Aproveitando a mais recente incursão dos brutalistas canadianos CRYPTOPSY pelo Velho Continente, estivemos à conversa com o muito simpático Matt McGachy, que nos fez algumas revelações bem interessantes.
A LOUD! esteve recentemente na Irlanda para assistir a uma série de concertos, entre os quais se inclui uma passagem da Unquestionable Blasphemy Tour, a digressão conjunta dos canadianos CRYPTOPSY com os ATHEIST, por Dublin. Bem no coração de Temple Bar, curiosamente na esplanada do The Temple Bar, estivemos à conversa com o vocalista Matt McGachy para falar sobre a digressão, o novo disco «As Gomorrah Burns» e o plano a dez anos que a banda tem para a sua carreira.
Estávamos a falar em off e parecias surpreso com o clima em que vivemos agora, em que é caro fazer digressões. Não vos surpreende que a tour esteja a correr tão bem?
A verdade é que estamos muito, muito gratos por podermos estar em digressão. É a primeira vez que regressamos à Europa depois da pandemia e ouvi tantos amigos músicos dizerem que as coisas tinha mudado completamente, que a comida agora era uma porcaria e que tudo era muito mais caro… Mas, sinceramente, a sensação é a mesma.
Uma coisa que diferente, que não costumávamos ver, é que as pessoas estão a comprar o merchandise com cartão de crédito, por isso talvez estejam mais inclinadas a endividar-se um pouco mais para apoiar os artistas, o que nos deixa gratos. Mas a sensação é a mesma. É óptimo estarmos aqui.
Lançaram um álbum novo, o primeiro em dez anos, em Setembro do ano passado. Obviamente, há um par de EPs que lançaram pelo meio… Ainda vale a pena fazer álbuns?
Acho que sim. A antecipação e a preparação para fazer um álbum são excitantes e mantêm-nos vivos e muito ligados à identidade da banda neste momento. O que me entristece no lançamento de música nesta nova era é que um álbum tem cerca de um mês de vida até passar à história – e, claro, nós dedicamos muito tempo a fazer um disco.
Sei que algumas pessoas o apreciam por muito mais tempo, mas, normalmente, temos um mês para estabelecer uma ligação com o público nas redes sociais e, depois, deixa de ter importância porque o ciclo de outra banda está a começar. Adoramos fazer música e vamos fazer mais música muito mais rapidamente.
Eu tenho um plano de 10 anos. O Flo vai fazer 50 anos este ano. É um dos melhores bateristas do mundo e queremos que continue a actuar no seu melhor nível durante mais 10 anos e dizer hipoteticamente: “Ele está em boa forma. Achamos que ele pode fazer isto por mais 10 anos”. E queremos lançar muito mais música durante esse período.
Falaste no período de longevidade de um disco, o que é impressionante no mau sentido, pois há tanta música nova a sair. Como é que uma banda pode manter o interesse da sua base de fãs?
Penso que, infelizmente, é necessário apresentar constantemente conteúdos interessantes. As redes sociais dominam! E nós não somos os melhores nas redes sociais. Esforçamo-nos por fazer melhor, por criar pequenas notícias interessantes que possamos dar aos jornalistas e que circulem, como o facto dos Cryptopsy serem a primeira banda internacional de metal a tocar na Arábia Saudita.
Esse tipo de coisas é algo que mantém a banda na ribalta, digamos, mas temos de ser criativos. Temos de ter estas ideias. Recentemente, o filho do Chris, o William, de sete anos, subiu ao palco connosco em Eindhoven. Fizemos uma série de filmagens e estou a partilhá-las nas redes sociais neste momento.
Estamos a tentar arranjar estas pequenas tácticas, o que quer que lhes queiramos chamar, para nos mantermos sob o olhar do público, porque acho que é importante. Os Cryptopsy são uma banda antiga, mas também somos extremamente relevantes.
Dá mais trabalho agora do que há 30 anos, quando começaram?
Eu não estava na banda há 30 anos, não sei bem como as coisas funcionavam na altura, mas sei que é preciso trabalhar muito mais para promover uma banda do lado do artista. Antigamente, havia muito mais ilusão em torno de quem eram os músicos, e algumas bandas brincavam com isso e inventavam todos esses… O Lord Worm era uma entidade!
Se o Lord Worm tivesse uma conta no Instagram e visses que era apenas um tipo normal, um tipo normal muito interessante, ele é exatamente o que parece ser. No entanto, a ilusão seria muito menor. A ilusão seria muito menor e, hipoteticamente, o fascínio por essa entidade diminuiria.
