ACE FREHLEY

ACE FREHLEY | 1951–2025: O astronauta do rock que levou os KISS às estrelas

Do Bronx ao Rock & Roll Hall of Fame, ACE FREHLEY deixou uma marca incandescente na história do hard rock — entre solos espaciais, excessos terrenos e uma eterna aura de rebeldia.

Ace Frehley, o lendário guitarrista e “Spaceman” dos KISS, morreu esta quinta-feira, em Morristown, Nova Jérsia. O músico tinha 74 anos. A notícia foi confirmada por Lori Lousararian, a sua representante, que atribuiu a morte a uma “queda recente em casa”. A família descreveu-o como um homem “cercado de amor, palavras e intenções pacíficas” nos seus últimos momentos. “O peso da sua partida é de proporções épicas e além da compreensão”, disseram, num comunicado emocionado. “Celebramos as suas forças, a sua bondade e todas as memórias que nos deixou. A memória de Ace viverá para sempre.

A morte de Ace Frehley encerra um dos capítulos mais marcantes da história do rock. O guitarrista nova-iorquino foi o arquétipo do herói das seis cordas — talentoso, carismático, autodestrutivo, mas, acima de tudo, livre. Como o “Spaceman” dos KISS, ajudou a transformar a banda nova-iorquina num fenómeno global e, ao mesmo tempo, inspirou gerações de músicos que cresceram com o som e o espectáculo da banda mais visualmente icónica da década de 1970.

Nascido Paul Daniel Frehley a 27 de Abril de 1951, no Bronx, Nova Iorque, o futuro “homem do espaço” teve uma juventude marcada pela energia das ruas e pela descoberta do rock’n’roll britânico. Inicialmente dividido entre o desporto e a música, cedo percebeu onde estava o seu verdadeiro destino. “Isto é uma parvoíce”, recordou, referindo-se ao futebol americano. “As minhas mãos são demasiado importantes. A guitarra vem primeiro.

O momento decisivo surgiu aos 16 anos, quando viu The Who e Cream ao vivo em Manhattan. “Os Who inspiraram-me para o rock teatral”, disse mais tarde. “Quando os vi, fiquei completamente estupefacto. Nunca tinha visto nada assim. Foi um ponto de viragem.” Nos primeiros anos da década de 1970, Frehley passou por várias bandas sem sucesso até responder a um anúncio no Village Voice: “Procura-se guitarrista principal com flash e habilidade. Álbum prestes a sair. Sem desperdiçar tempo.”

Levado pela mãe ao ensaio em Queens — porque não tinha dinheiro para o táxi —, apresentou-se com calças à boca de sino e sapatos multicoloridos, provocando risos entre Gene Simmons, Paul Stanley e Peter Criss. O riso, porém, durou pouco. “Eles mostraram-me uma canção chamada «Deuce»”, recordou anos mais tarde. “Fiz um solo do início ao fim. Eles sorriram e disseram: ‘Gostamos muito da tua maneira de tocar. Ligamos-te.’”

O grupo ainda não tinha nome, nem a famosa maquilhagem. “Usámos maquilhagem feminina, como os New York Dolls”, contou Frehley em 1976. “Mas nós não éramos como eles. Decidimos apostar no preto e prata. Queríamos vir com força.” Assim nasceu o visual alienígena que o acompanharia por toda a vida: o Spaceman, misterioso e eléctrico, uma figura que parecia saída de um sonho glam futurista.

Os KISS começaram então a tocar em clubes de Nova Iorque em 1973, e tornaram-se rapidamente um proverbial fenómeno. O álbum ao vivo «Alive!», de 1975, catapultou-os para a fama mundial. Com o seu visual inconfundível, pirotecnia explosiva e uma atitude larger-than-life, a banda redefiniu o conceito de espectáculo rock. Frehley, com o seu timbre distinto e solos incendiários, tornou-se o membro preferido de muitos fãs. Canções como «Cold Gin», «Parasite», «Shock Me» e «Talk to Me» tornaram-se clássicos. “Quando toco guitarra em palco, é como fazer amor”, disse em 1976. “Se fores bom, chegas lá todas as vezes.”

No entanto, a glória trouxe excessos. O guitarrista mergulhou no álcool e nas drogas, o que afectou a convivência com os colegas e a sua própria estabilidade. “Havia tanta cocaína no estúdio com o Bob Ezrin, era uma loucura”, admitiu em 2015. “Eu nem sequer fazia cocaína antes disso. Mas comecei, e de repente bebia mais, durante mais tempo. A partir daí, foi uma corrida desenfreada.” Apesar dos problemas, em 1978 lançou o seu álbum a solo «Ace Frehley», parte do projeto em que cada membro dos KISS editou um disco individual. O seu tornou-se o mais bem-sucedido, impulsionado pela versão de «New York Groove», que se tornaria a sua marca pessoal.

Com o sucesso global dos KISS, vieram os brinquedos, os bonecos, as lancheiras — e a transformação da banda num fenómeno de massas. “De repente, tínhamos crianças pequenas na primeira fila, e eu tinha de me preocupar em não dizer palavrões ao microfone. Tornou-se um circo”, recordou. Em 1982, saturado de tensões internas e exausto pelos vícios, Frehley abandonou o grupo. “Acreditei que, se ficasse, cometeria suicídio”, confessou. “Saí de um contrato de 15 milhões de dólares. O meu advogado olhou para mim e disse: ‘Estás louco?’”.

Na década seguinte, criou o projecto Frehley’s Comet, editando dois álbuns discretos. Mas o reencontro deu-se em 1995, no especial MTV Unplugged, que reaproximou os quatro membros originais e levou à grandiosa digressão de reunião de 1996. O mundo voltou a ver os KISS com maquilhagem, no auge da nostalgia — e o “Spaceman” voltou a ocupar o seu lugar no cosmos.

Em 1998, participou parcialmente no álbum «Psycho Circus», embora tenha lamentado a sua exclusão de muitas sessões. “Eles dizem que eu não apareci. A verdade é que nunca me convidaram”, disse em 2014. E saiu definitivamente da banda em 2002, sendo substituído por Tommy Thayer, que passou a usar o seu visual icónico. “O Tommy toca as notas certas, mas não tem o mesmo ‘swagger’. Não tem a minha técnica.

Nas duas últimas décadas, Ace Frehley manteve-se em digressão constante, alternando entre memórias de palco e novas aventuras a solo. O seu último concerto aconteceu no mês passado, em Providence, Rhode Island, terminando, como sempre, com «Rock And Roll All Nite» — o hino que definiu uma geração. Em 2014, Frehley, Simmons, Stanley e Criss foram introduzidos no Rock & Roll Hall of Fame, uma consagração merecida para quatro homens que transformaram o rock em espetáculo e o espetáculo em culto.

Na sua nota conjunta, Gene Simmons e Paul Stanley escreveram: “Estamos devastados com a morte do Ace Frehley. Ele foi um soldado essencial e insubstituível durante os capítulos mais formativos da história da banda. Será sempre parte do legado dos KISS.”

O “Spaceman” deixa a esposa Jeanette, a filha Monique, e um exército de fãs que o idolatraram desde os anos 70. E deixa, sobretudo, a chama de um guitarrista que nunca quis ser terrestre. Como ele próprio disse em 2013: “A minha vida tem sido uma montanha-russa, mas de alguma forma consegui sempre aterrar de pé e continuar a tocar guitarra.” No fim, talvez Ace Frehley nunca tenha regressado totalmente à Terra. Preferiu viver — e morrer — nas estrelas.