Segundo dados revelados recentemente, 2024 reflectiu uma explosão criativa que desafia a sustentabilidade da indústria musical.
O panorama musical de 2024 encontra-se num ponto de transformação acelerada, impulsionado pela acessibilidade tecnológica e pela facilidade de distribuição digital. De acordo com um relatório recente do Music Radar, é actualmente lançada mais música num único dia que em todo o ano de 1989, o que marca uma mudança sem precedentes na indústria. Esta tendência reflete-se tanto na quantidade como na forma como a música é produzida e consumida, trazendo à tona vários desafios e oportunidades para artistas e plataformas de streaming.
Verdade seja dita, os números são impressionantes. Só no mês de Junho de 2023, cerca de 120.000 novas músicas foram carregadas diariamente nas plataformas de streaming, e esse valor tem vindo a crescer de forma constante. O aumento deve-se, na maioria, à democratização dos meios de produção musical: em 2024, um dispositivo de gravação, um instrumento e amplo acesso à internet são o que basta para que qualquer pessoa possa publicar a sua música em plataformas como o Spotify ou Bandcamp.
Will Page, ex-funcionário do Spotify e da PRS For Music, explica a magnitude deste fenómeno: “Em 2024 é lançada mais música num único dia do que em todo o ano de 1989.” Para além disso, Page sublinha que grande parte deste conteúdo é produzido por artistas independentes, o que reflete também o aumento da procura por software e ferramentas de produção musical. Resultado, em 2024, o cenário é ilustrativo de uma nova realidade onde a barreira de entrada é mais baixa, mas a competição por visibilidade é imensamente maior.
Entre 2021 e 2022, o número de criadores musicais registou um aumento de 12%, atingindo um total de 75,9 milhões em todo o mundo. As previsões apontam para que este número ultrapasse os 198 milhões até ao final da década de 2020. No entanto, esta explosão de criadores levanta questões prementes sobre a sustentabilidade do modelo actual, uma vez que os algoritmos tendem a favorecer um número muito mais restrito de artistas em detrimento da vasta maioria. Como noticiado anteriormente, a inundação de conteúdo torna mais difícil para os novos artistas ganharem tração e, consequentemente, rendimentos.
Num cenário já de si desafiador, o Spotify surge frequentemente como alvo de críticas devido às suas políticas controversas. Em Novembro de 2023, a empresa anunciou que deixaria de pagar royalties por músicas que não atingissem pelo menos 1.000 streams anuais, numa decisão que muitos consideram penalizadora para os pequenos criadores. Como se isso não bastasse, em Dezembro do mesmo ano, a empresa levou a cabo uma vaga de despedimentos que afectou 17% do seu pessoal.
Não é, de resto, segredo nenhum que muitos artistas, sendo um dos mais recentes Dani Filth, o vocalista dos CRADLE OF FILTH, têm criticado abertamente as práticas do Spotify relativamente ao pagamento de royalties aos artistas, descrevendo-os inclusivamente como “os maiores criminosos do mundo“. Algumas tácticas obscuras, como oferecerem exposição por taxas de royalties ainda mais baixas, não têm ajudado a tornar a plataforma de streaming mais popular aos olhos dos músicos.
Nos últimos anos, os custos das digressões dispararam, as vendas de discos começar a cair e, em 2024, os serviços de streaming não são propriamente uma fonte rentável. Dani Filth, o carismático vocalista dos CRADLE OF FILTH, falou recentemente sobre o assunto numa entrevista com filial grega da revista Rock Hard e revelou o quão difíceis estão as coisas nos dias que correm. “A situação em piorado bastante nos últimos anos“, começou por dizer Dani.
“Acho que 2006 foi o ano em que tudo deixou de ser confortável para os músicos — não necessariamente confortável; porque nunca foi confortável. Mas a verdade é que as coisas se tornaram muito mais difíceis com o início da era digital e o surgimento das plataformas de streaming, que não pagam a ninguém. O Spotify é um desses casos, os tipos por trás dessa plataforma são os maiores criminosos do mundo. Acho que tivemos 25 ou 26 milhões de reproduções no ano passado e, pessoalmente, ganhei um total de 20 libras, o que é menos do que a actual taxa de trabalho por hora.“
Está bom de ver que, por um lado, a proliferação de criadores e o aumento exponencial da produção musical estão a gerar questões estruturais que a indústria terá de enfrentar; a visibilidade limitada cada vez reduzida, os baixos rendimentos e o domínio das grandes plataformas colocam sérios desafios no que diz respeito à sustentabilidade dos artistas.
Ao mesmo tempo, esta nova era digital oferece oportunidades para a inovação, colaboração e descoberta de vozes únicas. No entanto, embora a música nunca tenha sido tão acessível para ser criada e partilhada, actualmente o verdadeiro desafio reside em equilibrar o crescimento da oferta com a necessidade de assegurar condições justas e viáveis para os milhões de criadores que alimentam esta vasta paisagem sonora.