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EARTHLESS: “Expansão de som constante, é isso que tentamos criar desde o início.” [entrevista]

Uma das mais lendárias propostas no espectro do stoner instrumental, os EARTHLESS regressam a Portugal para uma muito antecipada actuação no SONICBLAST FEST.

Duas décadas depois de terem dado os primeiros passos, as lendas do stoner EARTHLESS voltaram às edições com um novo álbum, intitulado «Night Parade Of One Hundred Demons», a 28 de Janeiro do ano passado. O power trio de San Diego, composto por Isaiah Mitchell na guitarra e voz, Mike Eginton no baixo e Mario Rubalcaba na bateria, gravou o álbum com a ajuda do amigo de longa data Ben Moore e inspirou-se numa lenda japonesa em que, uma vez por ano, uma horda de demónios e fantasmas vem aterrorizae os habitantes das aldeias adormecidas à noite. Sobre esta novidade, estivemos ao telefone com o simpático Mitchell, uma das forças motrizes da banda que, hoje, 12 de Agosto, regressa a Portugal para uma actuação no SONICBLAST FEST.

Por esta altura, são já duas décadas de Earthless…

É verdade! É incrível, não é? Eu, apesar de tudo, não sinto que tenha passado todo esse tempo, mas efectivamente passou mesmo. [risos] Não sei, man, a sério. É engraçado que tenhamos chegado aqui, sabes? É um marco porreiro. Afinal, são duas décadas de música. O curioso é que eu, se olhar para trás, para aquela altura em que começámos a banda, já achava que íamos estar por aqui durante algum tempo. Não sei se pensava exactamente que íamos continuar a tocar juntos dali a vinte anos, mas sabia que era algo para durar porque, desde o início, sempre nos divertimos muito a tocar uns com os outros. Há um som distinto quando estamos juntos, isso é especial. Termos a oportunidade de fazer isto, e de irmos crescendo sempre mais um bocadinho, é incrível.

Como é que as pessoas reagiam no início quando percebiam que a vossa música era maioritariamente instrumental?

Acho que algumas pessoas se desinteressaram por causa disso. Naquela altura ainda era menos comum ouvir bandas a fazer música maioritariamente instrumental, acho que as pessoas agora estão mais abertas ao estilo de músico que fazemos. No entanto, acho que também houve muita gente a interessar-se exactamente por causa disso, portanto as coisas acabaram por ficar equilibradas. Todos, incluindo nós, estamos habituados a ouvir música cantada, com letras, porque esse é o cânone do rock, mas depois tem tudo a ver com o gosto pessoal de cada um. Há algo maravilhoso em bandas que não seguem a estrutura do que é supostamente uma canção, que improvisam e seguem em frente, sem parar. É uma expansão de som constante, é isso que tentamos criar desde o início.

De onde veio essa abordagem?

Bem, todos gostamos muito de jazz. No jazz, é muito comum haver um tema, depois os músicos improvisam, voltam para o tema… Além disso, todos nós crescemos a adorar bandas com os Led Zeppelin, que faziam jams de mais de vinte minutos a meio da «Dazed And Confused». Essas cenas sempre me atraíram. Caramba, ali estavam aqueles quatro músicos, a embarcar numa aventura e a ver onde ela os levava, ainda por cima à frente daquelas multidões de gente. Às vezes regressavam de forma brilhante, outras nem por isso, mas era sempre uma aventura. Os Zeppelin, os Cream, todas as bandas dos 60 e 70, exploravam essa faceta mais auto-indulgente, que tanto pode ser muito divertida e muito inspiradora como um autêntico desastre.

Há que ter, então, cuidado para evitar desastres?

Claro. Tentamos sempre ter cuidado. [risos]

O disco foi gravado em 2021, com a pandemia ainda muito presente na cabeça de toda a gente. Como foi esse período para vocês?

