Agora que a edição de 2024 do AMPLIFEST já tem datas reservadas e bilhetes disponíveis, fazemos o balanço detalhado do mais recente fim de semana mágico no Porto.
Antes de entrar a fundo no que foram as actuações nos dois palcos do já habitual Hard Club, nos dias 23 e 24 de Setembro, é de mencionar que ainda houve eventos noutros espaços: na sexta-feira, chamemos-lhe assim no dia 0, no Auditório de Serralves, a oportunidade de testemunhar From Ruin, a tremenda colaboração audiovisual do escultor Rui Chafes com os Candura.
Mais tarde, no Ferro Bar, a experimentação guitarrística de Mat Ball (BIG|BRAVE), seguida das escolhas musicais dos NO JOY, os “nossos” José Carlos Santos e Pedro Roque, que agitaram cabeças até às primeiras horas da madrugada. Por fim, já na manhã de domingo, no Batalha Centro de Cinema, a exibição de «Even Hell Has Its Heroes», documentário de Clyde Peterson acerca dos emblemáticos EARTH. [P.C.S.]
SÁBADO, 23 DE SETEMBRO
As “inaugurações” dos palcos Bürostage e Beerfreaks, que é como quem diz a sala 1 e a sala 2 do Hard Club, couberam aos BIG|BRAVE e a ELLEREVE, respectivamente. Se a segunda conseguiu criar alguma envolvência com a sua música meio sonhadora e etérea, apesar de alguma evidente inexperiência, já os primeiros soam a banda “grande” por esta altura, reforçados por anos de experimentação aventureira, e atingiram logo – muito pelo reforço que «nature morte» permite – um pico emocional difícil de igualar. É assim o Amplifest, a entrar logo a pés juntos desde o início. [J.C.S.]
Quem entrasse no Bürostage durante a actuação dos ASHENSPIRE, entre as muitas questões que pudesse levantar, eventualmente interrogar-se-ia sobre qual a nacionalidade deste quinteto praticante de uma benevolente cacofonia: não seria necessário ir mais longe do que admirar o kilt envergado pelo saxofonista da banda, Dean Garrity.
Provenientes de Glasgow, Escócia, serviram-se primordialmente do seu bem aclamado «Hostile Architecture» (cuja temática, arquitectura hostil, atravessa preocupações bem além da esfera paisagística) para exibirem o seu black metal progressivo com contornos experimentais, algures entre o toque declamatório de Ved Buens Ende e a atmosfera claustrofóbica de Altar Of Plagues: «Béton Brut», «Tragic Heroin», «Plattenbau Persephone Praxis» e «The Law Of Asbestos» são exemplo disso mesmo, onde o calor do instrumento de sopro ondula a supressão das dissonâncias rifadas. [P.C.S.]
Se há um grupo de jovens nacionais cuja espontânea aparição neste nosso pequeno meio tem crescentemente vindo a dar que falar, então os HETTA, quarteto do Montijo, entram nesse campeonato com cada vez mais provas dadas. Detentores dos primeiros serpenteios (por parte do endiabrado vocalista Alex sobre o público) e tremulações (entre as primeiras linhas da plateia), a desordem post-hardcore pareceu inundar o pequeno Beerfreaks Stage em pouco menos de meia hora.
Alguns, por facilidade, poderão descrevê-los como uma versão rejuvenescida de If Lucy Fell (porque, afinal, ser comparados aos grandes não têm ofensa nenhuma), mas aqui a veia caótica de Botch, os rasgos de velocidade de Orchid e a pura emoção (ou detonação) dos At The Drive-In são palpáveis mesmo ao corpo mais prostrado. Ouviram-se todos os temas editados, do EP «Headlights» do ano passado até ao bem recente single «Super Cargo!», o mar de cabeças e braços foi literalmente navegado pelo menos duas vezes, ainda houve uma ou outra tirada mais jocosa para acentuar a boa disposição, e o nível de patanisca por bpm via-se assim num patamar difícil de repetir. [P.C.S.]
Seguimos para os MUTOID MAN no Bürostage, liderados por Stephen Brodsky, principalmente conhecido por ser um dos cabecilhas de Cave In, banda que teve, na última meia década, de suportar a dureza de perder um dos seus membros pivotais, o baixista Caleb Scofield, e ainda assim demonstrou uma capacidade inabalável de se reformular, através de «Heavy Pendulum», trabalho que os trouxe à edição anterior do Amplifest.
