Os TRIPTYKON a prestarem homenagem aos CELTIC FROST, a bujarda dos MIDNIGHT e muito, muito mais. Assim se concluiu mais uma edição do VAGOS METAL FEST.
Com apenas 48 horas de Vagos Metal Fest já seria possível tirar algumas conclusões. O público tinha sido efectivamente menor relativamente a edições anteriores, algo que se notou sobretudo no segundo dia. A oferta musical foi bastante variada, o que talvez possa ter alienado parte dos festivaleiros habituais. No entanto, a organização não ignorou o sinal dado e os primeiros anúncios para a edição de 2024 foram o suficiente para que os bilhetes postos à venda em regime de early bird esgotassem em menos de 24 horas, mesmo tendo sido mantida a aposta na diversidade, com o anúncio dos MÃO MORTA ao lado dos BLING GUARDIAN, SAMAEL e TOXIKULL. Ainda faltava, no entanto, um dia para se concluir a edição de 2023, e para muitos este seria o mais rico dos três.
A derradeira maratona de concertos começou com os algarvios PULL THE TRIGGER que, apesar de não terem muita gente pela frente quando começaram a tocar, não deixaram de empregar bastante energia na sua mistura de hardcore e metal com muito groove característico do nu-metal à mistura. O sol forte castigou sem misericórdia os que fizeram questão de comparecer mais cedo, mas nem isso evitou que se tivessem registado as primeiras movimentações do dia, com circle pits e até uma wall of death. Apesar da garra, foi a segunda vez (depois do sucedido com os GLASYA no dia anterior) que o som falhou por uma quebra de energia no palco Hidromel Lucitanea. Desta vez, aconteceu a meio da «Underestimated», mas, ainda assim, a banda nunca esmoreceu. Breves minutos depois, com a situação resolvida, os músicos lá voltaram à carga, conseguindo minimizar a situação.
Os PRAETOR são um nome relativamente novo na cena e, para quem não os conhecia, esta foi uma boa (e agradável) surpresa. Primeiro, porque Hugo Centeno, o vocalista e guitarrista português da banda luxemburguesa, pisava o palco secundário do VAGOS METAL FEST pela segunda vez, sendo que a primeira foi com os LOST IN PAIN — aquela pose arraçada de James Hetfield é inconfundível. Segundo, porque a prestação da banda foi, comparativamente com algumas das primeiras bandas que tocaram nos dias anteriores, marcante ao ponto de se poder dizer que até faria mais sentido terem actuado no palco principal. O trabalho de estreia homónimo lançado este ano foi o centro das atenções e este é um nome que urge descobrir.
A primeira banda do palco Sublimevilla foram os britânicos URNE, que não tiveram uma viagem tranquila até Vagos. Segundo o vocalista/baixista Joe Nally, as últimas 48 horas tinham sido um pesadelo, com os músicos a ficarem retidos na Eslovénia devido às cheias no centro da Europa, e a sua bagagem a ir parar à Alemanha. Toda a raiva e frustração que tinham acumulada foi despejada ao longo dos quatro temas longos que perfizeram a actuação. Apesar de terem tido alguns problemas técnicos, a sonoridade dentro do sludge e do post metal dinâmico funcionou como uma novidade e foi muito apreciada pelo público. «A Feast Of Sorrow», o segundo álbum de originais, ainda não tinha sido lançado, mas o concerto teve início com dois temas do mesmo, «A Flood Rushing In» e «The Burden», que foram estreia total — até para a própria banda, que os tocou ali pela primeira vez.
Por falar em post metal e sludge, os PROCESS OF GUILT dispensam apresentações. De tal forma que até teria sido mais justo terem trocado de posição com os britânicos que os antecederam. Isto porque, bem vistas as coisas, independentemente das nacionalidades, a banda portuguesa é mestre em despejar o seu peso monolítico como se estivéssemos a testemunhar o proverbial fim do mundo — ponto assente, esse é o ambiente que criam, seja de dia ou de noite. Nesta ocasião, o foco esteve todo no último álbum de originais, o excelente «Slaves Beneath The Sun», e teceu uma teia que hipnotizou o público que fazia headbanging acompanhando os movimentos apocalípticos sonoros que brotavam do PA. Prejudicados por mais uma falha de energia, a segunda do dia, nem isso quebrou o ímpeto que a banda tem em palco.
Da soturnidade para a luz, do desespero para alegria, era hora de voltar ao palco Sublimevilla, desta feita para a festa folk do dia. Embora inicialmente estivesse previsto serem os MIDNIGHT a tocar, um ajuste de ordem logística, colocou neste slot os HEIDEVOLK, neerlandeses que se estreavam em Portugal. Já com mais de duas décadas de carreira (e uma qualidade muito acima da média), não faltava no seu catálogo matéria-prima para a festarola e os músicos visitaram todos os seus álbuns. Apesar disso, foi a novidade «Wederkeer», de Fevereiro deste ano, que teve, compreensivelmente, mais representação na setlist. Com uma boa dose de harmonias vocais muito bem conseguidas numa banda onde quase todos cantam, este foi um dos concertos mais dinâmicos de todo o festival, havendo de tudo um pouco para todos — peso, melodia, melancolia e, claro, muita dança.
