Em 2023, 82,6% das canções disponíveis nas plataformas de streaming foram reproduzidas menos de 1.000 vezes. E 24,8% do catálogo não foi tocado uma única vez.
Imaginem uma biblioteca de música tão vasta que se estende muito além do que os nossos olhos podem ver. Prateleiras e mais prateleiras a transbordar de álbuns, cada um a competir pela nossa atenção. Como é fácil perceber, a maioria acabaria por permanecer intocada, a acumular poeira enquanto voltamos uma, outra e outra vez ao que nos é mais familiar. Pois bem, mais que uma utopia, esta foi mesmo a realidade no mundo do streaming em 2023.
Um relatório de fim de ano da Luminate Data, empresa que recolhe e trata informação relacionada com o vasto universo do entretenimento, acaba por pinta um quadro bastante surpreendente pela negativa: uns impressionantes 158,6 milhões de temas, que representam 86,2% do catálogo total presente actualmente nos serviços de streaming, foi tocado 1.000 vezes ou menos durante 2023. Feitas as contas, quase oito em dez canções acabam a definhar no purgatório do streaming. Resultado: enquanto nos deleitamos com a possibilidade das escolhas infinitas, milhões de temas estão a afogar-se na obscuridade.
A resposta para este fenómeno está, invariavelmente, na própria natureza das plataformas de streaming. Os algoritmos dão sempre prioridade aos temas mais populares, criando câmaras de eco que amplificam um punhado de sucessos nas tabelas enquanto enterram muitas outras. Mesmo assim, artistas aspirantes, munidos de ferramentas de gravação caseira e botões de upload, adicionam avidamente as suas criações às plataformas, diluindo ainda mais a atenção dos ouvintes.
No final, num modelo de negócio muito particular, a abundância acaba, ironicamente, por gerar escassez. O ouvinte, inundado pelas playlists e recomendações personalizadas, fica cansado ao navegar no fluxo de interminável de escolhas e raramente se aventura além da bolha segura do algoritmo. Aquela magia que podia desencadear a descoberta musical, diluiu-se entre tanta oferta e a grande maioria dos artistas passou o ano de 2023 a lutar para romper este ruído.
Como é lógico, isto torna claro que as plataformas de streaming (e os seus algoritmos) não têm qualquer capacidade ou interesse em garantir um campo de jogo mais justo para todos, um problema amplificado pelas algumas das medidas mais recentes do Spotify, como a de não pagar royalties por temas que sejam tocados menos de 1.000 vezes no espaço de 12 meses.
Para colocar isto em perspectiva com mais alguns números: 24,8% de todo o catálogo disponível hoje em dia nos serviços de streaming acabou por gerar ZERO reproduções em 2023. Se tivermos em conta que isso representa uns impressionantes 45,6 milhões de temas, não há como não achar que andamos todos metidos numa câmara de eco algorítmica que, em vez de representar uma oportunidade de ouro para se descobrir música nova, se está a transformar-se num cemitério.