Agora de regresso, mas desta vez acompanhado de Ben Koller (Converge) e Jeff Matz (High On Fire), o guitarrista e vocalista vinha para demonstrar o seu lado mais espalhafatoso e folião, também munido de um novo álbum editado há poucos meses, «Mutants». Para quem já tinha conseguido ver os Mutoid Man em 2019, na abertura dos Mastodon (também com Kvelertak) na Sala Tejo em Lisboa, seria a possibilidade de redenção com um maior protagonismo, mas o que todos estariam certamente à espera era de um clima de festa, com a energia em alta, em que elementos de metal, stoner e até rock psicadélico se misturam, como se os Doomriders (uma banda que lhes é praticamente “irmã” ou “prima”) fizessem menos culto aos Danzig e mais a Iron Maiden…
E é aqui que a primeira «Call Of The Void» assenta como uma luva. Seguem-se «Bridgeburner» (primeiro com um hilariante falso arranque) e «Reptilian Soul», ambas de «Bleeder», para, até pela reacção do público, vir o creme da bola de berlim: seis temas de «War Moans», de «Melt Your Mind» a «Bandages», com uma «Kiss Of Death» pelo meio com honras introdutórias de «21st Century Schizoid Man» (de King Crimson), alterando apenas a palavra “Schizoid” para “Mutoid”, como é óbvio. Mais três malhas de «Mutants», entre as quais «Siren Song», e coube à velhinha «Gnarcissist» terminar a pândega com uma sensação que nem se deu bem pelo tempo passar. [P.C.S.]
Nada melhor para contrastar com esta “festa” do que uma relativamente pacata lição musical do grande SIR RICHARD BISHOP logo de seguida, um virtuoso na guitarra como há poucos, que através dessa singela linguagem nos evocou universos inteiros durante uma prestação daquelas que não faz grandes headlines, mas que fica no coração de todos os presentes para sempre. [J.C.S.]
Voltando ao barulho, parece que foi há praticamente uma década que o quarteto francês CELESTE pela última vez pôs os pieds em Portugal, na altura, em Maio de 2014, ainda a apresentar o duplo «Animale(s)» (no Porto, também no Hard Club, e em Lisboa, na República da Música), mas alguns ainda se lembrarão da sua estreia no SWR Barroselas Metalfest nesse longínquo ano de 2010, com «Morte(s) Nee(s)» acabadinho de sair do four(no): num caso ou noutro, e até para os estreantes, a expectativa era alta em absorver a densa muralha sónica rasgada pelos quatro ciclopes e os seus feixes de luz vermelha.
Envoltos na negritude, a entrada em palco dá-se com «(A)», a faixa instrumental do mais recente «Assassine(s)» – álbum que seria o mote maior de toda a actuação, tocado de uma assentada, em que apenas «Draguée Tout Au Fond» escapou –, enquanto filmagens noir et blanc, bem ao jeito da imagética já reconhecida da banda, passavam como pano de fundo.
Posto isto, tempo apenas para os mineurs se prepararem, e o rolo compressor sai na forma de «De Tes Yeux Bleus Perlés», com a sua cadência bem demarcada, em que percebemos que a crescente influência post-metal alcança já contornos dos seus conterrâneos Gojira, tamanho é o peso embobinado, enquanto visualmente apenas se vêem silhuetas fustigadas por luzes pulsantes e um fumo que se espessa.
Findada «Le Cœur Noir Charbon», que fecharia este capítulo como termina o referido disco, e os recuos à restante discografia deram-se (quase) de música para música e de álbum para álbum: «Comme Des Amants En Reflet» de «Infidèle(s)», «Laissé Pour Compte Comme Un Bâtard» de «Animale(s)», apenas novo avanço para «Cette Chute Brutale» e, por fim, qual cereja no topo do bolo para os mais nostálgicos, «Ces Belles De Rêve Aux Verres Embués» de «Morte(s) Nee(s)», um petardo hardcore enlaçado na frieza black metal que, quando todas as luzes se voltam a ligar, nos deixou num suspiro. [P.C.S.]
A noite continuou em alta pelo Beerfreaks adentro, com uns HEXVESSEL irreconhecíveis para quem ainda não foi investigar o seu novo álbum «Polar Veil» a apresentarem-se na escuridão, envoltos em véus negros, e com apenas quatro membros em palco.
Pois é, esse tal novo trabalho, que tomou o setlist de assalto por completo, e que foi apenas lançado no dia anterior a este concerto (têm portanto “desculpa” caso ainda não se tenham atirado de cabeça – mas já é altura!), marca uma viragem de imagem e de sonoridade para o colectivo liderado por Mat McNerney, bem conhecido também dos Beastmilk/Grave Pleasures e tantas outras, com a introdução de uma aspereza e crueza do black metal mais lo-fi, mas tudo imbuído no contexto folk dos Hexvessel.
