Poucas horas depois do fim do primeiro dia — e tendo em conta o escasso tempo de descanso que a equipa da LOUD! em missão teve pareceram apenas uns minutos — estávamos de volta para a segunda dose de Xxxapada Na Tromba, que prometia ser ainda mais épica. A começar meia-hora mais cedo, quando chegámos ao RCA Club ainda estavam poucas pessoas presentes. Não era de admirar, porque a dose do dia anterior castigou o corpo de tal forma que seria necessário mais tempo de recobro. Os primeiros a subir ao palco foram os VERME, que iniciaram o certame com alta intensidade, como o seu black metal acrustalhado garante. O público foi aparecendo, mas ainda estava em contenção de energias, em modo de contemplação perante temas como «Senhor das Moscas» e «Satanás, Pvtas e Speed», que obrigam a reacções bem mais violentas e entusiasmadas em condições normais. Para sermos justos, até houve algum entusiasmo, mas faltou um pouco mais de energia na recepção, como acaba por ser natural nas primeiras actuações. Algo de que os CONVULSIONS não se puderam queixar uma vez que, quando começaram a tocar, já a sala estava um pouco mais preenchida, e foi aqui que surgiram os primeiros moshs da noite. A banda espanhola tinha fãs (muitos compatriotas) entre o público e quem não a conhecia ficou com uma bela apresentação do seu grindcore impiedoso — na música, sim, mas sobretudo na apresentação. Em cima do palco são completamente endiabrados, principalmente o baixista Binky, com uma sucessão de saltos e headbanging furioso, sem que isso afecte a sua performance musical.
No slot de “banda portuguesa que toca sem baixista antes de jantar” — que, no dia anterior, pertenceu a DEAD MEAT –, surgiram os GRINDEAD que, tal como tinha também acontecido no dia anterior, meteram todos em sentido com o seu death/grind bem poderoso, manifestado através de petardos como «G.O.D. (Grind Or Die)» ou «Reasoning In Hunger». Incontornável também foi a visita aos tempos dos míticos Genocide, dos quais Mário e Alfredo (guitarras) e Luís (voz) fizeram parte. Também é importante salientar o agradecimento de Luís à organização e sobretudo ao RCA, dando conta da importância que a sala tem no underground assim como também relembrar que outra grande sala, o Metalpoint, infelizmente fechou recentemente. Nesta altura, o jantar veio mesmo a calhar, mais não fosse para que se recuperassem forças para suportar a descarga dos GROG, verdadeira instituição no death/goregrind luso. A carreira do grupo em termos editoriais pode não contar com muitos álbuns comparativamente à sua longevidade, mas ninguém pode negar que está recheada de momentos obrigatórios para qualquer apreciador do som extremo, com «Uterine Casket», «Hanged By The Cojones» e «Sado-Masoquist Butchery» a serem apenas três (bons) exemplos disso. Com a comunicação com o público a ser feita em inglês pelo carismático Pedro Pedra (algo que poderá parecer descabido, mas que se justifica com o facto de estarem presentes muitos estrangeiros), a verdade é que o quarteto protagonizou um dos pontos altos de todo o festival até então. O público estava ao rubro, inclusive o “homem da prótese” que subiu ao palco inúmeras vezes, aos saltos e com a sua já famosa prótese da perna na mão.
A fasquia estava muito alta e os NECROTTED, apesar de extremamente profissionais e de terem assinado um grande concerto, não conseguiram atingir a mesma intensidade. A banda alemã que, segundo o frontman Fabian Fink, sentiu algumas dificuldades na viagem, com parte da bagagem perdida, tem um som que mistura pitadas de melodia numa abordagem que anda ali entre o deathcore e o brutal death metal. Seja como for, o público gostou e não deixaram de apresentar muitas razões para tal, principalmente as malhas do mais recente disco de originais, «Operation: Mental Castration». uma das quais contou com a participação de Julien Truchan, vocalista dos BENIGHTED. Por falar nestes franceses, depois de vermos os ANALEPSY em palco, ficámos na dúvida a quem pertenceria a posição de cabeça de cartaz. Isto porque a banda portuguesa (ainda que conte neste momento com vocalista romeno e baterista belga) foi, segundo o que nos pareceu, quem concentrou mais pessoas em frente ao palco na totalidade dos dois dias. De resto, a recepção do público foi explosiva desde o início, com inúmeros stagedives e muito crowdsurfing, e os temas do novo «Quiescence» a serem muito bem recebidos. Com uma energia aparentemente inesgotável a mover o público e os músicos a demonstrarem mais uma vez o elevado nível de brilhantismo em que se encontram, não houve defeitos a apontar. Nota para os últimos dois temas do alinhamento: «Viral Disease», com Ricardo Proença, o primeiro vocalista da banda, a subir ao palco e, de seguida, Sérgio Afonso, dos BLEEDING DISPLAY, a cantar na «Genetic Mutations». Foi, sem dúvida, um dos melhores concertos que vimos da banda.
