Ainda se recordam de «Evil Blues», editado no ano passado? Ou chegaram sequer a escutar o disco? Era feito de um cruzamento entre dark rock e blues, que se poderia facilmente inscrever no black metal. Trabalho fresco e inovador, completamente fora da caixa, para um metal luso conservador, sempre a jogar dentro das mesmas fórmulas e modas. Pois bem, agora há «Blood Red Lullabies», um segundo álbum do projecto. Nele conspiraram El Vaquero Ungulado,na voz, guitarras e letras, Towkuhsh Razamod no baixo, harmónica, acordeão, guitarra e piano, Andrecadente na bateria acústica e percussões, André Hencleeday no piano e Jorge Silva, na flauta. Do azul dos blues do primeiro álbum, e também no conceito da arte, parte-se agora para o vermelho. “É essa a cor que escorre por este disco”, assume El Vaquero Ungulado, ou Nuno M.M.R.,como também surge creditado. “O vermelho sangue, o vermelho da raiva e o do desejo”. E não se julgue que é um caso, pois “as cores são importantes para HOOFMARK, ajudam-me a encontrar o sentido das músicas e, no final, o sentido do álbum”. É por isso que “a mesma cor pode contar muitas histórias diferentes”, e “isso orienta quer os temas das músicas, quer a consistência interna dos álbuns”. De acordo com o músico, “no «Evil Blues» as diferenças de humores têm um fio condutor, espero que agora, no «Blood Red Lullabies», tenhamos tido o mesmo sucesso”. É um acrescentar de nova cor à paleta que o Nuno tem vindo a construir – “com o «Blood Red Lullabies» estamos a reafirmar a nossa mistura natural de heavy music com myth-making e a torná-la mais espontânea, rítmica e, honestamente, sombria”, diz-nos.
«Evil Blues», aquele que foi, efectivamente, o primeiro trabalho do projecto, esteve entre os melhores trabalhos de 2021, garantindo mesmo um nono lugar entre os dez melhores álbuns nacionais para a LOUD! Apesar disso, Nuno afirma ter “dificuldade em fazer essa análise” quando se lhe pede que fale sobre o impacto do disco. “O que eu sei é que o «Evil Blues» será sempre um disco muito especial para mim e com o qual provavelmente terei sempre grande afinidade”, elabora. “Pela preparação que requereu, pela fase da vida em que surgiu e pelo prazer da execução, com todo o caos que envolveu, há ali uma parte de mim importante que ficou gravada e que, por isso, me traz felicidade. A boa receção foi muito bem-vinda e contribuiu para me dar ânimo para continuar”. Essa continuação faz-se agora, com este novo trabalho. O músico diz que, “se o anterior foi o disco das paisagens, que olhou para elas e viu qualquer coisa de errado nos grandes objectos da natureza, este novo trabalho tem uma escala mais micro.” Ao contrário da música que inclui a paisagem e o refúgio na paisagem no seu imaginário,“chamemos-lhe romântico”, diz o músico, o primeiro trabalho apontou o que estava mal nelas. Agora faz-se “a mesma afirmação, de que há aqui qualquer coisa de errado, mas nas relações interpessoais, na agudização das diferenças irreconciliáveis. E é nesse sentido que o disco também é diferente”. O contraste entre ambos, segundo El Vaquero, está entre o primeiro registo soar “mais claustrofóbico, enquanto o novo, pese embora ser mais virado para dentro, tem mais espaço”. Nuno reflecte mesmo que, no que toca ao processo de composição,“o «Evil Blues» foi um disco muito trabalhado e mastigado. Em muitas das músicas aconteceu eu desde muito cedo ter princípio e meio, meio e fim, princípio e fim, mas raramente um tema completo. Foi lá com o tempo. O «Blood Red Lullabies» foi espontaneidade e essa é a sua história. Em grande medida, o que surgiu foi o que ficou”.
Escutar HOOFMARK é passar por um carrossel sonoro. Basta abrir este novo trabalho, escutar aquele psych rock misturado com flauta, em «So Indifferent Blues», saltar até à urgência de «A Clapalong», ou escutar a distorção que embala os blues de «Mito Artificial» e percebe-se a (boa) salada sonora que fervilha aqui. “Eu deixei de pensar em HOOFMARK em termos de variações”, confessa Nuno. “Se tiver consistência interna ‘para mim’ é porque pertence ao disco. Não há intenção de fazer variado; o variado apresenta-se e a intenção é encontrar-lhe o sentido, embora seja claro que há uma base rock and roll que eu prezo muito. Às vezes não é claro e não entra, outras vezes é e fica no disco. Admito que seja um método de trabalho selvagem e que, por causa disso, os resultados possam causar estranheza ou repulsa. Em todo o caso, o principal crescimento pessoal que assinalo em mim como artista é estar melhor a fazer essa análise interior do que é que pertence e porquê”. Entre discos, a formação foi mudando, quer do lado dos colaboradores, quer do projecto em si, agora transmutado a duo, com a entrada de Ricardo Rodrigues. “Foi um processo natural”, explica El Vaquero. “No início era só eu e não imaginava que isso viesse a ser de outra maneira, porque tinha a visão romântica do projecto de música one-man, qual ‘wanderer above the Sea of Fog’, e era inflexível em relação a abrir mão do processo criativo. Com o tempo, essa perspetiva mudou dramaticamente e hoje posso dizer que HOOFMARK tem ganho muito em abraçar as perspetivas de outros. O Ricardo Rodrigues é o exemplo mais claro desse enriquecimento. Temos a quantidade certa de coisas em comum e que nos diferenciam para que o produto final beneficie dessa interação”. Para lá de Ricardo, há mais nomes envolvidos e, no «Blood Red Lullabies», o músico contou também com”a felicidade de trabalhar com o André Hencleeday (no piano) e com o Jorge Silva (na flauta). Finalmente, o André Silva regressou à bateria com um bom gosto de chorar por mais”.
Logo no primeiro vídeo, percebe-se a ironia e um certo nonsense. Junte-se a isto o termo «Lullabies» associado aum disco supostamente de black metal, e fica a nítida sensação de que há aqui uma agenda oculta para fazer sorrir o mais empedernido trve do underground. “As pessoas são livres de não sorrirem e não faço tenções de promover o contrári;, aliás, se há coisa de que eu gosto acerca do black metal é que é muito bom a manipular essa matéria prima que é o ódio”. Apesar disso, da perspectiva de HOOFMARK, El Vaquero afirma gostar “que se saiba divertir, pois isso é compatível com o meu caráter”. É por isso que «A Clapalong» “tem esse lado kitsch, quanto a mim, pela via da sinceridade, divertimo-nos bastante a montá-lo e esperamos que um bocadinho disso passe para fora”. No entanto, “a música é séria, há um interesse em estudar o extravasamento das diferenças profundas entre pessoas e grupos que caracterizam o nosso presente”, afirma o músico. “É uma coisa que faço num aspecto da minha vida que não está ligado à música e que, desta vez, também derramou para HOOFMARK. O «Lullabies» fica para a interpretação de cada um”.