Há uns dias celebrou-se o aniversário da chegada ao primeiro lugar de vendas de «What A Wonderful World», tema escrito por George David Weiss e Bob Thiele, mas interpretado por Louis Armstrong. Foi a primeira vez que uma canção gravada pelo conhecido trompetista chegou ao número um do top de vendas norte-americano. Estava-se em 1968. Seguir-se-iam centenas de versões, incluindo a de Nick Cave, por muito estranho que possa parecer, pensar no crooner a cantar sobre a beleza daquilo que nos rodeia. Ainda por cima, ao lado de Shane MacGowan. Curiosamente, em muitos dos seus temas, o artista mistura as raízes punk com o jazz mais comercial, dos anos 50 e 60. Apesar de tudo, não é um gesto inédito. Se o punk começou por ser uma rebelião contra os dinossauros do rock, que se revelaria rapidamente falhada, foi quando se começou a tornar um género institucionalizado que o rebelde maior, Sid Vicious, rompeu com a formatação e surgiu a interpretar Frank Sinatra. “Interpretar” será o melhor verbo, pois o tema foi completamente arrasado e transformado num dos maiores hinos do punk de sempre. Na realidade a letra assenta que nem uma luva na personagem ou no género. Sid consegue ser mais Johnny Rotten que o próprio Rotten e cria um estilo que muitos vocalistas punk abordariam no futuro. O gesto foi tão icónico que acabou mesmo por ser recriado por Gary Oldman no filme ‘Sid & Nancy’.
O tema, e a sua interpretação, apareceram originalmente no mockumentary ‘The Great Rock ‘N’ Roll Swindle’, dirigido por Julien Temple e centrado no atribulado percurso de Malcolm McLaren e dos seus SEX PISTOLS. A performance é tão assustadora como hipnotizante e, passados os primeiros segundos em que Sid surge a desafinar propositadamente, surge a verdadeira versão, verdadeiramente inesquecível. A morte prematura do músico, pouco tempo depois, ajudou a impedir que engordasse, prolongasse a carreira a reinterpretar o tema e se tornasse uma caricatura dele próprio. Ou que andasse a debater a sua aparição numa série de TV. E, claro, que Johnny Rotten usurpasse a interpretação. Também desaparecido prematuramente, mas com uma carreira longa o suficiente para ter diversos momentos inesquecíveis, temos o icónico Joey Ramone. Em 2002, no álbum a solo «Don’t Worry About Me», resolve surgir com uma versão do clássico de Louis Armstrong. Não sendo tão mortífera como a de Sid, esta rendição consegue, também ela, ter personalidade própria. Certamente que os THE OFFSPRING ou GREEN DAY teriam vendido alguma parte de si para poderem ter o tema no seu repertório. Claramente menos interessante e muito mais convencional é a versão dos TNT para o mesmo tema. Deixando de lado a temática do punk vs.jazz, e mesmo sem referir artistas como John Zorn, é interessante ver como estes dois vocalistas subverteram tão bem dois temas clássicos do jazz – isto se é que o tema popularizado por Sinatra se pode inserir no jazz. Terá sido a intrusão no mundo do jazz a última revolta do punk? É ver a actuação de Sid.