Ou seja, não são, nem se sente isso, uma banda diferente, apesar das mudanças, e todo o ambiente esotérico e “florestal” continua a estar presente (e a voz extraordinária de Mat, também, que continua a cantar como só ele mesmo com um envolvente de tanta negritude), só que agora através de uma lente bem mais soturna e até mesmo nocturna. Foi apenas a segunda vez que a banda tocou estes temas ao vivo e notou-se uma ou outra hesitação natural por vezes, mas nada que tenha retirado o impacto extraordinário desta nova incarnação dos Hexvessel. [J.C.S.]
Pelo que os AMENRA (e os seus membros) representam para a família que é este festival, à quinta aparição em nove edições, mesmo que em momentos e até em formatos diferentes, e com um percurso trilhado ao longo de quase um quarto de século, as palavras já escasseiam para transmitir o impacto que ainda consegue ter observar o colectivo belga a entregar-se ao seu ofício.
Em falta, depois de no ano passado apenas se terem apresentado num registo acústico, estava sentir os novos temas de «De Doorn» ao vivo e com toda a pujança, teste passado logo com «De Evenmens» (depois de uma melhoria do som vindo de «De Dodenakker», primeira amostra de «Mass IIII», do qual ainda se juntaria «Aorte») e bisado mais tarde com «Voor Immer», que persiste no seu equilíbrio post (metal ou hardcore, o que preferirem), que já lhes é característico, entre a subtileza de notas amenizadas por suplícios até à explosão apoteótica em absoluta catarse.
Quase sempre de costas voltadas (ironicamente, enfrentava a plateia apenas nos momentos mais vulneráveis) e com o compasso de um pêndulo, o vocalista Colin H. Van Eeckhout mostrou-se particularmente bem entrosado no departamento vocal com o mais recente elemento, o baixista Tim De Gieter, de modo que fosse possível ouvir ao mesmo tempo a serenidade e a rispidez, como em «A Solitary Reign» de «Mass VI».
Precisamente antes dessa, ainda foi possível recuar quase vinte anos para (a única de) «Mass III» e aquele riff inquietante de «Am Kreuz» e, mesmo sem trisar a quarta missa para recuperar «Razoreater» (não é quase como ver Neurosis sem ouvir a «Locust Star»?) não deixou de ser uma performance mais do que competente. [P.C.S.]
O final do dia coube ao duo nacional NECRØ, que continua a mostrar que batidas+voz é um formato com infinitas avenidas para serem exploradas, e que ainda pôs corpos a mexer apesar da exaustão que já se fazia sentir depois de muitas horas seguidas de música intensa, física e espiritualmente. Um valor emergente na cena nacional que vale a pena continuar a acompanhar.
DOMINGO, 24 DE SETEMBRO
Tudo bem que era cedo, mas o death metal experimental e dissonante dos AEVITERNE pedia, eventualmente, um bocado mais de “cenário” – assim só com quatro tipos saídos do café para cima do palco, por mais terra a terra e genuíno que possa parecer (e é), ficou difícil de identificar toda a subtileza que uma estreia de sucesso como foi «The Ailing Facade» tem para oferecer.
Até aquela toada meio industrial que os temas têm no seu original parece algo dissipada em palco (e aqui já não tem nada a ver com o que eles tinham vestido nem com o quão descontraídos estavam), e no fim de contas levámos com uma espécie de Aeviterne-redux, reduzidos à sua expressão mais simples, que é uma de malhões de death metal de qualidade, mas “só” isso. [J.C.S.]
E depois, fez-se luz. O grande DAVID EUGENE EDWARDS voltou a visitar-nos, desta vez mais despido, figurativamente falando, sem o apoio dos seus Wovenhand, promovendo aquele que é também o seu primeiro álbum sob o seu próprio nome, «Hyacinth». Ao contrário dos primeiros concertos europeus que deu antes da edição do álbum, não esteve no entanto completamente sozinho em palco, fazendo-se acompanhar de Dehn Sora (Throane, Treha Sektori).
Uma presença de vulto, não só pelos sons ambientais, percussão e voz de coro que proporciona, enriquecendo grandemente os temas interpretados, mas também pelas animações incríveis que criou, personalizadas para cada uma das canções, que tantas vezes nos faziam desviar o olhar da figura icónica e hipnotizante do cavalheiro do chapéu que lá vai dialogando com os espíritos e outras visões que sempre o acompanham nas suas febris actuações. Não é para todos!
