BRUTUS

BRUTUS: DISCO A DISCO c/ STEFANIE MANNAERTS [entrevista]

Uma visita guiada ao fundo de catálogo dos BRUTUS, cortesia da impressionante e muito talentosa baterista e vocalista STEFANIE MANNAERTS.

Desde que saíram do underground com o álbum de estreia «Burst», de 2017, os BRUTUS têm estado cada vez mais presentes no radar de todos os fãs de metal e rock pesado; pelo menos de todos com um interesse, mesmo que passageiro, pelo lado “mais Roadburn” da música pesada. Colisão de guitarras pesadas com influências de shoegaze e ganchos pós-hardcore, reforçada pela potência vocal e rítmica de Stefanie Mannaerts, o trio criou uma fórmula vencedora em «Nest», de 2019, elevada ao próximo nível no mais recente LP, «Unison Life».

Dentro das suas nuvens de som pós-metal e do impulso pós-hardcore, os temas mostram o coração de um grupo de músicos que também têm uma sensibilidade pop muito bem formada. Feitos uma unidade incrivelmente coesa, que tanto é capaz de uma raiva de cortar a garganta como de enormes crescendos lentos, tensos e envolventes, mesmo nos momentos mais biliosos, nunca perdem de vista a importância da escrita de canções no verdadeiro sentido da palavra – e, no que diz respeito à música pesada, não é fácil encontrar composições acessíveis e baseadas em ganchos tão fortes como as deles.

Antes de lançarmos o primeiro álbum, ainda metidos naquele processo de procurarmos a nossa própria identidade, fizemos três EPs em nome próprio e, depois, lançámos o «Brutu Guru», que foi um lançamento colaborativo (e partilhado) com os nossos amigos dos GURU GURU“, começou por explicar-nos a vocalista e baterista dos BRUTUS em jeito de introdução.

Os EPs foram essencialmente criados como deadlines para gravarmos qualquer coisa… [risos] Lembro-me que, quando reservámos o estúdio para gravar o último EP, ainda só tínhamos escrito uns três ou quatro temas, por isso fomos forçados a compor mais para termos material. Estávamos em 2005, foi há muito tempo, mas para mim os temas que gravámos nessa altura – sobretudo a «Bearclaws» – representam na perfeição o início dos BRUTUS“.

«BRUTU GURU»
[2015]

Somos todos bons amigos dos GURU GURU e, na altura, eles já tinham uma base de seguidores muito maior que a nossa, por isso pensámos que podia ser interessante fazer um split com eles. A ideia era, basicamente, fazermos uma versão de um tema deles, depois eles faziam uma versão de um tema nosso e, no final, juntávamo-nos todos para fazer uma versão de um tema com que todos concordássemos. Acabámos por escolher a «Troy», que é um original da Sinead O’ Connor, e todo o processo foi muito fixe.

Os ensaios correram muito bem, as gravações também… E a forma como ensaiámos a cover foi particularmente inspiradora. Na verdade, olhando para trás, foi uma espécie de cenário de sonho. Vocês sabem como é… Às vezes, só o facto de sermos bons amigos não quer dizer que as coisas tenham necessariamente de correr bem na sala de ensaios ou no estúdio. Pura e simplesmente porque a química pode não estar lá. De certa forma, acho que tivemos muita sorte quando decidimos trabalhar com os GURU GURU.

«BURST»
[2017]

O «Burst» foi gravado em Vancouver, no Canadá, e foi uma aventura muito interessante para todos nós. Acho que fizemos para aí uns 100 concertos com o intuito de juntarmos tanto dinheiro quanto possível para gravar o primeiro álbum e, quanto começámos a ver estúdios e a estudar hipóteses, surgiu a ideia de que poderia ser interessante viajarmos para um sítio qualquer para fazer o disco… Basicamente, pode dizer-se que começámos a sonhar! Como todos nós somos grandes fãs de uma banda canadiana de punk hardcore chamada WHITE LUNG, fomos investigar com quem é que eles gravavam e percebemos que o produtor de eleição deles era o Jesse Gander.

Concordámos que tínhamos de tentar trabalhar com ele e, se essa fosse a última coisa que fizéssemos com a banda, pelo menos podíamos morrer felizes. Inicialmente achámos que a hipótese mais viável seria trazê-lo para a Bélgica, mas começámos a fazer contas e percebemos que, se fossemos nós ao Canadá, só íamos gastar mais 500 dólares ou algo desse género, por isso decidimos avançar. Essa foi a nossa primeira grande aventura, sem dúvida. Na altura, nem sequer tínhamos nenhum contrato, só após termos terminado as gravações é que assinámos com a Hassle Records“.

