Apareceram como um quinteto distópico estreando-se com «Coma», um registo em que se fundiam géneros e erguiam um saudável melting pot sonoro. Na formação, músicos que passaram anteriormente por grupos como os LEGACY OF CYNTHIA, THANATOSCHIZO, SINMATTIC ou os britânicos JESUS BURGUERS. Logo na altura, o guitarrista Oz Vilesov explicava que “os VËLLA surgiram como uma forma natural dos cinco músicos que compõem o grupo libertarem a sua criatividade sem grandes amarras”. Além de Oz, no projecto embarcaram também Pedro Lopes, na voz, Mário Lopez, na guitarra, César Craveiro, no baixo e voz, e Paulo Adelino, na bateria. Todos músicos que, desde o princípio, não pretenderam “estar colados a um subgénero dentro do metal. Todos temos gostos muito diferentes e queremos deixar essa criatividade fluir e que seja ela a guiar-nos ao invés de nos condicionarmos com barreiras musicais ou de estilo”, diziam. Em «Coma» havia as várias layers de electrónicano tema «Mannequin». Convidados como Miguel Inglês, dos EQUALEFT, ajudavam no lado mais gutural da equação, impregnavam temas de groove e até estavam lá os blastbeats do deathcore melódico. “Gostamos todos de muita coisa diferente, dos Depeche Mode aos Cradle Of Filth, passando pelo hip-hop, pelos Slipknot e até pelos Converge”, clamavam eles.
Entretanto, o lançamento do disco acabou por surgir no meio de uma pandemia que ninguém previra. Todo o cenário apocalíptico vivido nos dois últimos anos marcou, particularmente, a música feita neste período. “Foi uma fase muito complicada”, conta Oz, recordando como criaram a “banda a meio de 2019”, compondo e gravando um disco “em seis meses”. Depois fizeram o lançamento de «Coma», “no início de 2020, cheios de pica porque tínhamos planeados vários concertos para promover o disco ao vivo, e tudo foi cancelado devido à pandemia e ao confinamento a que o governo português sujeitou toda a sociedade”. Porém, os músicos não baixaram os braços e tiveram de se adaptar, como reconhece o guitarrista. “Focámo-nos em fazer vários vídeos para que o disco fosse ‘sobrevivendo’ e sendo notado. Centrámos os nossos esforços numa promoção totalmente digital e virada para as redes sociais para fazer com que o nome da banda se tornasse familiar dentro do nosso panorama. Acho que isso foi conseguido. Esse período também foi profícuo em termos de composição. Escrevemos muita música e alguma dela pode ser ouvida hoje no que é o «Entity Vol. I»”. Assim se chama o novo disco, um EP, lançado pela espanhola Art Gates Records. No total, são cinco temas, mais pesados, com os instrumentos a soarem mais unidos e directos. Tome-se, por exemplo, «Of Savagery», com a sua batida acelerada, vozes guturais desesperadas, ao fundo um timbre feminino que soa e conduz ao refrão, mais melódico. A bateria sempre desenfreada, o baixo pulsante e, lá no meio, uma malha de guitarra discreta. No final, fica-se a pedir mais, mas este é só o volume um. Como a primeira parte de algo, que se pretende continuar.
“A ideia partiu do Mário Lopes, nosso guitarrista lead, que é uma pessoa muito atenta ao que se passa na indústria de outros géneros musicais, desde a pop, ao R&B, passando pelo hip-hop”, conta Oz. “Reparámos que muitos artistas já consagrados optam por lançar singles ou pequenos EPs em vez de álbuns, e para nós isso faz todo o sentido porque ainda somos uma banda pequena e, nos dias de hoje, a sociedade em que vivemos inunda-nos com estímulos aos quais reagimos quase por instinto. Actualmente, a música é consumida maioritariamente através das plataformas de streaming e dos telemóveis. Todos sabemos que nos nossos telemóveis e nas redes sociais temos 1001 coisas a atravessar o feed a uma velocidade impressionante. As pessoas clicam aqui, clicam ali, ouvem uma música ou duas, depois vêem um vídeo, depois tiram uma selfie e fazem um post, comentam o post do amigo… e continuam a fazer scroll. Para uma banda com a nossa dimensão, lançar um disco de nove ou dez temas não era muito benéfico porque seria facilmente engolido por essa torrente de informações e estímulos”. Na opinião do guitarrista, a nova obra “certamente passados dois meses, se tanto, teria caído no esquecimento do público, dos media e dos promotores. Assim, lançando um álbum em dois volumes, irá ter uma exposição temporal muito maior e terá também dois períodos promocionais distintos. Achamos que tudo isso irá beneficiar o nosso trabalho em termos de atenção, quer do público, quer dos media, quer dos promotores”. O lançamento acaba a ser pensado não só para o primeiro disco, mas também para o segundo, porque “quem ouvir o segundo volume sem ter conhecimento do primeiro, se gostar do que fazemos, irá também procurar mais sobre nós e irá certamente ouvir o primeiro volume também”. Estratégia assumida numa “tentativa de não nos afogarmos no meio da agitação que circunda a indústria musical de hoje, quer a nível de distribuição, quer de promoção e do próprio consumo”.
