Entre a blasfémia calculada (para gerar reacções nas redes sociais) e a redenção tímida: o regresso mais digno da década para os polacos BEHEMOTH.
Haverá algo mais desconcertante do que deixar de sentir (seja o que for) por uma banda que, certo dia, significou o mundo? Acontece sem grande alarde, quase sempre de forma involuntária, e quando se dá por isso, os discos novos já não ardem como antes. Com os BEHEMOTH, a história é agridoce — não só pela dimensão que o grupo alcançou ao longo dos anos, mas pela forma como essa grandeza tem sido diluída numa sucessão de escolhas duvidosas, tanto musicais como performativas.
Para muitos, o ponto de viragem aconteceu com «The Satanist» — a obra-prima que, em 2014, pareceu capturar o zénite criativo de Nergal e companhia. Desde então, cada álbum soou mais inchado, mais auto consciente, mais refém de um certo narcisismo digital, com uma pose teatral que pouco tem, ou mesmo nada, acrescenta à música. Até agora.
Com um título tão ridículo quanto provocador, «THE SHIT OV GOD» podia ter sido só mais um meme involuntário cortesia do (cada vez mais fora de pé) líder da banda polaca. Mas não é. Contra todas as expectativas, este é, no mínimo, o melhor álbum que os BEHEMOTH lançam desde «The Satanist» — o que, convenhamos, já é dizer muito.
Não é que o disco represente um renascimento total, mas ao menos é um passo claro para fora da letargia barroca que tomou conta da banda na última década. Desde logo, há méritos estruturais a assinalar. O LP resume-se a oito faixas e cerca de 38 minutos — uma duração quase modesta face aos delírios operáticos de outrora. Esta contenção joga a favor da música: os temas ganham coesão, evitam a dispersão que se tornou habitual, e mostram que, quando querem, estes BEHEMOTH séc. XXI ainda sabem como entregar agressividade com intencionalidade.
O arranque com o single «The Shadow Elite» estabelece o tom: riffs densos, uma atmosfera opressiva e um andamento que conjuga marcha fúnebre e fúria negra. Não é revolucionário, mas é eficaz.
Segue-se o tema-título — anteriormente lançada como single e recebida com algum escárnio — que, no contexto do álbum, até ganha nova vida. Apesar da letra algo caricata (com referências ao coelhinho da Páscoa num tom de niilismo bastante risível), o tema revela um groove insidioso e uma raiva convincente. «Lvciferaeon», um dos mais recentes temas de avanço disponibilizados pelos BEHEMOTH, oferece um interlúdio mais melódico, com coros grandiosos e um refrão que se insinua na memória.
As letras mergulham num pseudo-misticismo satânico que já conhecemos de outras paragens, mas aqui é entregue com mais elegância e menos auto-paródia. O melhor momento do disco chega, contudo, com a sequência composta por «Nomen Barbarvm» e «O Venvs, Come!». O primeiro tema arranca com coros solenes antes de explodir num assalto blackened death, culminando numa secção final de death/thrash que lhe injecta uma energia quase anacrónica, mas refrescante.
Já «O Venvs, Come!» carrega inevitavelmente o peso de ser comparada a «O Father O Satan O Sun!», mas sai-se bem — ainda que longe da monumentalidade da sua antecessora espiritual, sim, mas com chama própria. Nem tudo é ouro negro, no entanto. Faixas como «Sowing Salt» não deixam grandes impressões, e o álbum, apesar de coeso, ainda carrega tiques de uma teatralidade algo vazia. A prosa bíblico-satânica do Nergal, que outrora soou ameaçadora e inspirada, resvala para o auto-pastiche, como se o líder dos BEHEMOTH estivesse mais preocupado em encarnar o personagem do que em servir a música.
Ainda assim, há que reconhecer: «THE SHIT OV GOD» é, para todos os efeitos, um registo funcional. Respira bem melhor do que os seus antecessores, mostra-se menos obcecado com o ego, e revela que os BEHEMOTH, quando deixam de tentar impressionar com pompa e se focam na essência, ainda sabem fazer música pesada com impacto. As encomendas dos formatos físicos continuam disponíveis via Nuclear Blast Records.
