A tocante união de dois cantores que desapareceram prematuramente, com MARK LANEGAN a partir apenas dois dias após a data de nascimento de KURT COBAIN.
Celebrar o grunge ainda é algo desconfortável no meio do metal. Os anticorpos são muitos. Demasiados. Hoje, o estilo é apenas mais uma reacção, um abano no sistema, tal como foi o punk para os anos 70. Sem o grunge, talvez hoje não existisse uma CHELSEA WOLFE, ou um KING DUDE. Ou talvez o post metal nunca tivesse surgido. Através da sua brilhante carreira, o bom do MARK LANEGAN, falecido a 22 de Fevereiro de 2022, faz a ponte perfeita dos dois estilos.
A par dos SOUNDGARDEN, os SCREAMING TREES ajudaram a abrir espaço para o grunge, numa Seattle que tinha em HEART e QUEENSRYCHE as suas maiores referências musiciais. Curiosamente, foi o marido de Ann Wilson, Cameron Crowe, que faz o primeiro retrato cinematográfico dessa geração, através do filme ‘Singles’, de 1992.
No filme e sua respectiva banda-sonora, sente-se o clima vivido à época. O elenco é um desfilar de estrelas, algumas infelizmente já falecidas, como Layne Stanley ou Chris Cornell; outras ainda vivas, como Stone Gossard, Jerry Cantrell e Kim Thayil, entre muitos outros. Ausentes do filme, mas presentes na banda-sonora, estavam os SCREAMING TREES com «Nearly Lost You».
Olhando para trás, é gritante a ausência dos NIRVANA na banda-sonora ou no próprio filme. E claro, a presença de Mark Lanegan. Porém, algo facilmente explicável à época, face ao número de músicos e bandas que fervilhavam na cidade. Mesmo assim, a intimidade vivida entre todos, fica atestada neste encontro de colegas e amigos que é «Where Did You Sleep Last Night».
O tema escolhido encontra-se na estreia a solo de Lanegan, «The Winding Sheet», de 90. Na segunda voz e guitarra está Kurt Cobain, no baixo; também outro elemento dos NIRVANA, Krist Novoselic, e na bateria temos Mark Pickerel, dos SCREAMING TREES. Um momento bonito, em que a junção de dois ídolos celebra a amizade e cumplicidade de ambos, ao mesmo tempo que pode ser toda uma referência ao clima vivido há trinta anos atrás, naquela cidade até à época conhecida por uma construtora de aviões e pelo clima.
O tema não é um original de Lanegan. Originalmente intitulado «Where Did You Sleep Last Night (In The Pines)», estava já registado em 1870. Por vezes, tomou também o título «In The Pines», ou «Black Girl». Foi gravado por mais de cem artistas e a primeira gravação famosa é da autoria de Huddie Leadbetter, ou Leadbelly, em 1944. Em 1926 e 1941, respectivamente, seria registada por Dock Walsh e Bill Monroe. Esta versão de Lanegan e Cobain surge pouco depois dos NIRVANA terem terminado a digressão do álbum «Bleach», de 1989.
Os dois vocalistas estavam a escutar velhos discos de blues naquela altura e “uma tarde, na casa do Kurt, ambos começámos a falar de fazer um disco”, lembrou Mark, anos mais tarde, nas suas memórias. “Devíamos gravar um disco com isto”, afirmou um. “Devíamos fazer um disco só de versões de Leadbelly”, diria o outro, conforme o que ficou registado em «Sing Backwards and Weep», de 2020.
A primeira vez que os quatro músicos se encontraram para gravar essas versões foi ainda em 89. Resultaram mais dois temas dessas sessões, «Ain’t It A Shame» e «Grey Goose». Destas, apenas «Where Did You Sleep Last Night» chegaria ao álbum de 1990. A formação muito temporária ter-se-ia chamado JURY ou LITHIUM.
Em paralelo, os NIRVANA também tocavam ocasionalmente o tema. Aliás, numa das poucas vezes que Courtney Love cantou ao lado do marido em público, este foi um dos temas executados. A versão mais conhecida, acabará por ser mesmo a do célebre MTV Unplugged. Numa entrevista à Rolling Stone, em 1996, Lanegan afirmaria que esta foi “a versão definitiva” do tema.
Na época, o músico relembrava que “uma das coisas mais porreiras de andar com Kurt era sentar-me ao lado dele e escutá-lo a tocar guitarra e cantar. Para mim soava o que eu imaginava ser a vida se pudesse sentar num quarto com Skip James ou Lightnin’ Hopkins. Era um tipo cheio de alma e verdadeiro, de tal forma que me causava calafrios”.
Cobain e Lanegan estiveram acompanhados por inúmeros músicos na abordagem a este tema, incluindo Pete Seeger, Marianne Faithfull, Joan Baez ou até os GRATEFUL DEAD. Mesmo assim, a versão de Mark Lanegan acaba a ter uma importância particular, na forma sentida como é abordada e por tudo aquilo que significa quando se pensa em dois vocalistas que desapareceram prematuramente, com Mark a partir apenas dois dias após a data de nascimento de Cobain.