«There’s Always Blood At The End Of The Road» funcionou como um bofetão para arrancar o ano e, ao fim deste tempo, mantém-se como um dos bons discos editados da primeira metade de 2022. Verdade seja dita, foi também uma surpresa para quem já seguia os belgas WIEGEDOOD, que aproveitaram aqui para alargar o seu campo de acção. Este fim de semana, primeiro a 27 de Maio, no Musicbox, em Lisboa, depois a 28, na Sala 2 do Hard Club, no Porto, haverá oportunidade de verificar ao vivo o poder dos temas deste novo registo. Antecipando a visita dos músicos a Portugal, a LOUD! conversou com Levy Seynaeve, vocalista e guitarrista de um projecto que partiu da reunião de músicos que partilhavam entre si a presença em bandas como AMENRA e OATHBREAKER.
Confesso que, tendo em conta o que fizeram anteriormente, não estava propriamente à espera de um disco como este.
Quando gravámos «De Doden Hebben Het Goed» fizemos logo um plano para toda uma trilogia. Tínhamos um conjunto de quatro temas. Sempre que compunhamos uma parte da trilogia, havia um conjunto de temas e uma lista do que estava feito e faltava fazer, sempre de acordo com o plano inicial. Quando terminámos essa empreitada, foi como se, de repente, à nossa frente, estivesse uma folha em branco, onde podíamos escrever tudo que nos apetecesse. Já podíamos escrever temas curtos, se o quiséssemos. Fazer este disco foi muito libertador.
E agora o plano fica só por um álbum ou estão de novo a pensar em vários discos?
Não construímos este disco como parte de uma nova trilogia. Apenas escrevemos temas. Na trilogia tínhamos quatro temas e a necessidade de fazer 30 ou 40 minutos de música. Não podíamos optar por temas curtos. Tivemos de adaptar a música a esse conceito, que na verdade até foi uma forma diferente e interessante de trabalhar. Agora libertámo-nos dessas restrições que tínhamos imposto a nós próprios. Por exemplo, podemos pegar num riff e repetir por três minutos, ou fazer um tema de dez minutos. Nada estava planeado ou era feito de acordo com um plano. Claro que, se sentimos a necessidade de fazer uma música para encerrar o disco, trabalhamos nisso, mas não passamos desse nível de planeamento. Muito menos com um conjunto de regras restritas, como antes.
Como funcionará ao vivo esse balanço entre este disco e os temas da trilogia?
Vamos tocar um par de temas da trilogia, mas o concerto vai centrar-se essencialmente no novo álbum. Acaba or ser difícil fazer um concerto com novos temas e implementar também os temas da trilogia, por serem muito diferentes. Introduzir um tema de dez minutos no meio destes novos, pode soar estranho no meio da actuação.
Podemos dizer que os Wiegedood surgiu por causa da trilogia ou, se preferires, que se não tivessem planeado a trilogia talvez já não existissem como banda?
Provavelmente, sim. Tivemos de fazer a trilogia para estarmos agora neste ponto. Se tivéssemos escrito este disco há sete anos atrás, não teria acontecido. Precisávamos de ter passado por todas estas fases, para chegarmos onde estamos hoje. Tivemos de nos sentir confortáveis a tocar este tipo de música para fazermos isto. Estarmos seguros das nossas capacidades. Eu, há sete anos, não era o guitarrista que sou hoje. Precisei de crescer para chegar aqui. Sem a trilogia, não teríamos chegado aqui.
O uso de samples neste disco resulta desse crescimento, de querem esticar limites?
Sim, e de escutarmos diferentes estilos de música ou mesmo de nos interessarmos em outros aspectos da música. Os samples devem-se sobretudo ao Gilles Demolder, o nosso outro guitarrista. O período da pandemia deixou-o obcecado com o lado técnico, com a produção… Passou, por exemplo, imenso tempo a experimentar posições do microfone em frente ao amplificador, a verificar efeitos de gravação. Regressou do confinamento com uma série de ideias interessantes.
Dentro dessa experimentação, porque não inserem um baixista?
