo para todos, não conseguiu reunir a multidão que se esperava, os MACHINE HEAD abafaram toda a competição.

Em 2024, o EVILLIVƎ FESTIVAL, que decorreu nos dias 29 e 30 de Junho, regressou à Altice Arena e, pelo segundo ano consecutivo, dedicou dois dias às sonoridades mais pesadas – em todas as suas vertentes. Tendo como espinha dorsal uma aposta na diversidade e multiplicidade de géneros e subgéneros do que é habitualmente visto como metal e rock pesado, o evento assentou numa aposta em propostas que foram do mainstream ao alternativo, dos riffs icónicos do thrash ao rock, passando pelas batidas EDM e pelas guitarradas electrizantes das tendências mais contemporâneas, e também dos grandes nomes estabelecidos ao talento emergente.

Verdade seja dita, num país em que, no que diz respeito à música mais pesada, os festivais são quase todos muito orientados para os nichos (do que já é um nicho num mercado tão pequeno como o nacional) ou direccionados para públicos muito (demasiado?) específicos, este é o festival que pode mostrar como é possível misturar com sucesso sonoridades tão diferentes, algumas até dicotómicas, num cartaz capaz de apelar a diferentes categorias de melómanos.

Realizado em formato indoor, o que permite sempre outras condições no que toca às infraestruturas e aos acessos para o público melómano, pese o som nem sempre equilibrado já habitual na MEO Arena e a surpreendente fraca afluência neste primeiro dia, este é um evento com enorme potencial de expansão.

MEN EATER

Sábado, 29 de Junho. São 17:15 e os nacionais MEN EATER dão o tiro de partida para o primeiro dia desta segunda edição de EVILLIVƎ FESTIVAL frente a uma plateia demasiado despida de gente. Seis anos depois de se terem votado a um hiato, os músicos liderados pelo vocalista e guitarrista Mike Correia anunciaram o regresso ao activo no ano passado, com uma sequência de singles que culminou no lançamento de um soberbo longa-duração homónimo já na recta final de 2024. Pois bem, foi precisamente em «Men Eater» que o quinteto – cuja formação fica completa com Carlos Azeitona e André Hencleeday nas guitarras, Pedro Cobrado no baixo e B.B. na bateria – se focou neste regresso aos grandes palcos.

A actuação curta, que consistiu em apenas quatro temas, arrancou com «Multitude», um dos tais singles que precederam a edição do álbum de retorno e, apesar da apatia generalizada com que foram recebidos, os cinco músicos mostraram estar muito mais coesos, oleados e soltos do que quando os tínhamos visto pela última vez, no espectáculo de apresentação do LP, no início deste ano.

Com Hencleeday a afirmar-se como uma mais-valia, sobretudo quando dobra as linhas vocais, os MEN EATER, que sempre fizeram temas mais dados à contemplação que a demostrações de euforia, assinaram um espectáculo sucinto e escorreito, que serviu sobretudo para matar saudades e, quiçá, apresentá-los a uma parcela de público que ainda não os conhecia.

JILUKA

Formados em 2013, os JILUKA passaram por várias evoluções sonoras e estéticas durante a última década, mas foi a partir do momento em que abraçaram a estética visual kei, traduzido num visual andrógeno que actualiza a estética steam punk, que começaram a dar mais que falar. Em 2023, «VENΦM», o terceiro single lançado pela banda desde que operou a sua mais recente mutação, tornou-se viral no TikTok, com o seu bombástico groove, que mistura o peso do metal com o low end pujante do dubstep, a ser creditado como “o breakdown mais pesado do ano“.

Aproveitando o embalo proporcionado por um incremento de popularidade e o crescimento de uma base de fãs dedicada, os JILUKA decidiram mostrar o seu som pela primeira vez a nível global com a K4RMA World Tour, que incluiu sete espectáculos por toda a Europa e um primeiro concerto em Portugal – curiosamente, na mesma semana em que as conterrâneas HANABIE. também se estrearam por cá.

Compostos pelos enérgicos e imparáveis Ricko na voz, Sena na guitarra, Boogie no baixo e Zyean na bateria, pese o som demasiado desequilbrado, com os samples aparentemente demasiado altos e a abafarem tudo o resto, os JILUKA mantiveram-se estóicos na tarefa de mostrarem ao público luso a sua abordagem muito sui generis a uma amálgama sonora feita de metalcore, J-pop, djent e electrónica de pendor gótico.

