AQUELA VERSÃO #35: CHEAP TRICK e «Surrender» vs. O RESTO DO MUNDO

A história vai até um Verão quente no princípio do século. A regressar de um festival, jornalistas daqueles bastante credibilizados fazem um olhar de desdém face a um nome: CHEAP TRICK. A malha entra, já reciclada em versão para a banda-sonora de uma filme. No final da viagem, já todos estavam rendidos ao tema. É essa a magia das boas malhas, penetram até na armadura mais sólida do erudito musical. Formados em 1973, os norte-americanos CHEAP TRICK apenas lançaram o seu primeiro álbum lançado quatro anos depois. O seu som, um cruzamento de hard rock com THE BEATLES, chegava no fim de um ciclo. Um ano depois, o cenário da música pesada norte-americana mudava com o lançamento do álbum homónimo dos VAN HALEN. Seria, de facto, em 1979 que um disco ao vivo, considerado dos melhores nos anos 70, resumiria em jeito de best of as muitas malhas guardadas em «Cheap Trick» e «In Color», ambos de 1977, e «Heaven Tonight» de 1978. Gravado em Tóquio, «At Budokan» insere-se numa lista de concertos gravados em solo japonês, na veia de «Made In Japan», dos DEEP PURPLE. Em «Heaven Tonight», logo a abrir, estava o original de «Surrender».

O tema já integrava a lista de 26 músicas preparadas para o primeiro disco, falhando este e o seguinte, ficando apenas para o terceiro álbum. Como single até teria uma má prestação, não entrando nos 60 mais vendidos. Anos mais tarde, entraria, no entanto, para a lista de 500 melhores temas de sempre da Rolling Stone, bem como na banda- sonora de ‘Guardians Of The Galaxy II’. Um claro exemplo de como a maturação do tema o fez envelhecer bem. A canção vai beber ao glam britânico do início dos anos 70. T-REX, MOTT THE HOOPLE ou, em particular, SLADE, poderiam ter perfeitamente escrito o tema. Um produto dos anos 70. Apenas isso, acentuado pela extravagância do nerd Rick Nielsen, sempre com os seus pullovers e guitarras chamativos. Só que no palco japonês de Budokan, a maior sala de Tóquio à época, tudo se transformava e a muralha de guitarras transfigurava o tema. E a canção seguiu crescendo, numa actuação na década passada, a malha já deve mais ao punk que ao glam e pop, quando o grupo foi à Sirius X.

E foi esta capacidade de adaptar o tema e o fazer sempre soar orelhudo que seduziu muitos que o escutaram e reinterpretaram. Desde logo em 1994, com os britânicos TERRORVISION, e pouco depois na versão punk rock de ANN BERETTA. Os DOWN BY LAW também souberam fazer a sua versão punk do tema. Já os AMERICAN HI-FI tentaram fazer um regresso à origem, principalmente porque resolveram interpretar o tema no Japão. Com os ANTI-FLAG surge uma versão mais desencantada, mas nem por isso menos interessante. Os HAWTHORNE HEIGHTS seguem a mesma linha, transportando o tema para o século XXI, talvez sem perceberem a verdadeira emoção nele contida. Também pouco interessante, embora bem pesada, é a abordagem de Nuno Bettencourt ao tema. Se calhar menos abonatório, será dizer que os PEARL JAM também já tocaram «Surrender». Até MARILYN MANSON, no seu auge, fez questão de interpretar o tema na MTV. Agora as verdadeiras rendições ao tema, residem nas bandas que beberam directamente do hard rock e punk americanos. Nomes como VELVET REVOLVER, GINGER WILDHEART e, muito em particular, GLUECIFER, no seu EP «Reversed», de 2002. Quanto ao tema escutado naquela viagem de carro? Pois, até era mesmo o original, inserido na banda-sonora do filme ‘Detroit Rock City’. Por sinal, uma das melhores bandas-sonoras para quem aprecia malhas dos anos 70.