Começamos os três a ensaiar e foi assim que criámos o projecto. O que fazemos entre nós resulta muito bem e estarmos agora a inserir um quarto elemento seria sempre como um estranho que viria depois. Por outro lado, não usando o som de baixo, criamos mais espaço no espectro da música, com lugar para as melodias, para as guitarras. Confesso que não imagino um baixo a ter um lugar predominante na nossa música.
E como resulta tudo entre as várias bandas em que estão envolvidos?
As coisas acontecem naturalmente. Quando temos ideias suficientes para uma banda, começamos a ensaiar e trabalhamos no sentido de gravar e preparar o disco. Tentamos ter sempre presente que, se vamos gravar, iremos lançar um álbum e teremos de nos centrar numa digressão durante um par de meses. A partir daí, tudo vai fluindo de uma forma relativamente fácil. Se começar a surgir com ideias para outra coisa, ou a sentir a necessidade de o fazer, espero que a tour termine. Quando a promoção de um disco começa a esmorecer de forma natural, esse é o momento para iniciar o ciclo de novo.
A um dado momento não encontras um músico mais focado num grupo que os outros ou uma editora a fazer mais pressão?
Toquei nos Amenra e saí porque começava a ser um pouco demais em termos de tours, quando o que queria fazer era concentrar-me nos Wiegedood. Além disso, de momento, os Oathbreaker estão suspensos e sem editarem há algum tempo, por isso nós os três apenas estamos focados nos Wiegedood. O Gilles tem um projecto a solo, onde faz coisas volta e meia, mas decidimos que íamos dar mais atenção a esta banda. Sentimos que o foco estava a cair e sentámo-nos a fazer um plano geral para os próximos meses. Trocámos ideias e percebemos o que podíamos fazer de forma realista. Por vezes não podes fazer um concerto com uma banda porque já tens um concerto com outra ou estás em tour. Entre nós, precisamos de organizar bem as nossas agendas, mas funciona. Até agora, nunca tivemos grandes problemas.
Recordo-me que, no início, o facto de estarem em outras bandas ajudou a puxar atenção para os projectos. Isso aconteceu de uma forma muito óbvia com, por exemplo, os Amenra e os Oathbreaker.
Sim, exactamente, tentávamos sempre combinar concertos. Claro que quando começas a puxar mais por uma banda, os membros de outra podem estar a ir no sentido contrário, mas quando um grupo começa a ter sucesso e a chamar mais pessoas, o público pode vir a descobrir os Wiegedood, por exemplo. E até podem gostar. Não interessa onde tocamos, porque estamos sempre a alimentar a fogueira.
Esta digressão sofreu alguns atrasos, correcto?
Era suposto ter acontecido em Janeiro, com os Portrayal Of Guilt, mas as restrições devido à COVID-19, impediram-nos de ir para a estrada. Tivemos de a cortar em pequenos pedaços, cinco concertos aqui, três ali. Agora vamos iniciar um período maior, de três semanas de concertos. Infelizmente, por causa disso, os Portrayal Of Guilt não podem estar presentes, pois estão em digressão nos Estados Unidos, além de terem outra digressão europeia marcada lá mais para o final do ano. É uma chatice, mas é essa a razão de estarmos em tour sozinhos, tocando com bandas locais como suporte.
E ainda virão algumas datas em festivais.
Um par deles, sim. Vamos tocar no Resurrection, em Espanha, e pouco mais. Não temos muito interesse em festivais, nesta fase. Neste momento, muitos dos cartazes vieram ainda da fase pré-COVID, com tudo já marcado, por isso é difícil encontrar um lugar no cartaz correcto.
Os pequenos clubes também resultam melhor que os festivais para grupos como os Wiegedood.
Isso também é verdade, sim. O ambiente é mais intimista e o som é, quase sempre, melhor. Podemos fazer um soundcheck decente, durante a tarde e podemos preparar-nos melhor para o concerto. Num festival, temos de usar um backline que não é nosso, fazer som em meia-hora, e apenas linecheck, sempre tudo muito rápido. Claro que chegamos a mais gente que não iria comprar bilhete de propósito para nos ver. E, claro, podemos sempre converter alguns deles. Agora, para me sentir bem como músico e ter prazer a tocar, certamente que prefiro os pequenos clubes.