Chino Moreno sóbrio, Stephen Carpenter em recuperação — os DEFTONES falam sobre «Private Music» e o seu renascimento colectivo.
No mundo do metal alternativo, poucas bandas mantêm uma aura tão enigmática e, ao mesmo tempo, tão visceral como os DEFTONES. A chegada de «Private Music», o décimo álbum de estúdio do grupo liderado por Chino Moreno, não apenas deu continuidade à sua discografia de culto, como também oferece um raro vislumbre dos seus bastidores emocionais. Fruto de um ano e meio de trabalho intermitente entre 2023 e 2024, este novo capítulo sonoro surge envolto numa narrativa de doença, cura, sobriedade e renovação interior — tanto a nível pessoal como criativo.
Numa entrevista reveladora, Moreno, Stephen Carpenter e os restantes membros da banda partilharam com invulgar franqueza os contornos íntimos do processo que levou à criação de «Private Music», que foi lançado ontem, 22 de Agosto. Segundo Chino Morno, apesar de todo o trabalho envolvido na criação no novo LP, este foi um processo particularmente prazeroso: porque fazer um disco é obviamente trabalhoso, mas deve ser algo divertido. A icónica voz dos DEFTONES admite que já gravou álbuns em que não se sentia criativo, e que por isso o processo se tornava quase mecânico, mas que neste caso tudo foi diferente. Graças a um calendário bem mais espaçado, tudo se tornou mais leve, quase lúdico.
Ainda que envolto num espírito descontraído, «Private Music» não foi feito à margem das dificuldades. Stephen Carpenter revelou que atravessou um período particularmente conturbado durante a pandemia, em que caiu na inércia e se afastou da banda, física e emocionalmente. Ao entrar no ciclo de «Ohms», só pensava em descansar, sentia que só estavam a fazer as coisas “por fazer“. A pandemia, inicialmente vista como uma pausa bem-vinda, acentuou hábitos nocivos. Mais tarde, foi-lhe diagnosticada diabetes tipo 2 — uma revelação que transformou a forma como vê a sua saúde e a sua participação no grupo.
Durante a digressão norte-americana de 2024, o guitarrista dos DEFTONES sentiu que estava a passar pelo período mais exigente da sua vida, e de aprender a gerir a energia ao descobrir que era diabético e que tinha passado décadas a castigar o corpo com açúcar. Recordou o concerto no Coachella como um dos momentos mais difíceis da sua carreira, confessando que mal conseguia manter-se de pé em palco e que só pensava em não desmaiar. Foi então que percebeu o quão perto esteve de uma ruptura grave, e decidiu mudar radicalmente o seu estilo de vida: começou a comer bem, a fazer exercício, a reestruturar a sua rotina e, acima de tudo, a ser grato por ainda estar vivo.
Carpenter, que deixou de participar em digressões internacionais por se recusar a viajar de avião, explicou que tem vindo a fazer as digressões norte-americanas de autocarro, enquanto os outros membros viajam de avião. Apesar dessas limitações logísticas, sente-se agora mais motivado do que em muitos anos, e até reconhece que quer investir mais nos DEFTONES do que tem feito recentemente.
Também Chino Moreno atravessou uma metamorfose pessoal profunda. Hoje, com quase três anos de sobriedade, reconhece que a clareza que conquistou foi um ponto de viragem total na sua vida. Durante a pandemia, esperava que o isolamento servisse de estímulo criativo, mas aconteceu o oposto. Passava os dias no estúdio sem inspiração, e rapidamente se viu num ciclo de consumo diário de álcool: punha um disco a tocar, pegava na guitarra por um minuto e abria uma cerveja — e tudo isso começava antes das dez da manhã. Sentia-se cada vez mais triste, cada vez mais só. A certa altura, percebeu que estava numa espiral desctrutiva e decidiu tentar algo que nunca tinha experimentado: a sobriedade.
Segundo o próprio, foi como despertar. Quando voltou a escrever, tudo parecia mais claro, mais directo, mais verdadeiro. Antes, precisava de uma bebida antes de subir a palco, para se soltar, divertir-se, sentir-se capaz. Mas nunca conseguia ver gravações suas ao vivo — sentia vergonha, desconforto, evitava ver-se. Com o tempo, percebeu porquê: não estava feliz consigo mesmo e sabia que podia fazer melhor.
A sobriedade, além de lhe devolver o foco, trouxe-lhe um sentido renovado de identidade e de prazer em atuar. Como explicou a com Zane Lowe, da Apple Music, agora sente-se dentro da música, em vez de a entorpecer — e isso tornou tudo mais autêntico. A transformação de Chino não passou despercebida aos colegas. Abe Cunningham, baterista da banda, diz que nunca o viu tão enérgico e centrado, e mostrou-se emocionado por ver o amigo de uma vida a confiar em si próprio e a florescer de forma tão evidente.
Entretanto, o universo dos DEFTONES mudou também do lado do público. Desde 2022, a banda oriunda de Sacramento tem vindo a notar um crescimento acentuado na audiência mais jovem, em parte graças ao TikTok. Chino contou que, em encontros recentes com fãs, perguntava quem tinha mostrado a música da banda a quem — se os filhos aos pais ou vice-versa — e que as respostas eram sempre divididas. Essa conexão intergeracional trouxe nova energia à banda, que se vê como ponte entre diferentes gerações, e asseguram que isso é algo que consideram especial e inspirador.
O processo criativo de «Private Music» refletiu esse espírito mais aberto e colaborativo. O single «My Mind Is A Mountain», por exemplo, nasceu de uma jam espontânea, sem plano definido — tal como aconteceu com a clássica «Change (In The House Of Flies»). Carpenter referiu-se ao tema pelo título provisório de «Boot» e explicou que a sua construção foi orgânica, natural, quase mágica. Já Chino destacou o seu impacto: adorou o facto do tema ser bombástico, ter aquele balanço que faz abanar a cabeça, algo que sempre procuraram em todas as fases da banda, independentemente do estilo.
O título do LP, por seu lado, surgiu de forma aparentemente prosaica — era o nome da pasta no laptop onde Chino guardava as gravações —, mas acabou por refletir muito bem a natureza pessoal e íntima do álbum. O vocalista explicou que gostava do sentimento de exclusividade que o nome transmitia, da ideia de que havia ali algo privado, restrito, até com um certo lado provocador. Ao longo da entrevista, que já podes ver na íntegra, os DEFTONES revisitaram também memórias antigas — os riscos de «White Pony», a ausência do saudoso Chi Cheng, a espontaneidade que sempre os guiou — mas o foco esteve sempre no presente.
No final, o que mais salta à vista é que os DEFTONES mostram que há uma nova vontade de estarem ali, uma motivação que não vem de contratos ou obrigações, mas de um desejo partilhado de criar, viver e crescer. «Private Music», tudo indica, não é apenas mais um álbum. É o reflexo cru e honesto de uma banda que sobreviveu às suas dores e regressa, agora, com mais clareza, humanidade e propósito.
















