ZEBRAHEAD

Num movimento que fez da morte uma linguagem estética, DEAD foi o único que falou verdadeiramente através dela.

Na mitologia sombria do black metal, poucos nomes são tão reverenciados, temidos e incompreendidos quanto o de Per Yngve Ohlin, mais conhecido como Dead, vocalista dos lendários MAYHEM entre 1988 e 1991. Figura enigmática, marcada por uma sensibilidade macabra e uma aura de sofrimento existencial, o jovem Yngve tornou-se um ícone involuntário, tanto pela sua contribuição estética e filosófica ao género como pela forma trágica como a sua vida terminou precocemente. Ao contrário de muitos músicos que se tornam lendas após a morte, Dead parecia já caminhar entre fantasmas enquanto respirava.

Nascido a 16 de Janeiro de 1969, na Suécia, Per Yngve Ohlin teve uma infância marcada por um incidente que viria a moldar profundamente a sua visão do mundo — e de si. Durante a adolescência, sofreu uma hemorragia interna grave após um acidente em que o baço rebentou, deixando-o clinicamente morto por alguns minutos antes de ser reanimado. Mais tarde, dizia que essa experiência lhe dera uma percepção única da morte, como se tivesse deixado de ser verdadeiramente humano.

A obsessão com o além, o cadáver, a decomposição e o niilismo existencial enraizou-se desde então. O nome Dead foi escolha sua, e não uma provocação artística — era, antes, uma declaração identitária. Foi em 1988 que Dead se juntou aos MAYHEM, banda norueguesa já então algo influente na cena extrema, liderada por Euronymous (nascido Øystein Aarseth), e rapidamente se tornou a personificação viva da estética que definiria o black metal.

Enquanto outras bandas de metal extremo exploravam temas obscuros com um certo distanciamento performativo, Dead vivia a sua arte em cada gesto, e em cada palavra. Reza a lenda que a sua presença em palco era tão arrebatadora quanto perturbadora: pintava o rosto com corpse paint gélida e austera, enterrava as roupas para lhes dar um cheiro de putrefacção e, em algumas ocasiões, chegava mesmo a automutilar-se durante os concertos, cortando os braços com lâminas ou vidro partido.

Não era teatro — era autêntico, brutal, catártico. Como disse mais tarde Hellhammer, baterista da banda: “Ele não se cortava para dar espectáculo. Ele fazia-o porque sentia que tinha de o fazer.” Fosse como fosse, a verdade é que o seu contributo lírico e conceptual nos MAYHEM acabou por revelar-se decisivo, sendo imortalizado no infame «Live in Leipzig», de 1990, e também nas sessões de pré-produção do álbum «De Mysteriis Dom Sathanas», lançado postumamente em 1994.

As letras mergulhavam na escuridão espiritual, no isolamento, na desesperança e na adoração do abismo. Ao contrário dos excessos satânicos caricaturais de muitas outras bandas, Dead parecia verdadeiramente possuído por um desejo de escapar ao mundo dos vivos. E foi assim que, no dia 8 de Abril de 1991, com apenas 22 anos, Dead pôs termo à própria vida na casa onde os MAYHEM ensaiavam. Deixou um bilhete que começava com a frase: “Excuse all the blood.” Cortou os pulsos e a garganta antes de disparar uma caçadeira contra a cabeça.

O seu corpo foi encontrado por Euronymous, que em vez de chamar imediatamente as autoridades, tirou fotografias ao cadáver (uma das quais seria usada mais tarde como capa do bootleg «Dawn Of The Black Hearts») e recolheu pedaços do crânio, que alegadamente distribuiu por outros músicos da cena. Este gesto, grotesco e controverso, tornou-se símbolo do culto doentio que se gerava em torno da figura de Dead. E sim, a sua morte marcou efectivamenye um ponto de viragem no black metal, não apenas pela tragédia em si, mas pela forma como expôs os limites do extremismo, da autenticidade e da teatralidade.

O suicídio de Dead revelou que, para alguns, a fronteira entre arte e realidade tinha sido completamente destruída — e, no seu caso, irreversivelmente. Portanto, mais do que um vocalista ou performer, Dead foi também sinónimo de uma ideia levada ao extremo: a ideia de que o black metal não é só música, mas um estado de espírito. A sua influência estética e ideológica é visível em dezenas de bandas que seguiram os MAYHEM — desde os noruegueses GORGOROTH e DARKTHRONE, até cultos modernos como WATAIN ou MGŁA.

No entanto, o seu legado não é isento de ambiguidade; se, por um lado, representa o lado mais visceral e sincero do black metal, também expôs a vulnerabilidade extrema de um jovem que nunca encontrou paz entre os vivos. Como escreveu uns anos mais tarde Ihsahn, dos EMPEROR, refletindo sobre a influência de Dead: “O que começou como música tornou-se numa obsessão com a autenticidade, com a morte, com a destruição. E o Dead foi o primeiro a cruzar o limite.”

Hoje, mais de três décadas depois da sua morte, o nome Dead permanece gravado na história do metal como um símbolo maior do black metal em estado puro — um grito silencioso vindo das profundezas da existência. A sua figura continua a assombrar não só a discografia dos MAYHEM, mas toda uma cultura musical que se debate entre a arte e a destruição, entre o gesto e a verdade.