Temos assistidos nesta nossas/vossa página a vários regressos. Eventos que foram cancelados que se materializaram finalmente, bandas que deixaram planos de promoção de trabalhos a meio ou simplesmente se viram impedidas de prosseguir com uma das actividades que é, cada vez mais, a única fonte de rendimento: tocar ao vivo (com tudo o que isso envolve, como venda de merch, manterem-se presentes num mundo que cada vez trata mais tudo como algo descartável). E os fãs, que apesar de mais de meio ano de “pós-pandemia” em cima, continuam sedentos por verem música ao vivo, sinal de que se deu valor ao que se tinha na iminência de o perder. E é nesse contexto que podemos encarar o VIALONGA FEST, um evento que se viu interrompido por dois anos e que regressou em força no passado dia 10 de Setembro. Existem muitas particularidades em volta deste festival que o fazem destacar-se, começando pelo mais óbvio que é o facto de ser gratuito, e de procurar os apoios (onde os há) de forma a manter as coisas assim. E onde obviamente o poder autarca também pode dar (e dá) apoio, saindo fora do que é habitual assistir um pouco por todo país onde eventos de música é sinónimo de música popular, o que não deixa de ser também refrescante. E também tem que se salientar a associação à Associação Kausa Animal de Portugal, onde se aceitaram donativos de comida para cães e gato. Tudo isto num evento que contou com a participação dos H.P.S., Revenge Of The Fallen, Vëlla, Theriomorphic, Gatos Pingados, HoChiMinH e W.A.K.O.
Foi chegarmos ao local e encontrarmos o largo em frente à Sociedade Recreativa da Granja já cheio de pessoas em convívio, onde o calor digno de Verão estava a queimar e a obrigar a refrescar com o sumo de cevada que se tornou desde cedo apetecível. Foi neste ambiente descontraído que os H.P.S. subiram ao palco para espalharem o charme do seu punk/hardcore, que não foi afectado pelas quebras de som que tiveram ao longo do alinhamento. Vitor Libânio, como sempre, revelou-se um frontman desconcertante e a boa disposição estava garantida — assim como a alegria de tocar, de tal maneira que até intrepretaram mais um tema, «El Chapo», para além daqueles que estavam previstos. Os senhores que se seguiram foram os REVENGE OF THE FALLEN, que vieram mostrar o LP de estreia «Echo Chambers», que tocaram na íntegra (com uma ordem diferente do alinhamento de estúdio). Com som forte, estes temas resultam especialmente bem ao vivo, destacando-se o poder vocal de Cláudio Santos. O frontman dedicou «Ilusão» a Fábio Abenta, vocalista dos Neuropsy, que foi assassinado poucos dias atrás, em honra de quem pediu, antes de tocarem o tema, alguns momentos de silêncio. A última banda antes do jantar seriam os VELLA, que entraram com uma força impressionante. Força e som agraciaram os temas dos seus dois lançamentos até ao momento, o álbum «Coma» e o EP «Entity Vol.1». Contagiaram o público com a energia da sua actuação, que teve vários momentos altos. «Of Fate» soou especialmente forte e a banda está coesa em palco, o que nos faz ter expectativas ainda maiores em relação ao próximo lançamento, o EP da segunda parte «Entity».
Foi então feita uma pausa na música para que o público pudesse ir jantar — o que também demonstra consideração não só pelo público em si como também pelas bandas — e seriam os THERIOMORPHIC os primeiros a inaugurar “a noite”. Começaram logo com «The Beast Brigade», gozando de um som forte e definido que permitiu apreciar todas as nuances virtuosas e melódicas que a sua música tem. Apesar dos poucos lançamentos editoriais, esta é uma banda que, ao vivo, nunca desilude. Quem também não desiludiu foram os almadenses GATOS PINGADOS, que trouxeram aquele caos saudável que todos os apreciadores de punk/hardcore tipicamente nacional apreciam. «Holocausto Mundial», «Ódio» e «Ressaca» foram alguns exemplos de temas que meteram toda a gente a mexer, numa banda que é referência no estilo em que se insere. Depois seria a vez dos HOCHIMINH, que infelizmente tiveram alguns problemas técnicos que lhes atrasaram o início do concerto por longos minutos. Quando finalmente estavam prontos para iniciar aquela dose de metalcore mortífera, ainda subsistiram alguns problemas com os samples, mas nada que tirasse poder à rendição de temas como «Madness» e «Ashes». Note-se que a actuação contou com três participações especiais — Fábio, dos The Hills Have Eyes, na «Stay Away»; Lucas, dos Downfall Of Mankind, na «Way Of Retain» e Mafalda, dos Karbonsoul, na «This Is Hell».
A noite ia adiantada (mais de uma hora de atraso em relação à hora a que os W.A.K.O. deveriam ter começado), mas o público ainda persistia, o que também já diz muito do impacto do evento. Como era previsível, a intensidade acabou por aumentarmais um pouco assim que a banda de Nuno Rodrigues subiu ao palco. Apesar da hora tardia, o público também correspondeu ao vendaval que vinha de cima do palco e que, devido a constrangimentos de tempo, ainda se tornou mais intenso. «Drifting Beyond Reality», do segundo álbum de originais, foi um dos pontos mais intensos da actuação que fechou com chave de ouro este Vialonga Fest. Fica para a memória uma quinta edição onde o público compareceu e contribuiu, numa iniciativa onde várias entidades diferentes se juntaram em prol de uma causa comum que, por acaso, até andou à volta da nossa música. Uma iniciativa assim parece mais fácil do que é certamente, mas não é tão difícil quanto a impossibilidade de que nos convencemos (ou nos tentam convencer) muitas vezes. O que só faz com que mais valor se dê à organização e a todos os que se uniram em prol da comunidade local e que chamaram a si fãs de punk e metal de fora. Uma inspiração que, felizmente, não é solitária mas que temos sempre esperança que se espalhe ainda por mais locais do país, para além dos habituais.
FOTOS: Sónia Ferreira