Para a composição deste disco, foram para uma cabana na floresta,o que é perfeito para o enredo de um filme de terror!
Exatamente. [risos]
Como foi essa experiência? Manteve-vos mais concentrados no processo de composição?
Sim, mas a pandemia começou exactamente nessa semana, por isso estávamos extremamente distraídos ao mesmo tempo. Gostamos de nos juntar. Gostamos de beber muita cerveja. É algo que o Chris precisa de fazer… Ele tem a particularidade de odiar tudo, e quando bebe um pouco de cerveja, isso diminui um pouco.
Então é mais ou menos assim… Precisamos de estar um pouco ébrios para desfrutar, para começar a escrever… Mas foi interessante estarmos tão isolados e juntos, porque nunca tínhamos feito isso antes. Agora estamos a planear escrever o próximo disco, vamos fazer uma digressão nos Estados Unidos com os Death to All, e estamos a planear escrever o disco durante essa digressão, o que também é uma coisa nova.
Como foi a recepção ao álbum? Ficaste surpreso com o feedback?
Fiquei contente. Todos nós sentimos que tínhamos um bom disco em ãos. Sentimo-nos orgulhosos dele. É definitivamente uma nova era dos Cryptopsy. Tem a sua própria identidade ao mesmo tempo que venera o legado. Ficámos satisfeitos e sentimos que os fãs tiveram a mesma reacção. Há algo novo e excitante ali, algo relevante, mas a identidade dos Cryptopsy está definitivamente presente em todo o disco.
Com uma banda como a vossa, com o legado que têm , como se tenta chegar aos novos fãs? Porque a velha guarda já está lá…
Estamos a tentar expandir o nosso leque de digressões, digamos assim. Queremos tocar com bandas mais jovens, esse é um plano que temos. Temos uma digressão que ainda não foi anunciada para Outubro, com uma banda muito mais jovem. Esperamos agarrar a base de fãs deles, expô-los ao legado dos Cryptopsy e mostrar que ainda somos relevantes. Também adoramos, pessoalmente, e reparei muito nisso nesta digressão, que haja um ressurgimento de jovens, miúdos, adolescentes, que dizem adorar o death metal da velha guarda.
Há bandas como Sanguisugabogg, Undeath, Frozen Soul, que estão a arrastar todos estes jovens a descobrir um disco como o «None So Vile». Olho para o público e há sempre cinco a dez jovens de 17 anos com t-shirts do «None So Vile» ou do «Blasphemy Made Flesh», a cantar todas as letras para mim. E isso é importante, precisamos de ter mais disso.
Parece haver, de facto, uma geração mais jovem, muito ligada ao death metal – o que, à primeira vista, não se esperaria.
Isso é óptimo, porque precisamos de um ressurgimento. Adoro as bandas antigas, obviamente, eu sou velho. Já não vou para o pit. Estou reformado do pit, por isso precisamos de alguns jovens para rejuvenescer a cena, e os discos ainda são muito bons, sabes? São obras-primas. Sou tendencioso, porque estou na banda, mas não entrei nesse disco. O «None So Vile» é o meu álbum preferido dos Cryptopsy. É perfeito, e influenciou tantas bandas.
O último disco foi lançado em Setembro do ano passado, e estavas a dizer-me que vais lançar com mais frequência…
Queremos lançar o próximo em 2025. Estou a pressionar a banda. Vai haver um novo álbum dos Cryptopsy no próximo ano. Tenho 100% certeza disso!
Consegues convencê-los?
Temos um plano, e vamos segui-lo, e acho que é importante para a banda manter a máquina a rolar, porque 2026 são 30 anos de «None So Vile», e vamos estar ocupados com isso. Portanto, 2025 é um buraco… Temos de o preencher!
Uma digressão como esta, com quatro bandas, é ideal para o metal extremo?
Acho que quatro é o suficiente. Já fiz outras digressões, como sete ou ouito bandas, em que estava no palco e pensava: “Será que disse o nome de todas as bandas?”. Eu gosto de um alinhamento com quatro grupos. Gosto muito. A onda da digressão tem sido incrível. Posso estar com o Kelly Schafer todas as noites.
Ele é uma lenda na cena, e é um tipo porreiro. A banda que ele juntou agora é formada por músicos incríveis. Estamos a divertir-nos imenso. Ainda nos faltam cinco dias. Chegamos àquele ponto em que ficamos tristes por ter acabado, mas entusiasmados por regressar a casa. É um estranho enigma yin-yang.
