BLIND GUARDIAN

BLIND GUARDIAN: “Começámos no speed metal, e é a essas raízes que nos estamos a agarrar.” [entrevista]

É já no próximo Domingo, dia 4 de Agosto, que os BLIND GUARDIAN regressam finalmente a Portugal para um espectáculo único no Vagos Metal Fest. Em jeito de antecipação, estivemos à conversa com o guitarrista André Olbrich.

Em 1992, os BLIND GUARDIAN lançaram o clássico «Somewhere Far Beyond», um dos marcos mais lendários do speed metal alemão. Três décadas depois, a sua mais recente oferta, «The God Machine», mostra que é possível acordar a fúria da juventude para uma nova vida mágica. Como se tivesse feito uma visita há muito esperada aos inúmeros destaques da sua carreira, a banda germânica parece estar cada vez mais ligada aos fantasmas do seu próprio passado – e sem receio do que quer que seja.

Uns longos sete anos após «Beyond The Red Mirror» e quase três depois da obra orquestral «Blind Guardian Twilight Orchestra: Legacy Of The Dark Lands», Hansi Kürsch, André Olbrich, Marcus Siepen e Frederik Ehmke convidraam-nos para o seu crepúsculo dos deuses. Em 2022, os arranjos opulentos e os poderosos coros que os tornaram famosos permaneceram intactos; no entanto, agora são utilizados de uma forma muito mais selectiva, focada e ressonante, com «The God Machine» a abraçar plenamente a evolução enquanto homenageia as raízes de uma banda que começou humildemente em Krefeld, na Alemanha.

Em vésperas de um muito aguardado regresso a Portugal, para uma actuação inserida no Vagos Metal Fest, a LOUD! aproveitou a passagem da banda pela Irlanda e, nos bastidores do lendário The Academy, em Dublin, esteve à conversa com André Olbrich, o guitarrista dos BLIND GUARDIAN.

Como tem sido a digressão de promoção ao «The God Machine» até agora?
Tem sido fantástico! Penso que já demos mais de 60 concertos para promover o álbum. E sim, a maior parte dos espectáculos estiveram esgotados. A reacção às novas canções e ao espectáculo em geral têm sido espantosas. Recebemos excelente feedback todos os dias, e acho que a banda está em muito boa forma. As actuações são muito, muito coesas. Estamos todos bem preparados… E o alinhamento de temas é, por assim dizer, o melhor dos melhores.

Com tantos discos no vosso fundo de catálogo, é fácil escolher uma setlist? Antes de mais, sabemos que os fãs querem ouvir os clássicos… No entanto, vocês também querem tocar certas músicas.
Exactamente. Isso dá sempre origem a longas discussões, e não é fácil chegar a um consenso. Desde que, há dois anos, começámos a tocar a «Somewhere Far Beyond», achámos que aquela abordagem de temas rápidos estava a resultar muito bem.

Tocar a «Somewhere Far Beyond» na íntegra foi extraordinário, muito poderoso mesmo, e queríamos manter essa qualidade dos espectáculos no novo álbum, por isso decidimos juntar canções com a mesma dinâmica, a mesma agressividade, a mesma velocidade. Resultado, nestes últimos tempos não andamos a tocar muitos temas a meio-tempo e recuperámos músicas mais melódicas de speed metal. As pessoas apreciam, claro, mas para nós é muito cansativo. Ao fim de duas horas, estamos mortos, mas não nos importamos. É muito divertido, e gostamos deste alinhamento mais agressivo.

Após terem feito um disco orquestral, o «Legacy Of The Dark Lands», sentem que tocar temas mais pesados é o que os fãs querem que vocês façam?
Bem, nós não consideramos o álbum orquestral como sendo um álbum dos Blind Guardian. Foi exactamente por isso que lhe demos um nome diferente – Blind Guardian Twilight Orchestra –, porque queríamos deixar claro que era um projecto diferente.