Por aquilo que foi descrito anteriormente, pela entrega e performance da banda e pela reacção do público, poder-se-á ter a tentação de concluir que os BENIGHTED tivessem comido o pó da banda portuguesa. Embora mantenhamos que o público esteve em maior número durante o concerto dos ANALEPSY, a verdade é que os gauleses conseguiram dar uma verdadeira lição de como se fazem as coisas. Em qualidade, em brutalidade, em simpatia, no simples facto de saberem conquistar uma sala desde o início. Consigo trouxeram níveis de violência absolutamente incríveis, com um Julien Truchan a andar de um lado para o outro no palco (descalço, como se fosse um animal enjaulado) e com um vozeirão impressionante, e o r4etso da banda a mostrar uma coesão memorável, alimentada pela energia que vinha do público. De tal forma que Julien não se cansou de dizer que nunca tinha visto um público como aquele, e que cada vez que regressam a Portugal, encontram fãs ainda mais loucos. Para manter as coisas em territíro francês, vieram os BLOCKHEADS que, apesar de terem perdido algum do público que estava ali para ver os seus compatriotas, deram um concerto onde a brutalidade esteve novamente ao mais alto nível. E o público, mesmo em menor quantidade, também não deixou de fazer a festa com aquela energia tresloucada, própria do Xxxapada. Devia ser contagioso, porque Xav, o frontman, saltou inúmeras vezes para o público, fosse para cantar fosse para fazer crowdsurfing.
Ainda a actuação dos BLOCKHEADS não tinha acabado e já havia balões e bolas de praia a circularem por toda a sala. Até o mais distraído saberia de antemão que a chegada dos SERRABULHO era mais que iminente. É claro, que, com eles, veio também o Capitão Adega (e as suas amantes) a servir de cícerone para a viagem à loucura que é o mundo da banda portuguesa, símbolo também daquilo que é o espírito do Xxxapada. Foi um desfilar de clássicos (não nos cansaremos nunca de cantar «Quero Cagar E Não Posso»), assim como também de fãs no palco, de Carlos Guerra no público, da conga gigante que desaparece ou da presença de Ricardo Santos e da sua gaita-de-foles pela primeira vez no RCA Club. Houve também espaço para o mega ass of death da praxe, num enumerar de situações que destacam o que a banda faz de tudo o resto. Existem bandas, existem festivais, existem concertos, existem todos esses conceitos mais ou menos estruturados, e depois temos os SERRABULHO, que estão num mundo aparte. Ainda houve tempo para Guerra chamar ao palco a dupla da organização, Rita Limede e Sérgio Páscoa, com ambos a agradeceram por mais uma edição esgotada e a explicarem que, embora o futuro seja incerto, ficou a sensação de dever cumprido e de ter sido criado em pouco tempo um dos eventos de referência da música extrema a nível mundial.
Depois disto tudo, estava tudo pronto para dar a noite como finalizada. Só que… não, ainda faltavam os ASS DEEP TONGUED (ou AxDxT), a primeira (e única?) boys band grind do mundo. E esta foi a grande falha de todo o festival. Não sendo relacionado directamente com os AxDxT, a verdade é que deverá ser pecado mortal meter qualquer banda depois dos SERRABULHO, não faz qualquer sentido porque é impossível descer à terra em condições depois da banda de Vila Real tocar. Mesmo que o descer à terra signifique estarmos na presença de uma boys band grind, que também parece que tem uma dimensão à parte. Apesar disto, ainda estiveram presentes resistentes que fizeram terminaram a noite (a madrugada) com uma actuação surreal – a começar pela entrada cheia de coreografias ao estilo Take That. O final foi com um sentimento agridoce, de exaustão por quase vinte horas de música em dois dias, de felicidade por podermos estar presentes na sinergia entre bandas e fãs de diferentes partes do mundo, e de tristeza por ter sido, até ver, o último. O fim continua a ser a melhor forma de valorizar as coisas e, quer volte ou não, ninguém retira o impacto que o Xxxapada Na Tromba teve no underground.
FOTOS: Sónia Ferreira