No final de contas, a conclusão habitual – seja em que formato for, seja em que companhia esteja, seja qual for a selecção de temas que tenha para nós (corajosamente, quase tudo era já da sua “carreira” a solo, abrindo apenas com uma bela prenda sob a forma de «Hutterite Mile» dos longínquos e míticos 16 Horsepower e deixando «All Your Waves» e uma tradicional para o fim), o David Eugene Edwards é o maior. Sem discussão. [J.C.S.]
Entrada em cima da hora de HILARY WOODS no Beerfreaks Stage e, em plena sala escura apenas levemente iluminada, já se via a senhora de volta dos seus aparelhómetros, também acompanhada pelo baterista/percussionista Gabriel Ferrandini. Seguiu-se o que mais se aproxima, adaptando do meio da música electrónica, de um denominado live set: quando um artista não segue propriamente nenhuma peça conhecida ou trabalhada já por si, e se deixa levar pela experimentação que ocorre on the spot. Assim, deixámo-nos levar (ou, quiçá, ao contrário: suportámos nós próprios) a construção de uma paisagem carregada de drone estático, eventualmente latejante, que foi abrindo caminho para troços mais etéreos. [P.C.S.]
É certo que este dia para muitos ia acabar (ou tinha como alvo principal), no que toca ao alcance de decibéis e capacidade de reverberação, os cabeças de cartaz que todos sabemos. No entanto, se há uma coisa (na verdade, até há várias que são merecidas) que tem de ser apontada aos DIVIDE AND DISSOLVE, é que este duo australiano tem a capacidade bruta de debitar peso.
Agora, vamos por partes: estamos a falar de muito peso, daquele que só é possível quando empregue por mais do que uma stack (de baixo e de guitarra?) canalizado apenas para uma guitarra, a debitar riffs algures entre os Earth e os Boris (ou, vá, para ser criativo, os Melvins, mas a metade da velocidade), enquanto a outra metade bate nos pratos e nas peles com tamanho ênfase que, se olharmos (e ouvirmos bem) ainda se sentem as pingas de suor a servir de percussão.
Para adocicar mais a experiência, algumas músicas (como «We Are Really Worried About You» de «Gas Lit» ou «Blood Quantum» de «Systemic») começam por nada mais nada menos do que as notas de um saxofone soprano (mais agudo do que o “típico” que possam imediatamente imaginar), trabalhadas em loop para criar várias camadas, até levarem com a bendita pomada supracitada.
E depois de tudo isto, como a música é apenas um dos meios de expressão, ouvimos entre músicas a mensagem que Takiaya Reed nos partilha, na sua voz meiga e jeito meio tímido, que ambas têm ascendência aborígene – ela, guitarrista, Tsalagi/Cherokee, e Sylvie Nehill, baterista, Māori –, e que tendo sido afetadas pelos danos de genocídio colonial, pretendem apenas espalhar a sua mensagem em prol de uma maior integração e união, pois como na sua música o amor deve prevalecer. Impossível sair do Bürostage sem estar enfeitiçado. [P.C.S.]
Os ESBEN AND THE WITCH, que parecendo que não já existem desde 2008, têm vindo a ganhar um certo culto pela sua mistura que recai algures entre a dream pop (quando as músicas ganham contornos mais sublimes e minimalistas) e o post-rock (quando a exploração até pode levar a algum peso), atestado já pelas presenças nacionais em 2014 e 2019.
A apresentar o mais recente «Hold Sacred», que compôs cerca de metade do set, o trio constituído por Rachel Davies (voz e baixo), Thomas Fisher (guitarra) e Daniel Copeman (bateria e electrónicos) vai-se revezando nas suas posições, ora para trabalhar as delicadezas de «In Ecstasy» e «Petals Of Ash», onde a melodia vocal se permeia entre o folk irlandês e, quiçá, uma PJ Harvey, ora para adicionar mais corpo e texturas (Davies agarra-se ao baixo e Copeman à bateria) que «No Dog», de «A New Nature», chega a piscar ao post-punk. [P.C.S.]