2021 foi… [pausa] 2021 foi um ano muito diferente de 2020. Logo para começar, tivemos oportunidade de gravar, fizemos os primeiros concertos desde o início da pandemia e, na verdade, começámos a poder sair mais um bocadinho. Nesse aspecto, foi muito melhor. No entanto, em 2020, estivemos focados no processo de composição deste disco novo, por isso também não foi mau de todo. Eu sei que isto pode parecer estranho, mas foram dois anos bons para nós, muito produtivos. Usámos a ausência de quaisquer viagens, de qualquer digressão, da melhor forma possível, porque escrevemos e gravámos um álbum. Não estamos em posição para nos estarmos a queixar. Até porque, no final das contas, fomos uns sortudos. Não tivemos de passar por nenhuma tragédia familiar, mantivemo-nos todos saudáveis, temos comida na mesa… Muita gente não pode dizer o mesmo.

Este álbum teria soado diferente se tivesse sido escrito noutras circunstâncias?

Oh, tenho a certeza que sim. É bem possível que não estivéssemos a falar agora sobre um novo álbum se a pandemia não tivesse acontecido, porque não teríamos tido todo este tempo livre. Foi isso que fez este disco ser o que é, porque sei que, sem tanto tempo para estarmos focados, não soaria como soa. A pandemia criou este álbum, criou a tensão de não podermos tocar ao vivo, de não termos a libertação que é estarmos em palco todos juntos. Não sei como soaria, mas as coisas seriam muito diferentes noutras condições, tenho a certeza disso. Canalizámos todas as nossas frustrações nestes temas, primeiro porque ninguém percebia bem o que se estava a passar, depois porque nem nos podíamos juntar e não havia prespectiva de tocarmos ao vivo, mas isso transformou-se na alegria que é estarmos todos novamente a tocar, a criar. As ideias começaram a fluir e acabou por ser um processo muito simples.

Numa altura em que o espectro de atenção das pessoas é cada vez mais e mais reduzido, o «Night Parade Of One Hundred Demons» é composto por apenas dois temas, sendo que um deles tem mais de 40 minutos. Sentes que estão a remar contra a maré?

Não sei, sinceramente. Nós nem sequer pensamos nisso nesses termos, só tocamos o que nos dá gozo. Por um lado, não estamos propriamente atentos ao que se passa à nossa volta em termos musicais; por outro, nunca estivemos preocupados com convenções. Eu sei que não é comum haver bandas a lançarem temas assim tão extensos, que eu saiba, pelo menos, acho não há muitas bandas a fazer as coisas assim, por isso… Não sei, no final, pode ser um ponto a nosso favor, talvez? A verdade é que temos um público, que gosta de viajar connosco, portanto é bem possível que as pessoas também estejam fartas do que é suposto ser uma canção. Uma coisa é certa, em nenhum momento pensamos no que o público, os jornalistas ou o pessoal da editora vão dizer quando estamos a compor ou a gravar. Limitamo-nos a seguir o instincto, vamos para onde a inspiração nos leva. No final, é uma viagem, não importa o tempo que demora.

Até que ponto a improvisação é fulcral para atingirem o resultado final?

Acho que se pode dizer que é um elemento essencial do que fazemos. Os temas são feitos na sala de ensaio, connosco os três a trocarmos ideias, a moldarmos os riffs, as melodias, até estarmos satisfeitos com o rumo que as coisas estão a tomar. Nos concertos fazemos sempre questão de improvisar e quando estamos em estúdio também porque, na verdade, as nossas composições nunca estão completamente fechadas… Há sempre espaços, onde podemos improvisar, e é muito fixe termos essa liberdade quando estamos a tocar.

Como é óbvio, alimentam-se da energia gerada entre vocês. Imagina que, com a pandemia, tinham tido de escrever um disco à distância, sem poderem estar os três juntos na mesma sala. Achas que continuaria a ser Earthless?

É engraçado, porque não aconteceu desta vez, mas tivemos de fazer algo do género no nosso disco anterior, o «Black Heaven», e eventualmente percebemos que conseguimos fazer efectivamente um disco dos Earthless assim, mas não é a mesma coisa. Eu continuo a gostar muito desse álbum, atenção, mas não é mesmo o nosso método preferencial para criarmos música para esta banda, isso é certo. É muito mais fixe estarmos todos fechados na mesma sala, grande parte da magia do que fazemos reside aí.