Missão ingrata, esta coisa dos balanços! Confesso que até sou uma espécie de nerd das listinhas, gosto de organizar as minhas, de consultar as dos outros e de ter as coisas mais ou menos hierarquizadas e ordenadas. Mas quando toca a ter que pôr em lista os melhores álbuns do ano que recentemente terminou, fico inevitavelmente com a sensação de que só lá para 2020 conseguiria conferir alguma justiça a essa tarefa. Mensalmente somos invadidos com dezenas de discos e, por muita triagem que seja feita, é humanamente impossível conferir a atenção necessária a tudo aquilo que merece ser ouvido.
Quando me lancei na tarefa de listar os melhores álbuns de 2012, fi-lo com a plena consciência de que iria ser injusto, de que iria deixar muito para trás e de que muito ficaria por dizer, principalmente num ano excepcionalmente prolífero em discos de uma qualidade imensa. Assim, e dentro daquilo que me foi possível ouvir e a que me foi possível dedicar a devida atenção, destaquei dez álbuns internacionais e cinco álbuns nacionais, tendo-se revelado atroz deixar de fora dessas listas os últimos trabalhos de jovens e surpreendentes bandas como Dodecahedron, Posthum, Kontinuum, Atoma, Cold In Berlin, Katabatic, Besta, The Secret ou Birds In Row, bem como de nomes com créditos firmados e carreiras estabelecidas como Paradise Lost, Katatonia, My Dying Bride, Napalm Death, Kreator, Killing Joke, Meshuggah, Converge ou The Firstborn. Quer tenha sido pelo seu efeito surpreendente, pela mestria e genialidade neles contida, ou simplesmente porque mexeram comigo de alguma forma, estes são os discos que mais rodaram e despertaram sensações e emoções por estes lados:
INTERNACIONAIS
1. Wovenhand – «The Laughing Stalk»
Mais do que simples música, Wovenhand é um conceito, um estado de alma, um culto, uma reverência. Discípulo dos grandes compositores, intérpretes e líderes espirituais do folk, do country e do rock norte-americano, David Eugene Edwards faz da sua música um ritual que alcança níveis de transcendência únicos neste «The Laughing Stalk», um disco genial, pleno de genuína espiritualidade e paixão.
2. Anathema – «Weather Systems»
Cada vez mais num mundo só seu, que tão bem souberam erguer e consolidar, os Anathema pegam na intensa luminosidade que «We´re Here Because We´re Here» sugeria e conferem-lhe um efeito de catarse que vai directo ao coração do ouvinte. «Weather Systems» atinge momentos de uma invulgar intensidade melancólica e, simultaneamente, carregada de esperança, resultando num dos discos mais brilhantes e perfeitos da carreira dos manos Cavanagh.
3. Deftones – «Koi No Yokan»
Com armas igualmente apontadas ao coração do ouvinte, mas assumindo mais a forma de um potente desfibrilhador, do que propriamente da suave massagem que os Anathema sugerem, «Koi No Yokan» surpreende mesmo aqueles que insistem em ignorar os Deftones, perfilando-se como o disco mais forte da carreira da banda de Chino Moreno e como uma inequívoca afirmação de vitalidade e longevidade.
4. OM – «Advaitic Songs»
Se com Wovenhand entramos no campo de uma espiritualidade mais intima e despojada de adereços, com OM abraçamos a espiritualidade num sentido mais amplo e monástico. Al Cisneros há muito que deixou a Terra e vive algures numa outra dimensão da qual nos vai enviando discos, também eles, de outra dimensão. «Advaitic Songs» é um compêndio de sons, letras e melodias alucinogénias, bem como um exemplo de como ainda é possível fazer música simples, sincera e desafiante.
5. Neurosis – «Honor Found In Decay»
«Honour Found In Decay» é o disco que pode dividir a carreira dos Neurosis e, consequentemente, a sua devota legião de fãs. É inevitável, mas o conceito de espiritualidade volta a vir à baila para definir aquilo que a banda de Oakland aqui apresenta. Declaradamente mais centrado na atmosfera e na envolvência, do que propriamente na visceralidade sufocante de outros tempos, os Neurosis assinam aqui a obra mais arriscada da sua carreira, mas também uma das mais geniais e desafiantes.
6. Enslaved – «RIITIIR»
Confesso que não esperava ficar tão agarrado a este novo disco de Enslaved, até porque foi banda à qual nunca prestei grande devoção. Mas «RIITIIR» agarrou-me de uma forma inexplicável, conduzindo-me por uma aliciante faceta cada vez mais progressiva e psicadélica, centrada na gloriosa década de 70, sem renegar as raízes black metal da banda. O equilíbrio e a coesão do resultado final fazem de …. Uma viagem encantadora.