Com o mais recente single «S4VAGE» a dar início à prestação com uma força avassaladora, os músicos exibiram orgulhosamente os seus penteados radicais e as suas fatiotas de couro preto, com a MEO Arena a encher-se de samples grandiosos, electrónica épica, bateria rápida, rugidos guturais, riffs de guitarra afiados, solos debitados à velocidade da luz e, claro, breakdowns incessantes, estabelecendo a fórmula que continuaram a explorar em «BLVCK», «OVERKILL», na já mencionada «VENΦM» (com Ricko a encorajar a plateia a entoar “Hey! Hey! Hey!” antes de lançar o som massivo do sucesso viral do grupo) e, a fechar, «KUMARI».

WOLFMOTHER

Australianos, formados em Sydney no ano 2000, os WOLFMOTHER já nasceram no séc. XXI, mas evocam os 60s e 70s, com uma sonoridade explicitamente rock que traz de imediato à memória os melhores anos de pedras basilares do cânone como Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath. Em 2004, a banda liderada por Andrew Stockdale chamou a atenção com o seu estilo retro e letras vibrantes.

Um ano depois, com o LP de estreia auto intitulado, tornaram-se um sucesso global e foram aclamados pela sua abordagem contemporânea ao rock clássico, limada nos subsequentes «Cosmic Egg», «New Crown», «Victorius», «Rock’n’Roll Baby» e no mais recente «Rock Out», de 2021. Pelo caminho, apesar de profundas mudanças na sua formação, conquistaram fãs ao redor do mundo com canções poderosas e actuações enérgicas.

NO entanto, e por incrível que possa parecer, nunca mais voltaram a Portugal desde que, nos idos de 2007, se apresentaram para uma actuação única no saudoso Paradise Garage. Pois bem, neste muito ansiado regresso, o trio era, digamos assim, a “carta fora do baralho” neste primeiro dia de EVILLIVƎ FESTIVAL, mas incendiou o gigantesco palco instalado da MEO Arena com uma prestação electrizante.

A antecipação crescia, as luzes diminuíram e a silhueta inconfundível de Andrew Stockdale surgiu no palco, com os músicos a serem recebidos com uma ovação bastante considerável. Desde os primeiros acordes trovejantes de «Dimension», ficou claro que, mesmo sem os seus instrumentos (tocaram com material emprestado pelos MEN EATER) os três músicos não iam deixar créditos por mãos alheias e, quando o emblemático uivo de Stockdale ecoou pela arena, a plateia irrompeu em aplausos.

Com um alinhamento talvez não tão extenso como alguns fãs poderiam desejar, os WOLFMOTHER levaram a audiência numa viagem sonora pela sua ilustre carreira, e interpretaram cada canção com uma intensidade e precisão contagiantes. «Rock Out» e «Woman» fizeram o público dançar e cantar em uníssono, enquanto «Feelin’ Love» e «Victorious» exibiram enorme a capacidade que esta gente tem de criar hinos de rock épicos.

Pois bem, naquilo que só se pode descrever como uma viagem no tempo até à época primordial do rock, com a presença magnética de Stockdale, fosse a desfiar acordes na guitarra ou a soltar poderosas notas vocais, os WOLFMOTHER conseguiram a manter o público atento do início ao fim do concerto, que terminou com uma colossal «Joker & The Thief».

KATATONIA

Uma das últimas bandas a serem adicionadas ao cartaz da edição deste ano do EVILLIVƎ FESTIVAL, os KATATONIA não foram propriamente bafejados pela sorte neste aguardado regresso a Lisboa. Por um lado, já se previa que, sem Anders Nystrom na guitarra e apenas com o vocalista Jonas Renkse como único resistente do núcleo duro do projecto, o que íamos ter pela frente seria sempre uma versão algo descaracterizada de um dos nomes maiores do metal melancólico. No entanto, nada nos poderia ter preparado para o autêntico desastre que se seguiria.

Eram 20:05 e os músicos já estavam pontualmente em palco, prontos a dar início à actuação. A intro soou através do sistema de som e… Nada, a não ser uma falsa partida. Justiça seja feita, o bom do Jonas ainda cedeu a esperançar que o problema técnico que impediu o início do concerto fosse apenas momentâneo, e iniciou uma tímida conversa com o público, mas num daqueles momentos dignos de uns Spinal Tap acabou por ver-se totalmente sozinho em palco, optando por seguir o caminho dos seus companheiros de banda em direcção ao backstage.

Longa se tornava a espera, mas cerca de um quarto de hora depois, os KATATONIA lá regressaram ao palco e deram início à sua actuação com «Birds», do seu mais recente álbum, o aplaudido «Sky Void Of Stars». Infelizmente tornou-se logo óbvio que o som estava muito longe de perfeito, com a voz, as guitarras e a tarola a não “furarem” na mistura, um problema que se manteve durante toda a actuação.