Os Blind Guardian começaram como uma banda de speed metal, como uma banda de speed metal melódico. E essas são as nossas raízes. É a isso que nos estamos a agarrar. Além disso, sabemos que a grande maioria dos nossos fãs aprecia esse estilo – basta ver que, mesmo o material mais antigo como «Banished From Sanctuary», ainda é muito apreciado.

Mesmo assim nunca será possível agradar a toda a gente. Vai sempre haver quem se queixe…
Nós queremos, acima de tudo, fazer os nossos fãs felizes, por isso tentamos tocar temas de cada um dos álbuns que fizemos. Nos últimos há muito material épico e, como temos tempo limitado durante um espectáculo, escolhemos sempre apenas uma canção épica… Às vezes, duas. C

omo esta é a digressão do «The God Machine», temos tocado a «Secrets Of the American Gods» com muita frequência. Depois, se acrescentarmos a «Sacred Worlds», por exemplo, isso é tudo o que precisamos de uma abordagem, digamos, orquestral e épica. Além disso, tocamos alguns temas rápidas de cada um dos nossos álbuns.

A «The Bard’s Song (In The Forest)» é daqueles momentos que todos os fãs dos Blind Guardian anseiam nos vossos concertos. Alguma vez pensaram não a tocar?
Penso que isso é uma missão impossível. [risos] As pessoas iam odiar-nos se não a tocássemos. Ao longo dos anos, tornou-se uma espécie de hino do metal e, claro, estamos orgulhosos disso, porque mesmo que não conheças os Blind Guardian, conheces a «The Bard’s Song».

Quando a tocamos no Wacken Open Air, por exemplo, frente a 70 ou 80 mil pessoas, e toda a gente sabe a letra, é um momento arrepiante. Nós gostamos disso! É claro que é sempre um dos pontos mais altos dos nossos concertos e seria estúpido não tocá-la. Continua a criar momentos fantásticos em todo o mundo.

Ver-vos a tocar “em casa” é, de facto, uma experiência muito diferente.
É sempre mágico.

Para vocês, como banda, Wacken é um sítio muito especial, não é?
Sem dúvida, sim. Vai ter sempre um lugar especial nos nossos corações porque fomos uma das primeiras bandas “grandes” a actuar lá. A primeira edição do Wacken Open Air foi uma coisa muito pequenina, mas na segunda, em 1991, tocámos lá. Foi a primeira vez que tiveram uma audiência de 1.000 pessoas e nós éramos os cabeças de cartaz. Essas memórias vêm sempre ao de cima quando lá vamos e vemos o quão grande se tornou… Actualmente é o maior encontro de fãs de metal em todo o mundo. E nós estamos orgulhosos por termos feito parte da evolução do festival.

Lembras-te da pior experiência que já tiveram num festival em toda a vossa carreira? Qual é a pior coisa que pode acontecer?
Houve uma vez em que viajámos para o Brasil. Era um festival, de dois ou três dias, em… Já não me lmebro da cidade, para ser sincero, mas era com os Megadeth e outras bandas grandes. Nós estávamos lá e queríamos tocar, mas o promotor não pagou a ninguém, por isso foram lá tirar o equipamento e não pudemos tocar. Estávamos lá, mas podíamos tocar… Acho que isso foi o pior que nos aconteceu.

Ainda mais porque as pessoas pagaram muito dinheiro para ver as bandas e não foram reembolsadas, por isso foram completamente enganadas. As bandas viajaram dois dias para lá chegar e, no final, não puderam tocar. Toda a gente ficou completamente frustrada, e essa é a pior situação que posso imaginar… Sermos impossibilitados de passar um momento feliz com fãs.

Ainda gostas de fazer digressões?
Sim. claro. Gosto muito dos espectáculos, mas detesto as viagens. Passar metade do tempo em aeroportos à espera que os aviões cheguem, estar sentado em salas de espera durate horas… Tudo isso é muito desconfortável. E, para mim, a coisa mais desconfortável é acordar às cinco da manhã quando tenho de dar um concerto às dez da noite. Portanto, a parte da viagem é a mais complicada. No entanto, quando se trata do espectáculo propriamente dito, gosto de cada segundo, do início ao fim. É o que queria fazer desde miúdo, e continuo a adorar.

