Com quase três décadas de carreira e uma energia contagiante, os californianos ZEBRAHEAD estrearam-se finalmente em Portugal com um concerto que transformou uma sala a meio gás numa autêntica celebração geracional do punk rock melódico.
Por estranho que possa parecer, a estreia dos ZEBRAHEAD em solo português fez-se esperar quase trinta anos. Talvez por isso, não aconteceu num grande festival, mas sim numa sala de média dimensão, onde os lugares vagos nas filas traseiras contrastavam com a euforia concentrada junto ao palco. No entanto, nada disso impediu que se vivesse uma noite memorável, alimentada a riffs vibrantes, humor contagiante e aquela energia anárquica tão típica do pop punk dos anos 2000.
Apesar da sala estar a meio gás, o ambiente vivido foi tudo menos morno no LAV – Lisboa ao Vivo. O quinteto californiano apresentou-se com um sorriso rasgado e uma atitude pronta para celebrar cada segundo do espectáculo e a capital tornou-se o epicentro de uma festa pop punk feita com guitarras afiadas, refrões gritados e uma alegria impossível de simular. Em suma, foi um momento de celebração que ficará gravado na memória dos presentes — e muito particularmente na do jovem rapaz que, de braços erguidos e sorriso rasgado, fez crowd surfing como gente grande.
Antes da explosão californiana dos ZEBRAHEAD, foi tempo de ouvir a nova guarda do punk rock nacional. Os DET-SAW COYOTE, convidados especialmente para esta data, aqueceram a plateia com uma actuação feroz e provocadora, antecipando o caos alegre que se seguiria. Formados em 2017 nas Caldas da Rainha, afirmam-se como uma força emergente do underground português, com um som ancorado no punk mas aberto à agressividade do metal, à urgência do hardcore e até a toques mais experimentais. Esse híbrido sente-se tanto na música como na postura em palco.
O concerto do quinteto foi marcado por uma energia bastante crua, riffs intensos e um sarcasmo contagiante, que pôs os primeiros corajosos a mexer junto ao palco. Para muitos dos presentes, esta foi certamente uma surpresa inesperada — e uma chamada de atenção para uma banda que parece pronta para reclamar o seu espaço dentro e fora de portas.







Os ZEBRAHEAD, por seu lado, entraram de rompante em palco ao som de «America, Fuck Yeah» (tema da banda-sonora do filme Team America: World Police), num prenúncio do tom irreverente que marcaria toda a actuação. O arranque fez-se com «The Perfect Crime», seguido de «We’re Not Alright» e «Hello Tomorrow», numa sequência muito enérgica que serviu tanto para aquecer motores como para demonstrar, desde logo, a entrega da banda e a resposta calorosa do público.
Actualmente, os ZEBRAHEAD são compostos por Ali Tabatabaee como vocalista principal, Adrian Estrella na guitarra e voz melódica, Dan Palmer na guitarra solo, Ben Osmundson no baixo e Ed Udhus na bateria. Esta formação, activa desde 2021, trouxe um novo fôlego à banda: Ali, com o seu carisma seco e flow incisivo, mantém-se no centro das atenções, enquanto Adrian contribui com refrões melódicos e uma presença energética que aquece o palco. Juntos, funcionam como um motor de alta rotação para canções que equilibram rebeldia juvenil com refrões para cantar a plenos pulmões.
«Homesick For Hope» e «Lay Me To Rest» trouxeram a Lisboa o material fresco do mais recente álbum da banda, mas foi apenas com a bem conhecida «Rescue Me» que se ouviu pela primeira vez a plateia verdadeiramente em uníssono. O tema, lançado originalmente em 2003, continua a ser um dos momentos mais emocionais e cantados do repertório da banda, ecoando memórias de adolescência para muitos dos presentes.











