Uma noite intensa no LAV – Lisboa Ao Vivo: quatro bandas, energia avassaladora e um público rendido à celebração do metal extremo encabeçada pelos CRADLE OF FILTH.
Ainda a caminho do LAV- Lisboa Ao Vivo a antecipação para mais uma noite de metal extremo, carregado de alta energia e emoção crua, já era palpável, com grupos de fãs ansiosos, ao bom estilo heavy metal parking lot, a falarem dos seus temas favoritos e sobre o que esperavam ouvir. Lá dentro, quando as luzes se apagaram pela primeira vez, a sala ainda estava a meio-gás, mas o público presente estava pronto para uma noite repleta de actuações poderosas.
No ar, sentia-se um inegável zumbido eléctrico que antecipava a subida a palco da atracção principal da noite, mas assim que os BLACK SATELLITE começaram a tocar, recém-chegados à Europa vindos directamente de Nova Iorque, tornou-se claro que a plateia estava disposta a receber também as bandas de abertura de braços abertos. É verdade que o grupo norte-americano, liderado pela feroz Larissa Vale na voz e pelo guitarrista Kyle Hawken, ainda não é propriamente um nome conhecido deste lado do Atlântico, mas depois desta digressão, o provável é que essa a situação se altere.
Em Lisboa, o quarteto assinou um concerto feito de muito peso e de alguma melancolia, sendo que a sua presença magnética tratou de conquistar os presentes, que os acolheram com entusiasmo crescente desde o primeiro acorde.
Apoiados em temas como «Far Away», ou nos inéditos «Here It Ends» e «VOID», que combinam agressividade e atmosferas sombrias de forma visceral, os músicos levaram-nos numa viagem ao passado – mais concretamente, a uma época em que o nu-metal começou o seu flirt com os sons góticos e industrias. A fechar, Larrisa e companhia surpreenderam com uma boa versão de «Sonne», dos Rammstein, solidificando a ideia de que estão destinados a conquistar novos patamares.
Mais alinhados sonicamente com os cabeças de cartaz da noite, os alemães MENTAL CRUELTY, que têm andado pela Europa a promover o seu mais recente álbum, intitulado «Zwielicht», trouxeram consigo um espectáculo brutal, reafirmando o seu estatuto como uma das bandas mais relevantes da nova vaga de deathcore de influências sinfónicas. Desde o primeiro momento, a plateia foi lançada numa espiral de riffs esmagadores e batidas demolidoras, com os músicos a abrirem caminho com «Obsessis A Daemonio», um dos temas mais poderosos do seu mais recente longa-duração.
Desde os primeiros acordes, a energia na sala era palpável: mosh pit no centro, enquanto os (poucos) fãs mais devotos iam entoando as letras, mesmo diante da complexidade do gutural avassalador de Lucca Schmerler. O alinhamento foi um equilíbrio meticuloso entre os temas mais recentes e material de álbuns anteriores. Temas como «Forgotten Kings» e «Nordlys» evidenciaram bem a impressionante capacidade técnica dos músicos, com as guitarras de Marvin Kessler e Josh Niklas a alternarem entre riffs intrincados e breakdowns devastadores.
Entre as músicas, Lucca mostrou-se comunicativo e carismático, agradecendo ao público pela paixão e entrega. “Portugal, vocês são incríveis!”, gritou ele, antecedendo «Zwielicht», que criou uma atmosfera quase cinematográfica, graças aos seus elementos orquestrais e coros sinistros.
Após um breve change over, quando as luzes voltaram a baixar, os BUTCHER BABIES subiram ao palco com uma energia avassaladora e Heidi Shepherd, agora a única vocalista da banda de Los Angeles após o abandono definitivo de Carla Harvey, não precisou de mais de um tema para mostrar porque continua a ser uma das forças mais carismáticas do metal contemporâneo. O quarteto lançou-se a «Backstreets Of Tennessee» com uma ferocidade invejável e, com um som muito bem equilibrado, a voz da Sra. Shepperd revelou-se desde logo dominante, conduzindo a descarga de energia enquanto a cantora estabelecia um elo de ligação ao público.
Com a guitarra de Henry Flury, o baixo de Ricky Bonazza e a bateria de Devin Nickles a criarem uma parede de som pesado, a banda continuou a destilar a sua energia implacável com «Red Thunder» e «Monsters Ball», em que se destacou a dualidade de Heidi entre o registo limpo e uns rosnados que fariam corar o Phil Anselmo. «Sleeping With The Enemy», o novo single «Sincerity» e a poderosa «It’s Killing Time, Baby!», que fez a energia aumentar de novo, mostraram que a dinâmica entre estes quatro músicos é, à semelhança do que já tínhamos sentido no concerto de estreia do grupo por cá, eléctrica, com cada um a alimentar-se da energia do público e a dar tudo de si a um concerto tão agressivo quanto vistoso e vibrante.