As digressões motivam-vos a escrever canções?
Sinceramente, é mais uma barreira, porque entramos num modo de actuação e tentamos concentrar-nos em tocar bem e não pensamos em escrever, pelo menos eu. Com a digressão dos Death To All a aproximar-se, estamos a planear escrever o próximo disco, porque vamos fazer duas noites em cada cidade e vamos ter mais tempo. No entanto, vamos ter que nos disciplinar para fazer as coisas.
Nesta digressão europeia não vão tocar em Portugal, mas, com o Flo a tocar nos Vltimas, há uma ligação ao país. Podemos esperar ou falar de uma eventual passagem pelo país em breve?
De momento, creio que não há nada planeado, mas a ideia é voltarmos à Europa nos festivais de Verão deste ano. E, depois, gostaria de fazer outra grande digressão europeia no início de 2025.
Voltando a «As Gomorah Burns», há obviamente um tema bíblico ali, mas trazido para os tempos modernos.
Correcto, sim.
Como vêem o mundo? As redes sociais são importantes, mas também há um lado menos bom…
As redes sociais, e o scroll, são uma espiral escura e sombria de morte interminável. Estamos a gastar o roaming todo, porque tudo o que fazemos nos bastidores é navegar e tentar mantermo-nos ligados ao mundo. É interminável. Há tanta negatividade nas redes sociais… Por mais que existam coisas positivas, sinto que essa negatividade vai continuar mais forte nos próximos anos. Quero mesmo ver as crianças a aborrecerem-se. Quando era miúdo, às vezes aborrecia-me, e não havia problema.
Não havia Internet! Não havia nada. Era uma boa maneira de ir brincar lá para fora…
Sim, ou simplesmente deitar-me no chão da cave em casa dos meus pais e não fazer nada. Os miúdos já não têm esse prazer.
Ou ouvir música. Tínhamos tempo para apreciar os temas, dissecar as letras.
Olhar para o booklet e para o vinil. Hoje em dia, preocupa-me o futuro das pessoas que não se conseguem aborrecer. Sou completamente viciado no meu telemóvel. Sou viciado nas redes sociais. O meu podcast obriga-me a estar sempre ligado e a tentar criar um envolvimento com as pessoas que o ouvem. É intenso.
É frustrante, por vezes, tentar fazer um bom podcast e perceber que ninguém está a ouvir?Acontece. O que é bonito num podcast é que ninguém vê necessariamente os números. A ilusão persiste, como eu digo sempre. Desde que sejas consistente e estejas ligado a toda a gente, vais conseguir as entrevistas.
Falámos das redes sociais e, obviamente, da importância que têm para a banda. Falámos sobre o lado mau, mas o que te parece a questão das notícias falsas…
Sim, isso é muito perigoso. As coisas tornam-se reais com um rapidez absurda. Temos uma canção sobre isso, chama-se «Godless Deceiver». No Brasil, uma mulher foi acusada de ser uma bruxa, de raptar crianças e de as matar. Um site de notícias local colocou um esboço dessa mulher na sua conta do Facebook e o desenho parecia-se com outra mulher…
A cidade foi encontrá-la e as pessoas espancaram-na até à morte. Portanto, o poder da internet é interminável. É assustador. E as coisas da IA, do ChatGPT, são uma loucura. Todas as bandas que estão a usar IA estão a ser desfeitas.
Os Pestilence fizeram uma capa com IA e depois os fãs deram cabo deles.
Sim, e depois substituiram essa capa por algo que parece um álbum ao vivo de 1982. [risos]
Poderá a IA substituir a arte que vem das mentes distorcidas?
É assustador, não sei. Provavelmente, sim, .mas a questão é que sinto que… Houve uma discussão sobre usarmos IA para a arte da capa deste último álbum. Já estamos a trabalhar nisto há muito tempo, por isso não era um tema tão quente há dois anos, digamos, quando começámos a planear a capa. O que eu disse foi: “Olha para estes filmes do início dos anos 2000 com a merda do CGI.”
Na altura, achámos que eram muito bons, mas agora olhamos para eles e pensamos: “Oh, são tão anos 2000.” É a mesma coisa com os estúdios… Se voltarmos atrás e ouvirmos os álbuns que foram produzidos em, digamos, meados dos anos 2000, sabemos exactamente que são dessa altura. Eu não queria ter uma arte de álbum que fosse tão “datável”. Queria algo que pudesse ser eterno, e não há nada mais eterno do que tinta na tela.