Mais um daqueles casos em que já batia a saudade: a última visita dos KEN mode, canadianos do rock barulhento, já se fazia sentir desde 2012, altura em que vieram com Circle Takes The Square e Kylesa, em data dupla no Porto (também no Hard Club) e em Lisboa (no Santiago Alquimista), e cujo então trio já passou até recentemente a quarteto: mantém-se a dupla de irmãos Matthewson (Jesse na voz e tudo o que tem cordas, e Shane na bateria), sai Andrew LaCour e entra Scott Hamilton (que já é entretanto o baixista com mais tempo na posição) e, toque especial, entra a saxofonista (e outras cenas, vá) Kathryn Kerr. N
a altura, ainda iam dar o pulo de «Venerable», produzido por Kurt Ballou, para o que seria «Entrench», produzido por Matt Bayles, longe de imaginar «Success» com o dedo de Steve Albini e, surpreendentemente, melhor ainda que tudo isto, a preciosa ajuda que Andrew Schneider viria a dar na trindade seguinte: «Loved», «Null» e o novíssimo «Void», com apenas dois dias de idade assim que os recebemos no Bürostage e logo para marcar o início da digressão europeia.
Não foi preciso ir mais longe do que a primeiríssima «A Love Letter», em que o próprio vocalista atira “I’d like to congratulate you” para, embora num tom mais bem-intencionado que o da letra original, se sentir que congratulações bem merecidas estavam efectivamente a caminho. Uma energia visceral, com uma entrega precisa, como as pontuações e variações do noise rock da banda bem enfatizam, fizeram o set passar num piscar de olhos arrebatador: pela entrada de peso, consistência e agressividade (mas mesmo uma boa dose de ira daquelas), implicou suor, agitação e, no fim, muita paz interior.
Afinal, como não gritar em plenos pulmões tiradas como «Stop giving me hope» (mesmo no fim, em «No Gentle Art») ou «I don’t believe that you mean well» (de «Lost Grip»)? E desculpem, na excitação, quase ficava esquecido em como na «Blessed» até houve direito a dois baixos – que absurdo! Ou como diz quem sabe, “We’re blessed”. [P.C.S.]
Por vezes basta pôr o assunto de modo curto e grosso: tinham-nos dito que as actuações dos HIDE bem valiam a pena, independentemente do que se possa achar ao escutar os trabalhos originais, duma componente electrónica escura e pesada, de linhas industriais a aproximações mais ruidosas.
E não é que estavam certos? Heather Hannoura (agora Heather Gabel?) apresentou-se sozinha no palco, com uma indumentária no mínimo peculiar (roupas rasgadas e fita-cola à volta do peito), agarrou-se ao microfone enquanto as batidas nos mastigavam, e lá foi ralhando e esperneando a sua mensagem completamente anti-establishment. Imaginem uma Sevdaliza, menos artsy e mais in-your-face, a marinar entre os universos de Ministry e Author & Punisher, e ficam com uma fotografia do vídeo que vimos. [P.C.S.]
Líderes totais desta edição em ânsia absoluta por parte do público: os SUNN O))) conseguiram ser a banda mais desejada para encabeçar o festival portuense, e essa vontade chegou a ser de tal maneira corpórea que, tendo em conta que estamos num meio underground, e permitam o exercício comparativo muito tosco, parece que estávamos todos no pré-liceu, há décadas atrás, mortinhos por ver Metallica pela primeira vez.
Foi em 2010 a última vez que Greg Anderson e Stephen O’Malley se tinham apresentado, logo com Attila Csihar (Mayhem) no centro, e, para os mais distraídos, Eagle Twin na abertura, no LX Factory em Lisboa (antes disso, só em 2006 na Casa da Música). Já na altura, como agora, foram oferecidos tampões para o concerto – abençoada parceria com a Ohropax, que merece aqui o seu destaque –, e ainda bem, porque quando numa experiência sónica quase se sente o coração a ressoar e a trocar o passo nas suas batidas por embater contra uma parede de distorção que deve estar a meros nanómetros de se tornar física, é caso para jogar à defesa.
E é exactamente nestes termos em que este concerto e a pivotal existência deste duo ganha uma dimensão bem além da música para o domínio da experiência, do acontecimento empírico: nunca se terá sentido nada assim, esta sensação de se estar a boiar no limbo, em que olhar para uma infinitude de amplificadores deixa de significar volume, ruído e zumbidos, e passa a ser algo sentido (vivido!) por dentro, pelo que lhe quisermos atribuir, como um flashback em que a imagem é o som.
Pelo meio da neblina e algures entre as notas intermináveis, além de todos os O))) que se propagam, dos efeitos luminosos que parecem um tridente de all-seeing-eyes, das mãos que se levantam nos mais variados formatos, há tanto mais a acontecer. E embora seja uma linha muito ténue, ora, por um lado, discutida e incompreendida, como, por outro, sobrestimada ou banalizada, que há arte que consegue ser mais do que é. [P.C.S.]
FOTOS: Pedro Roque