«Beaver Cage» envolveu a sala numa mistura perfeita de peso e divertimento, «Spittin’ Teef» deu o mote para Heidi saltar do palco e cantar parte do tema no meio do circle pit e, a seguir , «Last December» veio baixar um pouco os níveis de energia, num momento de reflexão em que a voz melódica de Heidi acabou por revelar-se assombrosamente bela e criou uma atmosfera que ressoou com grande parte do público. A actuação encerrou com «Magnolia Blvd», uma canção que encapsula na perfeição o melhor do som de BUTCHER BABIES, e deixou o público a vibrar, solidificando-os como uma força a ter em conta no metal moderno.
Oriundos de Suffolk, em Inglaterra, os CRADLE OF FILTH surgiram em cena em 1991 e tornaram-se rapidamente proeminentes na cena do black metal de inspiração gótica e sinfónica. Os primeiros álbuns, nomeadamente a estreia «The Principle Of Evil Made Flesh», de 1994, estabeleceram o seu som de assinatura e, liderados pelo carismático Dani Filth, conhecido pelo seu estilo vocal muito distinto e pela presença teatral em palco, tornaram-se desde cedo sinónimo de canções sombrias e actuações arrebatadoras.
Ora bem, após um período menos inspirado, com «Hammer Of The Witches», a banda britânica conseguiu finalmente materializar um muito salitar ressurgimento e, nos últimos anos, as mudanças na formação, com Donny Burbage e Zoe Marie Federoff a substituirem Richard Shaw e Lindsay Schoolcraft, transformaram os CRADLE OF FILTH numa proposta mais sólida e coesa que nunca, cativando o público com espectáculos cada vez mais intensos e competentes. Em Lisboa, não foi diferente.
À medida que os roadies preparam o palco para a entrada da banda, a energia na sala já fervilhava, com os fãs a aproximarem-se do palco como abelhas à volta de uma colmeia – a vibração era, ao mesmo tempo, maníaca e ordenada. Enquanto «The Fate Of The World On Our Shoulders» tocava através do PA da sala, Martin Marthus Škaroopka dirigiu-se para o seu kit e a cabeça de Zoe Marie Federoff apareceu por cima do teclado. Os guitarristas Ashok e Donny Burbage, acompanhados pelo baixista Daniel Firth,ocuparam as suas posições e, por último, Dani Filth surgiu finalmente em cena, recebido desde logo com fervor pelo público.
O espectáculo arrancou com «Existential Terror»; os gritos agudos e os rosnados guturais de Dani furaram a mistura e estabeleceram imediatamente o tom para o que se seguiria. O vai-e-vem de Dani com Zoe Marie Federoff começou desde logo por criat uma certa profundidade atmosférica, explorada ainda mais a fundo no segundo tema do alinhamento, «Saffron’s Curse», inspirado nas complexidades do amor e da perda. Burbage e Ashok trocaram riffs que se entrelaçaram com os elementos orquestrais, amplificando ainda mais o romantismo sombrio da canção.
Logo a seguir, sem que a plateia tivesse tempo de recuperar o fôlego, os CRADLE OF FILTH entregaram uma feroz «The Forest Whispers My Name» e a química da banda brilhou mais alto, com Škaroupka a conduzir o ritmo enquanto as guitarras criavam uma paisagem sonora em camadas. «She Is A Fire» trouxe-nos de volta ao presente, com a dinâmica entre Dani e Zoe a acrescentar outra vez uma dimensão extra à actuação, «Summer Dying Fast» resultou noutra onda de pura nostalgia e o novo single «Malignant Perfection», com os seus solos intrincados, realçou uma vez mais toda a capacidade técnica dos dois guitarristas.
Por esta altura, a interacção entre a banda era mais que evidente e, fluindo para «Nymphetamine (Fix)», a energia na plateia subiu outro nível. À medida que o concerto progredia, «Born In A Burial Gown» permitiu que o Sr. Filth explorasse uma abordagem ainda um pouco mais melódica e «Malice Through The Looking Glass» adicionou ainda mais teatralidade à actuação, antes dos sons assombrosos de «Creatures That Kissed In Cold Mirrors» começarem a soar através do PA e lançaram uma calma arrepiante sobre a multidão, enquanto os CRADLE OF FILTH abandonavam o palco.
Com o silêncio quebrado por uma súbita erupção de aplausos, a energia da multidão aumentou com um fervor quase ritualista, chamando os CRADLE OF FILTH de volta ao palco para a última descida ao abismo. O ar ficou denso, pontuado pelos sons sinistros de «The Monstrous Sabbat», que introduziu o encore de três canções. A banda começou com «Cruelty Brought Thee Orchids», que fundiu beleza melódica e intensidade feroz, passou por «Scorched Earth Erotica», uma aula magistral de como fazer black metal sinfónico de qualidade superior e, para terminar, escolheu «Her Ghost In The Fog», um final assombrosamente belo que deixou o público em êxtase.