Vão voltar finalmente a Portugal em Agosto no Vagos Metal Fest. Não sendo um concerto vosso, em nome próprio, o que é que os fãs podem esperar?
Vai ser diferente de uma actuação num cluble, mas nós temos uma configuração muito boa para os festivais. Tocámos em muitos festivais no ano passado. E bem, digamos que é mais ou menos o mesmo alinhamento, só que um pouco mais comprimido porque não temos o mesmo tempo. Temos de encurtar a setlist um pouco aqui e ali. De resto, agora que estamos habituados a tocar ao ar livre, a experiência será muito semelhante à que se teria num concerto normal dos Blind Guardian.

Temos a nossa própria equipa de som e de luzes, claro… Normalmente, as coisas não correm mal a não ser que alguém nos diga que tem isto ou aquilo e depois, quando chegamos, não têm nada disso. Verdade seja dita, nos primeiros tempos, tivemos sempre problemas nos festivais. E, por vezes, pode ser muito difícil, mas agora temos uma equipa muito boa. Temos uma equipa excelente. Sabemos bem das nossas necessidades e sabemos o que levar se formos tocar a um festival.

Fizeram também uma tour de 25º aniversário de «Imaginations From The Other Side», que foi o primeiro álbum que fizeram fora da Alemanha. Como foi essa experiência?
Gravámos esse disco com o Fleming Rasmussen, na Dinamarca… E, claro, na altura já era muito famoso por ter feito os melhores álbuns dos Metallica, por isso foi mais que uma honra termos tido essa oportunidade trabalhar com ele.

Éramos como miúdos numa loja de brinquedos. E, de repente, a porta para o grande mundo da música abriu-se e pudemos trabalhar a um nível que não conhecíamos antes. AFoi uma altura fantástica, estávamos muito bem dispostos e acho que isso se sente no álbum… Havia muita energia positiva. Não seria o mesmo álbum sem o Fleming e a gravação naquele estúdio.

Aprenderam muito a trabalhar com ele?
Muito, mesmo. Quer dizer, ele fez-nos passar um mau bocado. [risos] Às tantas cheguei mesmo a pensar que tinha de aprender a tocar guitarra novamente. No entanto, todo esse processo foi uma boa lição; ele ensinou-nos a sermos muito mais unidos. Antes, éramos como uma banda de rock’n’roll, punk ou algo desse género, mas o Fleming disse-nos que, se queríamos tocar speed metal, tínhamos que ser muito mais coesos. E foi nesse sentido que trabalhámos.

O «The God Machine» já foi editado em 2023. Já estão a pensar em música nova ou preferem fazer o ciclo de digressões, acabar tudo isso e depois começar então a escrever?
Preferimos terminar o ciclo de digressões, mas estivemos a trabalhr num projecto que ainda não posso anunciar… Não é um álbum normal dos Blind Guardian, mas sim uma peça musical muito, muito interessante. Quando se trata de escrever novas canções, preciso mesmo de ter a mente livre, relaxada, e não posso fazer isso em digressão. Preciso de estar em casa, com boa disposição.

Portanto, vou esperar até Agosto, quando dermos os últimos concertos, e depois posso finalmente começar a escrever canções outra vez. Entretanto, vou recolhendo algumas ideias sempre que me preparo para as digressões; faço o aquecimento e, por vezes, aparece um riff que consideramos ser fixe, por isso vou guardando todas essas ideias. Digamos que tenho uma caixa de tesouros em casa e já coleccionei alguns riffs muito bons que, provavelmente, vou usar mais tarde. Além disso, não há nenhuma canção que se possa dizer que é uma canção ou algo do género. Portanto, por enquanto, tudo o que tenho são algumas ideias.