Entre os temas novos e os clássicos, houve também espaço para pérolas escondidas como «Postcards From Hell» e «When Both Sides Suck, We’re All Winners», que mantiveram o ritmo elevado e o mosh pit activo. Um dos momentos mais insanos da noite chegou com «No Tomorrow» — e, logo depois, com a trindade frenética de «Mike Dexter Is A God, Mike Dexter Is A Role Model, Mike Dexter Is An Asshole», «Hell Yeah!» e uma versão breve, mas demolidora, de «Fight For Your Right», original dos BEASTIE BOYS, que incendiou até os mais tímidos do fundo da sala.
No meio da festa, um elemento inesperado ia contribuindo para o ambiente: uma figura vestida de esqueleto, instalada por trás de um pequeno bar improvisado localizado do lado direito do palco, que ia servindo bebibas aos músicos e a alguns sortudos nas filas da frente. Dançando, agitando-se, provocando gargalhadas, foi dando corpo ao espírito irreverente da banda de uma forma tão absurda quanto contagiante. A noite seguiu com mais hinos para cantar e gritar: «Who Brings A Knife To a Gunfight?», «Drink Drink», «Sink Like a Stone» e «Worse Than This» foram debitadasem sequência, entre piadas improvisadas, e incontáveis elogios ao público nacional e ao nosso país.
Ainda assim, o momento mais ternurento da noite — e talvez um dos mais memoráveis para os mais atentos— aconteceu quando um jovem rapaz foi erguido pela primeira vez nos braços do público e fez crowd surfing como gente grande. Com um sorriso rasgado e os olhos a brilhar, atravessou a sala como se estivesse a voar, numa imagem que arrancou sorrisos até aos músicos em palco. Num ápice, foi rapidamente colocado em segurança pela equipa da sala, que acompanhou o momento com um cuidado notório, mas esse instante de glória punk vai ficar-lhe, com certeza, gravado na memória do miúdo para o resto da vida.
















Para muitos na plateia, essa foi uma lembrança tocante de como a música ao vivo — mesmo a mais frenética — pode ser um espaço de inclusão e alegria genuína. Um verdadeiro baptismo de fogo… e de festa. O espírito de partilha, tão presente ao longo do concerto, atingiu então um pico simbólico com «Call Your Friends» e «Anthem», duas das canções mais cantadas da noite — a última delas quase ofuscada pela quantidade de braços no ar e vozes a sobreporem-se à própria banda.
Depois de um breve recuo de bastidores, o encore trouxe mais duas canções icónicas: «Falling Apart», clássico absoluto de 2003, e a poderosa «All My Friends Are Nobodies», um dos maiores êxitos recentes da banda, que encerrou o concerto em alta rotação e comunhão total. E porque o humor nunca está ausente nos concertos dos ZEBRAHEAD, o fecho final, já com as luzes acesas, fez-se com «I Will Always Love You», de Dolly Parton, a soar através do sistema de som, enquanto os músicos agradeciam, riam e atiravam beijos ao público.
A grande força dos ZEBRAHEAD, ao vivo, reside precisamente na forma como conseguem quebrar as barreiras entre banda e audiência. Não há aquela distância cerimonial típica de muitos concertos; há, antes, uma vontade clara de partilha, de riso, de descompressão. Ao longo do concerto, os músicos trocaram piadas, dançaram, incitaram mosh pits e fizeram do palco um espaço de liberdade juvenil. Como se o tempo tivesse parado em 2003 e todos pudéssemos, por noventa minutos, voltar à idade em que descobrimos SUM 41, BLINK-182 ou NEW FOUND GLORY.
No entanto, seria redutor dizer que os ZEBRAHEAD vivem apenas da nostalgia. A sua vitalidade, em 2025, é prova de um percurso consistente que sobreviveu à volatilidade dos gostos musicais e à própria erosão natural que atinge tantas bandas do género. Se muitos contemporâneos ficaram pelo caminho, estes músicos souberam reinventar-se, incorporando novos elementos e mantendo-se fiéis à sua identidade.
Resultado: a festa dos ZEBRAHEAD foi, no fundo, tudo o que um bom concerto de pop punk deve ser: rápida, barulhenta, catártica e divertida. E, se houve quem não conhecesse bem a banda antes, é pouco provável que tenha saído indiferente depois. Afinal, como disse Ali Tabatabaee, já perto do final: “Vocês esperaram tanto tempo… mas prometemos que não vão ter de esperar mais trinta anos até à próxima vez”. Esperemos que cumpra a promessa.