Se calhar até tinha sido mais simples terminar ali. Cumpridas as sentidas, mas necessariamente dolorosas, iniciativas de homenagem ao baixista Caleb Scofield, tragicamente falecido depois de um acidente de viação (e quem esteve, por exemplo, no concerto acústico do Roadburn 2018 sabe bem o peso emocional que o acontecimento teve), terminado como possível o «Final Transmission», com algumas das últimas composições e gravações do malogrado músico que nos deixou com apenas 39 anos, ninguém, nem mesmo os mais ardentes fãs, levaria a mal se os restantes membros dos Cave In deixassem, finalmente, o “monstro” descansar definitivamente. Mesmo o apoio da família de Caleb, mesmo que todos saibam que seria o seu desejo que continuassem. Podia ser demasiado difícil. Afinal todos eles têm outros outputs, os próprios Cave In estiveram vários anos em regime de semi-inactividade, por isso, porquê insistir, se não fosse uma coisa saudável?
Só que, chegados a 2022, e parece que sim, que os Cave In voltaram a ser uma coisa saudável. As homenagens e lembranças ao seu irmão caído tiveram o condão de curar as feridas, de transformar a dor em “apenas” saudade, e agora já com o “novo” baixista Nate Newton (esse, o dos Converge e dos Doomriders), amigo de longa data, plenamente integrado no posto que ninguém queria que tivesse sido deixado vago, o quarteto completado pelos outros três de sempre, Stephen Brodsky, Adam McGrath e J.R. Conners, arranjou maneira de renascer, e de voltar a ser uma banda “normal”.
Que não haja dúvidas, no entanto, que Caleb Scofield será sempre uma presença nunca negada neste grupo. A primeira coisa a destacar é, precisamente, que «New Reality», o tema de abertura, tem um riff que ainda foi da autoria do baixista. E é de certa forma poético que esse riff, nos primeiros segundos do álbum, mesmo que não se saiba quem o escreveu, é daqueles de levantar os pelinhos da nuca, porque é tão entusiasmante, tão forte, e tão Cave In também, que nos faz perceber nos primeiros dez segundos que um álbum de mais de uma hora vai ser especial. É desses. Uma das peças centrais do álbum, «Amaranthine», tanto em termos de posicionamento no alinhamento (é a oito de catorze totais) como pela ginga colossal que oferece, como se os Red Fang tenham decidido fazer uma jamzita com os Alice In Chains e os Neurosis ao mesmo tempo, também tem letra escrita por Scofield, pelo que o antigo companheiro continua a estar presente em alguns dos pontos altos do trabalho novo. Aliás, já que falámos deles, os Red Fang são um bom ponto de referência no geral – é imaginá-los uma banda mais “séria”, mais densa, com mais pretensões composicionais, e conseguem imaginar muito do binómio entretenimento/profundidade que é aqui atingido pelos Cave In.
Não há, no entanto, ponto mais alto que o último tema, «Wavering Angel». Percebemos que hoje em dia possa ser logo um factor de desencorajamento pôr um álbum a tocar e ver marcado 1:10:45, e sim, sem haver propriamente filler, porque a qualidade é constante e altíssima, há dois ou três temas lá para o meio que podiam ter sido guardados para outra ocasião para aliviar um bocado a espessura da coisa. Mas não há motivação melhor para ouvir o álbum completo, sinceramente, do que saber que se vai chegar à «Wavering Angel». Com todo o respeito pelos álbuns, decisivos e altamente influentes, que os Cave In já tiveram, desde a fúria imparável do «Until Your Heart Stops» à vastidão cinemática de «Jupiter», esta é bem capaz de ser a melhor canção que alguma vez escreveram. “Have you ever loved somebody too much?”, pergunta em frágil quase-murmúrio Stephen Brodsky logo a abrir, e a partir daí o tema vai-se desenvolvendo, crescendo, aumentando de volume, e aqueles minutos iniciais de solidão acústica, quando damos por nós, estão transformados numa montanha a desabar-nos em cima. Lágrimas, punhos no ar, murros na parede, introspecção melancólica, é um malhão para inspirar tudo e mais alguma coisa, e vai já directamente para o panteão das coisas boas que aconteceram à música em 2022.
O melhor que se pode dizer dos 58 minutos que antecedem esse monumento, é que estão todos empatados em segundo para o concurso de melhor música do álbum. Desde o groove fantástico de «Blood Spiller» à rockalhada de «Careless Offering», só para pegar em duas quase ao calhas, cada tema tem o seu próprio pequeno universo montado, e oferece algo diferente. Notável a integração de Nate Newton, que parece que faz parte disto há décadas, deixando a sua marca pessoal sem desiquilibrar o que é a personalidade dos Cave In. Uma personalidade complexa, que sempre foi camaleónica ao longo dos anos, podendo-se apontar de forma quase sem precedentes a importância do quarteto em géneros tão díspares como o metalcore, o space rock, o metal progressivo ou o (post-)hardcore, toda uma panóplia de rostos que ao longo de «Heavy Pendulum» parecem reunidos e resumidos numa amálgama, numa massa crítica, a que poucas vezes os próprios Cave In chegaram.
Tinha sido mais fácil desistir? Talvez. Mas os Cave In nunca fizeram o que era mais fácil. E ainda bem. [9]
«Heavy Pendulum» está disponível através da Relapse Records.