«NEST»
[2019]

O «Nest» é um disco bastante mais intenso a todos os níveis. Os temas foram escritos em digressões e passámos mais de um ano longe de casa, por isso tínhamos muito mais pressão nos ombros. As reacções ao «Burst» apanharam-nos totalmente desprevenidos, na verdade. O disco foi lançado na Europa, depois nos Estados Unidos e, de repente, quando demos por isso, o Lars Ulrich, dos METALLICA, estava a elogiar-nos e a tocar a nossa música no programa de rádio dele. No espaço de apenas quatro anos aconteceram muitas coisas, dos elogios aos slots de abertura que fizemos para alguns grupos maiores – acho que nenhum de nós podia ter sonhado com esse tipo de conquistas quando decidimos começar esta banda.

Ainda antes de irmos para estúdio gravar o «Nest» recebemos um e-mail da Sargent House a mostrar interesse em trabalhar connosco e, para mim, isso foi como um sonho tornado realidade. O período que antecedeu o segundo álbum foi mesmo muito fixe, acho que se pode dizer que tínhamos uma surpresa boa quase todas as semanas. Parecia que não era real. [risos] No primeiro disco as coisas tinham corrido tão bem com o Jesse que decidimos ir para Vancouver outra vez.

O Jesse é um tipo tão dedicado como nós, está sempre apostado em ir um pouco mais além, em dar o seu melhor… De certa forma, acho que somos almas gémeas. Nós não saímos do estúdio se não estivermos satisfeitos com o que fizemos nesse dia, e ele não consegue ir dormir se não achar que a mistura em que está a trabalhar não está no ponto. Essa ética de trabalhar faz, sem dúvida, uma diferença enorme. Acho que, de certa forma, nos elevamos mutuamente.

«LIVE IN GHENT»
[2020]

O «Nest» foi editado em 2019, depois tivemos mais um ano ridículo em termos de digressões e, em 2020, o mundo parou subitamente devido à pandemia. Foi precisamente nesse período em que não pudemos tocar ao vivo que lançámos o «Live In Ghent». Não sei, eu acho que nenhum de nós teria sequer ponderado a hipótese de editar um álbum ao vivo tão cedo se não fosse devido à pandemia. Quem lança discos desse género são grupos com carreiras longas, quando já estão a celebrar o 20.º aniversário ou algo desse género – nós ainda somos uma banda muito jovem.

A verdade é que demos por nós fechados em casa, privados de uma das coisas que mais gostamos de fazer, tristes com o que se passava no mundo. Tínhamos a gravação, áudio e vídeo, desse espectáculo em Ghent e pensámos que, se calhar, as pessoas iam apreciar ouvi-lo numa altura em que não havia música ao vivo. Para ser muito honesta, esse não foi um concerto fácil para nós.

Foi a primeira vez que tocámos na nossa cidade após estarmos afastados durante uma série de meses, as nossas famílias e os nossos amigos mais chegados estavam todos no público, por isso estávamos todos stressados e, no final, acho que nenhum de nós ficou completamente satisfeito. No entanto, quando fomos ouvir as gravações, percebemos que não tinha sido tão mau como pensávamos, por isso falámos com o pessoal da editora e decidimos lançá-lo.

«UNISON LIFE»
[2022]

Começámos a escrever o «Unison Life» em Outubro de 2022. Já tínhamos saída da pandemia e os dois últimos anos tinham sido muito estranhos, mas não olho para ele como tendo sido resultado da pandemia ou algo desse género. Não lida directamente com isso, pelo menos. No entanto, o facto de termos sido forçados a parar durante uns tempos teve, sem dúvida, influência nos tópicos que abordei nas letras, por exemplo. Nenhum de nós pode negar que andávamos numa correria; basicamente, não tínhamos parado desde que o «Burst» foi editado.

Quando a pandemia começou, estávamos a preparar-nos para fazer aquela que seria a nossa maior digressão de sempre e, subitamente, vi-me forçada a lidar com tudo o que se tinha passado desde que começámos a banda, sabes? Acho que aprendi mais entre 2020 e 2022 do que nos últimos quinze anos, para ser muito sincera.

Eu sou daquelas pessoas que faz todos os possíveis para não ter de lidar com os problemas e com os sentimentos, por isso, ao estar enfiada em casa ou na sala de ensaios, sem hipótese de viver a vida lá fora, por assim dizer, foi como se tudo aquilo que tinha estado a acumular tivesse explodido na minha cabeça. É por isso que as letras são tão intensas, tão introspectivas. Nesse sentido, posso dizer que, sem a pandemia, as canções poderiam ter sido diferentes, pelo menos vocal e liricamente.

Os bilhetes para os concertos dos BRUTUS em Portugal custam 22€ e estão à venda através da Ticketline e nos locais habituais.