Fazer um segundo disco é um misto de superação, afinação e definição. Neste caso, o aspecto da superação é, desde logo, óbvio, pois tudo que estava na cabeça e foi transposto no momento do primeiro disco carece sempre de ser melhorado. A experiência aumentou e o(s) músico(s) tiveram a primeira experiência de ver o resultado final das suas ideias. Será mau sinal quando uma banda jovem não encontra necessidade de superar o trabalho primário. A afinação será talvez o lado menos visível, mas também facilmente explicável. Métodos que até resultaram precisam apenas de ser revistos, corrigindo erros de processo, por vezes subtis, que apenas o autor encontrou, mas que, uma vez corrigidos, podem conduzir a um processo mais escorreito. Finalmente, a definição. Num jovem artista, as ideias abundam, as influências são mais que muitas. Quase sempre, menos é mais. Dois riffs podem ser dois temas e não um só. Uma referência aqui poderá ser redundante, uma referência ali poderá ser dissonante. Ao segundo disco, as bandas devem traçar um caminho, mesmo que posteriormente não seja esse a seguir.
Em «Quiescence», os ANALEPSY têm esse “maldito” segundo disco. Apenas acontece que ao triplo mortal descrito acima, acrescentam ainda um duplo parafuso que passou pela redefinição de praticamente todo o line-up. Da formação do muito bom «Atrocities From Beyond» apenas restou Marco Martins, que usando a fraqueza como alavanca, estabeleceu um novo grupo de trabalho com carácter mais internacional, permitindo consolidar metas já antes estabelecidas. Isso foi, de resto, algo que ficou logo claro no primeiro tema revelado, «Locus Of Dawning». Se, no momento em que surgiu, era reconhecidos como expoentes no campo do slam, variante algures entre o death e o grind, agora com este novo álbum o quarteto inscreve-se claramente no brutal death. Claro que há momentos slam, basta escutar «Elapsing Permanence», mas a bateria em «Spasmodic Dissonance» ou as guitarras de «Fractured Continuum», já para não referir toda a estrutura geral de ambos os temas, certamente que não destoariam entre os melhores trabalhos dos SUFFOCATION ou IMMOLATION. Já «Edge Of Chaos», uma das faixas mais elaboradas e musicais, que retrata o apogeu desta obra conceptual, arranca algures entre as atmosferas dos SLAYER, e ganha maturação no melhor dos NILE, consumando-se como o melhor tema do grupo até ao momento, apenas perdendo por terminar em fade out.
«Quiescence» é um tema-título recheado de musicalidade, em que confluem as twin guitars do metal tradicional, com momentos de metal melódico, num outro que bebe de múltiplos estilos e, em lugar de fechar, abre a perspectiva para um novo universo. De forma inadvertida, é como se Marco Martins nos estiver a mostrar que “sim, podemos fazer barulho, mas também sabemos fazer música”. Liricamente, o disco também acaba a resultar bem, misturando física, ficção científica e gore, de uma forma pouco usual. Quando em «Converse Condition» se narra “the same conditions / that gave way to life / are now the ones / that make it prey”, fala-se de movimentos galácticos e não de algo mais terráqueo, por exemplo. «Quiescence» tem capa de autor nacional, o grande Pedro Lordigan, produção nacional, o excelente Miguel Tereso, e assinatura de um músico português, Marco Martins. É um disco português, obviamente, mas embebido numa máquina internacional. O que sabe bem é que em momento algum soa nacional. É um grande disco, porque assim o é, e não por ser nacional. Em 2022, continuam a fazer-se coisas muito bem-feitas por cá, e há uma outra “água” no metal nacional. Um sério candidato a disco do ano. [9]