Foi dia de peregrinação negra no LAV – Lisboa Ao Vivo, com um cartaz de luxo que poderia ser digno de um mini festival, marcando o regresso de quatro entidades bem apreciadas no underground do black metal ou da música extrema em geral – já que TRIBULATION é a que mais se afasta do género musical em questão. Tendo em conta o número de bandas, as hostilidades começavam cedo com uma fila já bem considerável na hora de abertura prevista. E do lado de fora conseguia-se perceber, enquanto os BÖLZER davam os últimos retoques no som, num detalhe que iria ser uma constante ao longo dos concertos: o som estava estupidamente alto. Mas já lá vamos. A noite começaria então com a banda suiça que, tendo uma discografia parca a nível de álbuns (tendo ainda apenas um longa-duração editado, «Hero» de 2016), tem-se mantido particularmente activa no campo dos EPs. Foi com um tema antigo que começaram – «Roman Acunpuncture», tema-título da demo de 2012 – e foi logo o suficiente para meter a sala ainda em composição de público em sentido. Apesar de ser um duo, pujança sónica é algo que não lhes falta definitivamente, com a guitarra a assumir a tarefa de conduzir as melodias e ao mesmo tempo erigir uma verdadeira parede sonora de distorção – o facto de, conforme referido, o som estar exageradamente alto, também ajudou. Sem grande comunicação (para além de um “obrigado Lisboa“) mas com um som que combina poder com eficácia, os BÖLZER marcaram o mote para o que seria uma grande noite.
Como já referimos, embora os TRIBULATION fossem a banda que estilisticamente se afastava do black metal, não foi de todo uma proposta que se sentisse como desajustada, a começar pela apresentação cénica que, tal como esperado, trouxe muita escuridão verde. A banda iria apresentar-se em Portugal pela primeira vez após a saída de Jonathan Hultén. Curiosamente não se apresentaram com o seu substituto nas guitarras, Joseph Tholl e sim com Tobias Alpadie que tem assumido os compromissos ao vivo. Nada que tenha afectado a actuação da banda, que foi das mais pujantes que já lhes vimos. Andaram apenas pelo seu passado mais recente, mas mesmo para os fãs das coisas mais antigas, não faltou intensidade nenhuma. Destaque para o novo single «Hamartia» que resulta particularmente bem em cima do palco.
ABBATH era sem dúvida um dos motivos de interesse maior no cartaz e não acreditamos que alguém tenha ficado desiludido. A sua carreira a solo tem-se revelado uma excelente proposta, não vacilando nem mesmo perante os problemas pessoais do frontman norueguês, e o mais recente «Dread Reaver» é um bom exemplo disso mesmo. Passando por todos os três álbuns lançados, o momento mais celebrado por todos foi quando se entrou por domínios mais… imortais. «Tyrants» e «Withsand The Fall Of Time» colocaram um ponto final na actuação que foi a que tanto se aproximou mais do black metal tradicional como de metal tradicional em si. Abbath, o homem, continua igual a si próprio principalmente na forma como se dirigia ao público, sempre com boa disposição e até perante as adversidades – como quando a guitarra deixou de se ouvir durante «Hecate».
Se até então a mudança de palco entre bandas foi relativamente rápida, para preparar o cenário para os cabeças de cartaz já foi necessário mais tempo. Algo que facilmente se percebe olhando para o mesmo, com o altar montado pronto a receber o ritual negro dos WATAIN. Erik Danielsson foi o último a entrar em palco, mas a sua entrada com a tocha em punho foi imponente. Mais imponente foi quando passou a tocha para um fã no público que a agitou ao som da música (neste caso a «Ecstasies In Night Infinite») até que a mesma caiu no pit, o que converteu os fotógrafos em bombeiros durante alguns minutos. O público, esse, estava ao rubro e era fácil perceber porquê. Os temas escolhidos de «The Agony & Ecstasy of Watain» reveleram-se demolidores, principalmente «The Howling» e «Serimosa» (esta última que serviu para Danielsson partilhar com o público que a sua palavra favorita da língua portuguesa era “saudade”). O elemento caótico da sua música ganhou proporções épicas ao vivo, algo de que uma música como «Nuclear Alchemy» foi um excelente exemplo, assim como a reacção do público que garantiu sempre energia, e de forma crescente, conforme o concerto avançava. Depois de finalizada «Malfeitor», a banda saiu de palco, ficando para trás Danielsson a apagar as velas do altar e a fazer o seu ritual que culminou com uma vénia. Depois, voltou-se para o público para fazer mais uma vénia, sendo aplaudido por toda a assistência. Apesar da longa carreira, e de alguns deslizes (ou assim considerados por parte dos seus seguidores), a vitalidade da banda sueca é impressionante, ilustrada na energia e poder que deixam em cima do palco. Se existe o lugar comum de se pensar que quanto mais sucesso uma entidade tem, mais subverte a sua identidade original, foi precisamente o contrário que presenciámos nesta noite. Um cartaz que só foi superado em riqueza pela música proporcionada.
FOTOS: Jorge Botas