DEAP VALLY

DEAP VALLY: “Representámos sempre o empoderamento.”[entrevista]

Em périplo mundial de despedida, as DEAP VALLY aterram em Lisboa hoje, segunda-feira, dia 20 de Maio. Em jeito de antecipação de uma noite que se espera escaldante, falámos com Julie Edwards.

As roqueiras norte-americans DEAP VALLY vão despedir-se dos fãs como uma extensa digressão mundial e, após as datas nos Estados Unidos, na próxima segunda-feira, dia 20 de Maio, iniciam o seu último périplo europeu em Lisboa, com um concerto único, e que se espera escaldante, no LAV – Lisboa Ao Vivo. Em jeito de antecipação, estivemos à conversa com a baterista Julie Edwards, a baterista das DEAP VALLY e, claro, quisemos saber as razões que levaram a este ponto final prematuro numa carreira que tinha tudo para continuar a ser um brilho e à regravação do LP de estreia, o explosivo «Sistrionix».

Como correram os concertos de despedida das nos Estados Unidos?
Foram muito bons. Esta tour está cheia de intencionalidade, como não acontecia há muitos anos, porque é a nossa última digressão. Em todos os espectáculos, é como se déssemos tudo e deixássemos tudo para trás. Estamos num fluxo tão livre de troca de energia com o público e gostamos mesmo de estar presentes no momento, por isso tem sido incrível.

Sei que a cena atual é muito difícil para bandas como as DEAP VALLY, sei que não é rentável para quase ninguém, a não ser que sejam os Foo Fighters, os Pearl Jam ou uma outra grande banda, mas… O que vos levou a decidir acabar com um estrondo? Fazer uma última digressão e pronto?
Bem, nunca há uma única razão para algo acontecer, certo? São sempre uma série de diferentes razões que se juntam. E sim, as finanças são uma das principais. A Lindsey e eu temos dois filhos com idades compreendidas entre um e oito anos. Portanto, a nossa verdade não é [uma verdade] muito sensual.

Sinto que talvez não seja suposto falar sobre isso, mas não alcançámos sucesso suficiente com as DEAP VALLY. Não ganhámos dinheiro suficiente para sustentar as nossas famílias, ter aqueles filhos e trazê-los em digressão connosco – o que é muito caro – ou deixá-los em casa, o que é muito caro também. Já para não falar da força emocional que é preciso ter para estar longe dos filhos durante longos períodos como mãe. De certa forma, é como se não tivéssemos chegado lá. E sim, se fossemos os Foo Fighters, seria diferente. Mas não somos. Temos andado a fazer tudo. Fizemos tudo o que podíamos para continuar e demos o nosso melhor.

Por esta altura, lançámos o nosso disco por conta própria. Portanto, temos a nossa própria editora. E eu tenho gerido as DEAP VALLY há anos para garantir que ganhamos dinheiro na estrada, foi como se tivesse tratado de cada cêntimo que recebemos. Sinto que o tempo que nos é pedido e exigido é difícil de dar sem ganharmos o dinheiro que esse nos custa, por isso tivemos de tomar essa decisão difícil e quisemos fazê-lo bem. Queríamos ter uma última oportunidade para nos despedirmos dos nossos fãs no maior número de cidades possível. Acreditar no nosso legado, em vez de nos baldarmos e colocarmos uma mensagem no Instagram a dizer que já não vamos dar concertos. Adeus! [risos]

Falaste no Instagram e, actualmente, se uma banda não estiver nas redes sociais é como se não existisse. Deve ser difícil fazer música, dar espectáculos e ainda ter de criar conteúdos para as redes sociais das DEAP VALLY.
Sabem que mais, eu sou velha. [risos] Portanto, para mim, as redes sociais não assim são “nativas”, digamos assim, entre aspas. Não as compreendo muito bem. Não gosto de partilhar a minha vida momento a momento, sabem? Não gosto. Não me sinto confortável com isso. Não é normal para mim. Portanto, sim, é extremamente difícil porque isso, por si só, é um trabalho a tempo inteiro.

Neste ciclo, comecei a editar muitos dos nossos vídeos e a criar muitas das nossas pequenas peças de conteúdo – e é como se nunca fosse suficiente, nunca é suficiente. E simplesmente não há horas suficientes no meu dia. Depois, se quisermos contratar alguém para o fazer por nós, custa muito dinheiro. Quem me dera conseguir estar a transmitir ao vivo o dia todo e dizer: “A minha vida é esta, prestem-me atenção, sigam-me“, mas isso não acontece organicamente. Nem para a Lindsey, nem para mim, por isso…

Vejo bandas que tiveram muito sucesso antes das redes sociais, vejo o tamanho das salas onde tocam agora e quantas pessoas vão a esses concertos, e sei que é porque são como eu e não acompanharam a forma de comercializar e comunicar e construir seguidores… É o que é. Quer dizer, por um lado, é para que possas fazer com que isso aconteça, se tiveres essa vontade e um plano e tiveres tempo, podes realmente fazer com que isso aconteça por ti próprio de uma forma que nunca existiu antes.