7. Nachtmystium – «Silencing Machine»
Com «Silencing Machine» os norte-americanos Nachtmystium poderão muito bem ter encontrado o ponto de equilíbrio entre o lado mais crú e agressivo do black metal dos seus primeiros discos e a abordagem mais psicadélica e transcendental dos registos mais recentes. Negro, feio e dilacerante por um lado, intenso, provocador e intimista por outro, é de extremos que «Silencing Machine» se alimenta, resultando em algo tão abrasivo quanto assombroso.
8. Rush – Clockwork Angels
Incrível como uma banda com mais de quarenta anos de carreira consegue soar tão ou mais actual que qualquer banda criada há meia dúzia de dias. Os lendários e influentes Rush, para além de exímios músicos e compositores, são exímios na arte de se reinventarem e de acompanharem os sinais dos tempos, sem, no entanto, beliscar a sua identidade e a sua credibilidade. «Clockwork Angels» banaliza todo e qualquer disco de rock/metal progressivo editado na última década e isso, meus caros, diz muito sobre a qualidade deste regresso e só está ao alcance dos mestres. Um clássico!
9. Torche – «Harmonicraft»
Riffs, riffs e mais riffs. É de monstruosos e enleantes riffs que «Harmonicraft» vive e é nesses riffs que está todo o encanto do seu rock enérgico, desafiante, positivo e absolutamente viciante.
10. Tiamat – «The Scarred People»
Os Tiamat são um amor antigo, mas daqueles que já tinham entrado numa espécie de hibernação a aguardar por algo que reacendesse o sentimento que nos uniu. De mansinho, «The Scarred People» foi lançando aquele feitiço que «Wildhoney» havia lançado em 1994 que, salvaguardando-se as devidas distâncias e diferenças, foi suficiente para me deixar novamente agarrado a um disco de Tiamat durante semanas.
NACIONAIS
1. Process of Guilt – «Faemin»
Parece que já tudo foi dito e escrito sobre os Process Of Guilt. Não adiante reforçar a ideia de que estamos perante uma das bandas mais talentosas e desafiantes da nossa praça, da mesma forma que não adianta relembrar que limitá-la à escala nacional já é, de há muito tempo a esta parte, uma estupidez tão grande quanto a grandiosidade de mais um disco irrepreensível, mesmo se pensarmos que «Faemin» arrisca quebrar ligeiramente com o conforto instalado pelos seus antecessores.
2. Sinistro – «Sinistro»
Tão sinistro quanto cativante, saíu daqui a proposta mais surpreendente de 2012 dentro das sonoridades mais negras e pesadas. Difícil de encaixar onde quer que seja, esta é uma estreia que lança enormes expectativas sobre o que daqui poderá resultar num futuro próximo, bem como adensa o mistério em torno de uma banda que nem se sabe se é banda, mas da qual se espera música única e desafiante.
3. Vertigo Steps – «Surface/Light»
“Com «Surface/Light», os Vertigo Steps assumem-se não só como a principal referência dentro do género no nosso país – lugar que ocupava praticamente desde o início -, mas também como um nome que quando colocado ao lado de Porcupine Tree, Klimt 1918, Green Carnation ou Katatonia pouco lhes ficará a dever. Pegando nas quatro referências atrás mencionadas, é no cruzamento entre o lado progressivo e emotivo dos primeiros, na abordagem shoegaze e delicada dos segundos, na gélida melancolia dos terceiros ou no cinzentismo opressivo dos últimos que «Surface/Light» se desenvolve, tendo encontrado o equilíbrio e a coesão que faltava em «The Melancholy Hour». Bruno A. soube simplificar a fórmula, torná-la mais orgânica, mais imediata, sem perder brilhantismo e ganhando na forma eficaz como toca no âmago do ouvinte e o envolve no disco.” In #137
4. Black Bombaim – «Titans»
São grandes as expectativas geradas em torno dos Black Bombaim quanto ao impacto que o seu stoner rock carregado de atmosfera divagadora e riffs avassaladores pode gerar além fronteiras. Enquanto «Titans» continua a ser espremido e saboreado, o Roadburn espera-os.
5. Moonspell – «Alpha Noir/Omega White»
A ideia era ambiciosa, o conceito interessante, mas o resultado acabou por ficar aquém das enormes expectativas criadas. E o problema da mais recente dupla proposta dos incontornáveis Moonspell residiu mesmo aí, nas expectativas que um disco parco em grandes hinos, mas ainda assim recheado de excelentes canções, não conseguiu satisfazer. Ainda assim, o lugar entre o que de mais interessante as bandas portuguesas fizeram este ano é justo e merecido.
Por: Ricardo Agostinho