Numa quinta-feira com sabor a sexta (private joke que explicaremos mais à frente), era noite de peregrinação ao RCA Club, catedral pronta para receber o culto do death metal com três propostas bastante diferentes (uma delas, talvez demasiado), mas que se iriam conjugar num evento memorável organizado pela Notredame Productions e que trouxe à capital os dinamarqueses BAEST, acompanhados pelos BLAST OPEN e com abertura a cargo dos “nossos” NIHILITY. Estava bem presente na memória de todos o impressionante concerto que os dinamarqueses deram em 2019, quando abriram para Entombed A.D. e Aborted, pelo que as expectativas estavam previsivelmente bem altas. O início deu-se com os NIHILITY, que atacaram com a ferocidade do seu death metal enegrecido. No entanto, havia ali uma ferocidade extra, já que conseguiram finalmente apresentar-se no RCA Club com o guitarrista Afonso Gomes, que tem estado fora do país em compromissos profissionais e que, nesta ocasião, ajudou a tornar o som ainda mais orgânico e devastador. Sendo que não existiam dúvidas em relação à qualidade do que fazem, parece haver sempre espaço para sermos agradavelmente surpreendidos por malhões como «Martydom For The Herd» e «Prophecy Of Denial», este último um dos pontos altos da noite, com a dinâmica vocal entre o guitarrista Renato Barbosa e o vocalista Mário Ferreira a revelar-se particularmente eficaz.
Mário Ferreira, dos NIHILITY, perguntou ao público quantos estavam ansiosos para ver os BLAST OPEN e a resposta foi tímida, numum bom indicador do quão a banda espanhola era desconhecida do público presente. Apesar de até serem competentes, a verdade é que o seu som destoou um pouco da banda de abertura e daquilo que vinha logo de seguida, com uma abordagem mais thrash e com muitos momentos a descair para o groove. Note-se que os músicos trabalharam bastante para conseguirem pôr o público a mexer-se, mas este arrefeceu consideravelmente depois do bom impacto da banda portuguesa. De qualquer forma, ainda assim, cumpriram a sua função, sendo «A Light Behind The Darkness» um dos pontos positivos. Curiosamente, talvez tivessem sido banda perfeita para iniciar a noite.
Apesar de serem uma proposta relativamente recente — nem uma década de carreira têm ainda –, os BAEST têm vindo a subir a pulso na escada da música extrema mundial, não só com excelentes trabalhos de estúdio como também com actuações verdadeiramente explosivas. E desde o momento inicial, com uma arrasadora «As Above So Below», todo o RCA Club ficou com a certeza de que esta seria mais uma dessas. E assim foi, com ambiente de festa, que o fizeram, de tal forma que o vocalista Simon Olsen até referiu que finalmente era sexta-feira, antes do guitarrista Lasse Revsbech o ter corrigido, dizendo que ainda era quinta. Apesar da boa disposição constante e de uma atitude “boa onda” — com o vocalista a incitar o público a fazer crowd surfing, o que depois significou que tivesse de estar a servir de segurança para receber os fãs que iam chegando ao palco, muitas das vezes apenas com uma mão — foi o death metal de temas como «Gula» e «Genesis», esta última recebida com muito entusiasmo, que fez deste concerto uma verdadeira festa.
Com o foco em grande parte no ainda último álbum, «Necro Sapiens», alguns dos pontos altos da noite vieram do mais recente EP «Justitia», com «Gargoyles» a ser um deles, dedicada a Trevor Strnad dos The Black Dahlia Murder, que participou na versão de estúdio do tema. Para o final ficou uma alucinante rendição do tema-título do último LP, que já tinha sido pedido pelo público anteriormente, um dos temas mais furiosos do catálogo da banda e que ficou perfeita no encerramento da actuação. Com a luz a ir “abaixo”, ouviu-se de novo o tema de início, com Olsen a pedir o compromisso ao público: “tocamos de início se vocês fizerem os circle pits outra vez!” Nem era preciso pedir, já que essa seria uma consequência mais que natural. Resultado: um final apoteótico para um concerto inesquecível, assinado por uma das grandes bandas de death metal da actualidade. Agora, será apenas uma questão de tempo para que sejam unanimemente reconhecidos como tal.
Fotos: Sónia Ferreira