Para agravar, o início tardio acabou por fazer com que o concerto fosse muito mais curto do que estava estipulado. Forçados a cortar uma série de temas da setlist, os músicos, definitivamente numa daquelas noites para esquecer, acabaram por dar demasiado foco ao seu material mais recente, com apenas «My Twin», «July» e «Leaders» a remeterem para a sua fase dourada. Agora é esperar que votem em breve, de preferência com melhor sorte na bagagem.

MACHINE HEAD

Depois de quase uma década afastados dos festivais de Verão, os MACHINE HEAD ensaiaram um regresso ao formato em 2023 e, este ano, subiram ao palco do EVILLIVƎ FESTIVAL logo na sua noite inaugural. Mais fortes do que nunca após terem sofrido um revés a que a maioria das bandas não teria resistido (com a abrupta saída de dois elementos de longa data ainda na fase pré-pandémica), Robb Flynn e companhia trouxeram na bagagem alguns temas do seu álbum mais recente, «Øf Kingdøm And Crøwn».

Para simplificar as coisas: os MACHINE HEAD acabaram por abafar toda a competição e, apesar da afluência ter ficado aquém do que se esperava neste primeiro dia do evento, quando os ponteiros do relógio apontavam 21:45, Flynn subiu ao palco e, irradiando alegria e confiança, provocou a primeira onda de fervor digna de registo vinda da multidão.

Como se esperava, o último elemento original da banda que ele próprio fundou em 1991, surgiu em cena acompanhado por Jared MacEachern no baixo, Reece Scrugs na guitarra e Matt Alston na bateria, com o quarteto a revelar-se, desde logo, uma unidade bem sólida e capaz de recriar a mistura única de géneros que sempre os caracterizou – e que flui perfeitamente dos grooves mais pesadões até aos tons harmónicos característicos da N.W.O.B.H.M., passando por melodias envolventes e refrões orelhudos, a que raramente alguém consegue resistir.

O espectáculo arrancou com a já tradicional «Imperium», o fumo espalhou-se rapidamente pelo palco, as colunas de fogo começaram a bombar e as luzes estroboscópicas pareciamm estar a trabalhar horas extra – cá em baixo, o público reagiu em consonância, e com fervor. O som ainda não tinha estado tão potente ou, sequer, definido.

A bateria atinge a plateia directamente no peito como um desfibrilador e, com os MACHINE HEAD a atacarem rapidamente mais um daqueles clássicos incontornáveis dos seus alinhamentos, a brutalíssima «Ten Ton Hammer», do «The More Things Change», o circle pit, que entretanto se abriu a meio da sala, assemelha-se a um daqueles globos de neve pequenitos, que alguém está a agitar furiosamente. No ar, voam martelos insufláveis, atirados para a audiência por um par de roadies.

Mesmo entregando habilmente mudanças de ritmo impulsionadas pelos ritmos envolventes de MacEachern e Alston e pelas guitarras relâmpago de Scrugs e Flynn, «CHØKE ØN THE ASHES ØF YØUR HATE», do mais recente álbum, serviu essencialmente para acalmar os ânimos por breves instantes, mas de seguida (e de forma inteligente), a banda mergulhou habilmente numa viagem por diferentes partes do seu catálogo, numa sequência de temas capaz de agradar tanto aos fãs mais antigos como aos mais recentes – ouviram-se, entre pequenas pausas para o mentor do grupo “puxar” pelo público, .

Robb Flynn é um mestre de cerimónias por excelência, lançando apelos constantes (“Headbang motherfucker!” e “Get your fists in the sky!” foram os que se ouviram mais vezes) a que todos, ou quase todos, obedeceram. Os temas sucedem-se de forma escorreita, com destaque para uma poderosa «Now We Die», para a contagiante «Is There Somebody Out There?» e para a épica «Locust», com a incrível troca de riffs antes do enorme breakdown a ser recebida com um rugido de aprovação da multidão.

Já após o tema-título do disco de 2022, «NØ GØDS, NØ MASTERS», e um dispensável solo de guitarra cortesia do mais recente elemento do grupo, os MACHINE HEAD entraram na fase final do alinhamento com «Darkness Within» e, com o baixo de MacEachern a soar como um trovão e Alston a rasgar as peles, os músicos dispararam sem piedade uma «Bulldozer» que fez pleno jus ao seu título ao, simplesmente, esmagar tudo, antes ainda de «From This Day» trazer mais um daqueles refrões a que ninguém consegue resistir.