Ao mesmo tempo, quando penso num dos meus músicos favoritos de sempre, o Elliot Smith… Ele nunca sobreviveria ou existiria nos dias de hoje, porque mal queria estar num palco à frente das pessoas, quanto mais ser do tipo: “Ei, malta, vejam o meu vídeo, subscrevam e sigam”. Impossível. É uma mudança de paradigma completa, completa e total.

Lembro-me do tempo em que comprava uma revista para saber as últimas notícias sobre as bandas, para ter apenas uma fotografia e alimentar aquele sonho de os ver ou talvez ter oportunidade de os fotografar também… Essa intensidade ao saborear o momento desapareceu.
Bem, eu acho que é tudo uma questão de personalidade primeiro. Parece que é tudo uma questão de personalidade primeiro, não é? Muitas vezes, quando estamos a ser entrevistadas, perguntam-nos que conselho daríamos a um músico que estivesse a começar. E eu digo literalmente: “Sê um influenciador”. Se tiveres jeito para a coisa e apetecer-te fazer música, então fá-lo.

Não há nenhum trabalho nas artes criativas que não dependa fortemente do marketing nas redes sociais. Quer dizer, se calhar já não há nenhum emprego que não dependa disso. Talvez a entrada de dados, mas não tenho bem a certeza. Há uma cacofonia de escolhas de entretenimento e, por isso, a forma como se consegue passar à frente e garantir que as pessoas saibam quem somos, o que estamos a fazer, é uma loucura e envolve muito trabalho árduo.

E sabem que mais? Não é compensador. Honestamente, é uma porcaria. Sou apenas uma pessoa velha, que se queixa de uma coisa que os jovens têm como algo natural, mas nós, os velhos, estávamos habituados a ter tempo para nós, sem fazermos nada ou apenas para pensarmos em nós próprios, nos nossos pensamentos. Não estamos habituados a isto.

Compreendo que há uma nova geração, e que há novos meios de comunicação. No passado, os programas de rádio era onde se ouviam os novos artistas; hoje em dia, são as listas do Spotify ou da Apple Music que nos dão, de certa forma, o que temos para ouvir.
Ainda te lembras? Não sei se alguma vez o fizeste, mas eu ia literalmente à loja de discos e comprava qualquer coisa porque alguém me dizia para o fazer, sem fazer a mínima ideia de como soava. Lembro-me de alguém me ter dito: “Tens de comprar o «Dots and Loops», dos Stereo Lab.”

E eu fiquei tipo, “OK, nem sei o que esperar.” E, depois, o momento mágico de o pôr a tocar e ser tipo, uau, tipo “O quê? Sabes, não quero saber como são, não quero saber nada, apenas ter essa experiência realmente imediata, essa experiência emocional de ouvir a música.

Para terminar, porque decidiram regravar o «Sistrionix», agora conhecido como «Sistrionix 2.0»? Não estavam satisfeitas com como foi feito originalmente?
Não foi por não estarmos satisfeitas com a forma como soava. Basicamente, passei a maior parte do ano passado a fazer contabilidade forense. E descobri que nunca tínhamos visto um cêntimo de streaming, downloads ou vendas físicas desse disco por causa do acordo que fizemos na altura. Comecei a investigar o assunto e apercebi-me de que se tratava de um contrato perpétuo. A editora é dona do disco e das canções até ao infinito. Tentei negociar um acordo diferente, e eles não cederam. Não cederam um centímetro de maneira nenhuma.

Então pensámos fazer a nossa própria versão. Assim, temos as nossas próprias gravações, o que nos vai ajudar um pouco, e não parece um exercício de futilidade promover um disco que, no fim de contas, não faz nada por nós. Também nos deu oportunidade de fazer esse disco sem o pessoal do A&R, sem tantos cozinheiros na cozinha a tentar transformá-lo num crossover pop ou o que quer que estivesse a acontecer naquela altura.

Acho que mostra como as DEAP VALLY sempre representaram o empoderamento, e temos sido muito empoderadas, mas no primeiro disco isso pode ser discutível porque, mais uma vez, havia muitos cozinheiros nasala, estávamos numa grande editora. E toda a gente dizia: “Vocês são empoderadas, mas nós é que decidimos quais são os singles. Vocês são mulheres com poder, mas um grupo de homens nesta sala é que vai tomar essas decisões.”

Era uma espécie de mentira. Desta vez, é como se tivéssemos mesmo esse poder. Fizemo-lo à nossa própria custa e no nosso próprio tempo. Tornámo-lo mais sombrio, mais pesado, mais cru. E permitimos que reflectisse a forma como essas músicas evoluíram quando as tocamos ao vivo ao longo dos anos.

Fica o conselho; nunca façam um contrato discográfico ao estilo Buzz Lightyear: “Para o infinito e mais além”. [risos]
[risos] Não sei qual é o meu conselho. Não sei o que sinto, mas agora a indústria também é muito diferente. Acho que só assinas um contrato se já tiveres dois milhões de seguidores no SoundCloud, por isso não tenho bem a certeza. Acho que diria a mim mesma para ser inovadora. É uma experiência. Experimenta coisas. Algumas coisas vão funcionar. Algumas coisas não vão funcionar. Foi que se passou com as DEAP VALLY.