Demoras muito tempo a terminar uma canção?
Depende muito… Se for uma canção épica, com arranjos orquestrais, com uma dinâmica muito especial para construir, então torna-se mais complicado e difícil, e pode demorar até seis meses. Às vezes, até pode ser que se mudem pequenas coisas um ano depois de termos começado a trabalhar num tema. Essas canções estão sempre num processo evolutivo até a produção estar realmente finalizada.

No entanto, se for uma música rápida, como a «Violent Shadows», por exemplo, tende a ser mais rápido. Não sei porquê, mas eu e o Hansi estávamos nessa atitude brutal e foi terminada em três semanas.

Qual foi a canção que demoraram mais tempo a escrever, ainda te lembras?
Sim, sim… Foi definitivamente a «…And Then There Was Silence». Essa foi a primeira vez que experimentámos uma forma de compor tão épica e com tanta orquestração, e era um mundo completamente novo para nós.

Tivemos de fazer muitas experiências até chegarmos ao ponto em que ficámos satisfeitos. Também a nível da produção, não sabíamos bem como lidar com a mistura do metal e das partes orquestrais. Foi muito complicado, e a maior parte do tempo da produção de «A Night At The Opera» foi gasto nessa música. Diria que nos tomou um terço do tempo, do dinheiro, do que quer que seja, desse álbum.

Tendo em conta a evolução da tecnologia, sentes que, hoje em dia, é mais fácil gravar do que era quando vocês começaram?
Não creio que haja qualquer diferença do ponto de vista criativo, porque não se pode forçar uma boa ideia com equipamento. Pode comprar-se o equipamento mais sofisticado, pagar muito dinheiro, mas a ideia básica pode ser encontrada na sanita. [risos] Não é preciso nada, sabes.

De resto, termos a possibilidade de acelerar a gravação é, definitivamente, uma grande vantagem. Nos primeiros tempos, trabalhávamos com as bobinas de fita e tínhamos de estar sempre a rebobinar. Esse processo demorava imenso tempo se tivéssemos uma fita principal e fosse preciso bloquear, sincronizar e tudo o mais. Lembro-me de começar a perder a vontade de tocar mesmo antes de fazer um segundo ou terceiro take.

Agora, é tudo mais rápido, mas, em termos de qualidade de som, continuo a gostar mais de muitas coisas da gravação analógica, porque, especialmente com a bateria, a compressão da fita dava-lhe um som quente e muito, muito agradável, que sinto falta em todas as gravações digitais. Para contornar esse problema, o que fizemos no último álbum foi uma mistura entre o analógico e o digital. Alugámos uma velha máquina de fita analógica de 24 pistas e gravámos a bateria e outras coisas assim. E voltámos às compressões analógicas, o que fez realmente a diferença, especialmente no som da guitarra.

No que diz respeito à configuração ao vivo, continuas a usar amplificadores ou usas Kemper?
Mudei para o Kemper por algumas razões. Se estivermos numa digressão e viajarmos com os nossos amplificadores, normalmente nos primeiros dias funcionam muito bem, mas quando são transportados, as válvulas não gostam disso. Portanto, ao fim de uma semana, é provável que o teu amplificador já não tenha o mesmo som, porque as válvulas mudaram.

Se dermos uns 150 espectáculos como habitualmente, vamos precisar de tantas sessões de reparação para manter o equipamento no mesmo estado que não seria fazível. Eu quero o meu som inalterado todas as noites e não gosto de fazer soundcheck. Quero a minha configuração. A malta pode montá-lo. Eu vou para o palco e toco. Infelizmente, com um amplificador, isso não é possível. Temos de nos ajustar. Temos de ver como é que a válvula soa hoje. O que podemos fazer para a arranjar.

Tudo isso toma muito tempo que, de outra forma, poderia usar para relaxar. Agora tenho um Kemper, por isso sei que vou para o palco e tenho o meu som. Mesmo que perca, digamos, 10% nos agudos, não se vai notar muito. Os 90% que tenho são estáveis, e prefiro isso.