A disparar os últimos cartuchos, Flynn e companhia fecharam o espectáculo com chave de ouro e uma sequência irresistível composta pelo monolítico conhecido como «Davidian», que continua a atropelar tudo o que acompanha pela frente como um tanque de guerra com aquele gancho de “LET FREEDOM RING LIKE A SHOTGUN BLAST!”, e «Halo», um daqueles temas com mais mudanças de ritmo e acrobacias estilosas que um filme do Vin Diesel. Resultado, extremamente coesos, armadas com um alinhamento a que só faltou a velhinha «Old» e numa produção digníssima de respeito (muito fumo, ainda mais fogo, confettis, insufláveis e outros truques que tais), os MACHINE HEAD não teriam estado deslocados como cabeças de cartaz.

KERRY KING

verdade que, no que toca ao pináculo das seis cordas do thrash, KERRY KING ocupa um dos lugares cimeiros e, após a desafortunada digressão de despedida dos SLAYER em 2019, muitos foram os que ficaram à espera, com a respiração suspensa, para ver o que o guitarrista faria a seguir. Sem hesitação, apesar dos atrasos provocados pela pandemia, o músico foi directo para o estúdio gravar o seu primeiro álbum a solo, «From Hell I Rise», que serviu de mote à tour de Verão que, ontem à noite, chegou ao seu término com uma actuação como cabeça de cartaz da edição de 2024 do EVILLIVƎ FESTIVAL.

Apesar disso, após a destruição que foi o espectáculo dos MACHINE HEAD, era quase inevitável questionarmos se o público, francamente mais reduzido do que se esperava para este primeiro dia de festival, ainda conservava a energia e/ou o empolgamento necessário para receber a estreia da nova banda do lendário guitarrista californiano em Portugal. Dando destaque ao material do disco deste ano, o espectáculo começou com a intro «Diabolo» enquanto a banda entra no palco.

Rodeado por músicos com nomes bem sonantes no metal – Paul Bostaph na bateria, Kyle Sanders no baixo, Phil Demmel na guitarra e Mark Osegueda na voz – KERRY KING estabeleceu um grupo de veteranos da música extrema e, se isso nem sempre é sinal de genialidade, o quinteto provou desde lado ser uma verdadeira força na natureza. Isso tornou-se notório imediatamente a partir do momento em que iniciaram a actuação com «Where I Reign», sucedida rapidamente por mais dois temas novos, «Trophies Of The Tyrant» e «Toxic».

O som e a entrega revelam-se implacáveis, numa barragem de batidas rápidas, riffs cortantes, solos acrobáticos e vocalizações abrasivas. Em palco, os cinco músicos estão nitidamente on fire, revelando uma solidez impressionante. No entanto, confirmando os piores temores, olhando à volta, percebe-se que a plateia está meio-atordoada, sobretudo em comparação com o frenesim provocado por Robb Flynn e companhia.

Sem grande espaço para respirar, e mostrando que os músicos sabem perfeitamente que um espectáculo destes não pode passar sem alguns clássicos, KERRY KING e os seus companheiros atiram-se a um dos melhores temas era mais recente da banda que o tornou famoso. A brutal «Repentless» foi a primeira das cinco canções dos SLAYER que o grupo tocou ontem à noite, mas, apesar de se ter ouvido também a «Discipline» e a «Chemical Warfare» sensivelmente a meio do set, o foco esteve no álbum a solo, que foi tocado quase totalidade.

Temas como «Two Fists»«Idle Hands»«Residue», «Rage» ou «Crucifixation» ecoaram como explosões de granada na MEO Arena, e uma coisa é certa: a banda estava claramente a divertir-se e mostrou-se em grande forma, com a soberba voz de Mark Osegueda a cortar com eficácia através do som pesado, Phil Demmel a dividir as despesas dos solos alucinantes com uma facilidade de fazer corar muitos aspirantes a este cargo, Kyle Sanders a manter um balanço arrasador e Paul Bostaph a marcar o ritmo com a solidez que já se lhe conhece.

Do lado direito do palco, KERRY KING esteve sempre mais focado na sua guitarra do que no que se passava à sua frente, mas o icónico início da «Raining Blood», que previsivelmente gerou a reacção mais entusiasmada noite por parte do público, e o sorriso no seu rosto mostraram-nos um veterano a desfrutar da banda-sonora que ele próprio criou para a sua juventude e de tantos presentes ali.

A espremer as últimas gotas que combustível que o público ainda tinham no tanque, os cinco músicos fecharam a sua actuação com a furiosa «Black Magic» e o tema- título de «From Hell I Rise», duas das melhores músicas que o guitarrista escreveu ao longo da sua carreira.