Basta olhar para os títulos dos temas e percebe-se que também estes são pensados e, certamente, estamos perante um trabalho conceptual. “O conceito é mais vasto do que possa parecer e é apenas um conceito abrangente a todas as letras“, explica o guitarrista. “Em termos musicais o disco não foi concebido de forma conceptual. «Entity» baseia-se sobretudo nas diversas (id)entidades que um ser humano tem dentro de si. Numa hora somos nostálgicos, noutra somos agressivos, noutra somos pacificadores, noutra somos predadores, noutra somos presas. Todos nós usamos diferentes máscaras, ou capas, no dia a dia. No trabalho somos uma pessoa, com os amigos somos outra, e temos quase que como uma máscara que usamos para cada situação com que nos deparamos diariamente. O Pedro Lopes, nosso vocalista, pegou nesse conceito e escreveu sobre essas várias facetas”. Pensa-se nos já quase três anos entre a formação, a gravação e a pandemia, e questiona-se a forma deste novo trabalho, mais introspectivo, como referido acima, e o efeito que a COVID-19 teve nele. “Acho que somos seres evolutivos e que tudo o que nos rodeia afecta ou molda a nossa maneira de ser. A pandemia também serviu para vermos o bom e mau das pessoas. Desde os açambarcadores de papel higiénico e álcool gel, aos que, voluntariamente, serviram refeições e deram roupa aos mais necessitados. Mas em termos líricos acho que isso acabou por não ter grande influência no que o Pedro acabou por escrever. Ele por vezes gosta de mergulhar nas suas memórias e nas suas fantasias para aquilo que escreve ser o mais genuíno e verdadeiro possível”.
Do primeiro trabalho para este, sente-se mais agressividade, como em «Of Fate», por exemplo. “O que sentimos do «Coma» para este «Entity» é que necessitávamos de mais hooks e que a nossa música fosse, de alguma forma, mais fácil de se tonar memorável para quem a ouve. Não tivemos nenhuma intenção de a tornar mais pesada ou mais leve. Foi o que saiu. Talvez o próximo EP seja completamente o inverso. Os VËLLA são uma banda que não se fecha numa redoma musical. Queremos sempre deixar caminhos abertos para que a nossa criatividade possa fluir sem barreiras. Curiosamente as letras são escritas depois dos instrumentais, pois é para nós mais fácil construir um tema sem voz do que o oposto. Portanto, as letras em nada influenciaram a agressividade ou o peso dos temas; se calhar, até foi o instrumental que condicionou algum tipo de abordagem lírica”. Nas colaborações, ressalta-se a presença de Lucas Bishop, que marca bastante os DOWNFALL OF MANKIND, grupo com alguma similaridade musical com o material de «Entity». “O Lucas é como um irmão para nós, mas acabou por não ter influência na sonoridade do disco, a não ser na música «Of Rebirth», a que emprestou a voz e tem uma performance absolutamente demolidora”, relata o guitarrista. “Sabíamos, quando o convidámos, que ia trazer o seu cunho pessoal para esse tema e foi isso que lhe pedimos, dando-lhe toda a liberdade para o fazer. Curiosamente a música em que participa até acaba por ter em si mesma duas facetas bem distintas. Tem talvez as partes mais calmas do disco e talvez as mais extremas”. No entanto, mais que antes, os blastbeats estão presentes, porque a banda sentiu que “faziam sentido para trazer uma certa dinâmica a algumas partes de várias músicas, mas como sentimos tanta liberdade em relação ao que escrevemos em vez dos blastbeats podiam ser partes com uma viola campaniça e vozes angelicais. O que manda é a canção. Apenas fizemos o que elas pediam”.
Surpresa maior, foi encontrar o grupo na Art Gates Records. “Decidimos que o melhor para nós era olhar para o mercado ibérico como um só. Olhar para Portugal e Espanha como um único território. Espanha está aqui ao lado e em poucas horas consegues deslocar-te para tocar num festival que lá aconteça, e o nosso objectivo passa por aí: conquistar também uma franja de audiência no mercado espanhol e tocar ao vivo tanto em Espanha como em Portugal”, avança Oz. “Falámos com algumas pessoas e tivemos várias propostas, mas a partir do momento em que os contactos e as conversas com o Ivan Magdalena, e restante staff da Art Gates Records, se foram desenvolvendo, sentimos que são o parceiro ideal para o que queremos fazer e para nos ajudarem a chegar onde ambicionamos. A Art Gates tem uma estrutura muitíssimo profissional, que corresponde ao que queremos para a banda. É muito fácil falar com eles e trocar ideias. Estamos em permanente contacto, quase diariamente, e eles fazem-nos sentir em casa através de um ambiente de superfamília”. Com um excelente trabalho, certamente dos melhores EPs que Portugal verá neste ano, talvez os VËLLA consigam recuperar do atraso que inicialmente lhes foi imposto. Certamente que o quinteto irá gostar, e o metal nacional agradece.