Os MONUMENTS regressaram a Portugal após terem “aberto” para os LEPROUS no início do ano e, mais uma vez, provaram a variedade do cartaz desta edição. Com uma sonoridade moderna, que mistura djent e metalcore com influências progressivas, os músicos ainda demoraram um pouco conquistar o público — talvez o atraso de alguns minutos no início da actuação possa ter contribuído para isso –, mas com a dose certa de energia positiva e bom humor, eventualmente acabaram ter o público do seu lado. Apesar de terem sido mais uma das bandas que sofreu nas mãos das companhias aéreas, tendo ficado com os seus instrumentos retidos em parte incerta, o vocalista Andy Cizek estava visivelmente encantado com a recepção e com os constantes crowdsurfs e circle pits.
A anunciar o fim do dia, subiram ao palco os BELPHEGOR, outro dos nomes muito aguardados deste dia 3 e que juntaram muito público em frente ao palco principal. O início foi solene, com um ritualismo que condizia na perfeição com a elaborada decoração do palco — a par dos MEGARA, no dia anterior, uma das mais bem conseguidas de todo o festival. Apesar do imaginário e do corpse paint,os austríacos estão longe de ser uma pura banda de black metal. O death metal sempre foi forte no seu ADN e, se nos anos mais recentes têm assumido cada vez mais o lado black, ao vivo é a força bruta do death que continua a falar mais alto. A novidade «The Devils» esteve em grande destaque, mas no geral foi uma actuação que prendeu o público do início ao fim.
Apesar de já terem estado por cá este ano, na última edição do SWR – Barroselas Metalfest, os norte-americanos IMPERIAL TRIUMPHANT também eram aguardados com ansiedade. E sim, os mais cépticos até poderiam dizer que são uma banda demasiado cerebral para um festival como este, mas os músicos não só deitaram por terra essas teorias como até devem ter conquistado mais alguns fãs graças a uma performance impressionante e fusão de black metal dissonante e jazz a funcionar na medida certa. Aliás, até a forma de estar em palco, completamente endiabrada e cheia de energia, compensou a falta uma óbvia falta de expressividade inerente ao facto de usarem máscaras. O destaque do alinhamento acabou por ser repartido pelos três últimos álbuns de originais e ainda houve tempo para uma breve visita a «Abominamentvm». Parafraseando o poeta, primeiro estranha-se, depois entranha-se por completo.
CELTIC FROST! Perdoem a blasfémia, mas por muito válida que seja a carreira dos TRIPTYKON (e é!), não haviam dúvidas nenhumas de que era o facto do Tom G. Warrior estar ali a revisitar os primórdios (mais crus) da sua carreira que atraiu as atenções de todo o público que se concentrou religiosamente frente ao palco. Muito bem-disposto, o icónico músico suíço foi desfilando os temas e riffs que marcaram toda uma geração de fãs e músicos e, ao seu lado, uma banda bem coesa provou que não há mal nenhum em revisitar o passado. De vez em quando, não há mal nenhum em apostar na nostalgia –e é bem verdade. Com um dos melhores sons de todo o festival, assinaram uma prestação imaculada numa estreia em Portugal a título póstumo. E sim, embora os TRIPTYKON sejam descritos pelo seu estratega como um seguimento natural dos CELTIC FROST, são uma proposta completamente diferente. No entanto, foram o mais próximo que alguma vez vamos estar de uma das bandas mais influentes de sempre no espectro da música extrema.
O festival entrou na recta final com os MIDNIGHT, uma das primeiras bandas a serem anunciadas e uma das últimas a tocarem no festival. Em abono da verdade, a mudança de palcos e horários até jogou a seu favor. O som é mais apropriado para um ambiente nocturno e só fez com que a ansiedade para os ver ao vivo fosse ainda mais palpável. Com Athenar dedicado ao baixo e à voz, a bateria e guitarra ficaram bem entregues, evidenciando uma banda coesa e hábil na arte de dar espectáculo — sobretudo o guitarrista, que adicionou muita animação à actuação com saltos constantes. O alinhamento, curiosamente, não beneficiou a novidade «Let There Be Witchery», sendo que foi a estreia «Satanic Royalty» que reuniu a maioria das atenções. A mistura de black e heavy/speed metal não é nova, mas com uma entrega assim, dificilmente se torna banal. Descontracção, boa disposição, heavy e black metal — quem diria que seria uma combinação tão eficaz?
No momento em que, nos outros dias, começou a after party com os DJs, teve lugar a SERRABULHO Rave Party. A par dos LECKS INC., foram a única banda repetida no cartaz e, embora tenhamos a noção de que o espectáculo tem definido uma ordem já conhecida, houve um esforço consciente para que este fosse mesmo um concerto especial e diferente do que tudo o que a banda já tinha feito. E efectivamente assim foi. Com Jorge Neto (Rato do ‘Balas & Bolinhos’) a dar as introduções e logo com um tema novo a abrir, havia todo um sem fim de participações e momentos especiais pela frente. Desde Alda Casqueira a reinterpretar a canção que mais furor fez na pandemia, «O Gato Pompom», até à novidade «Cripple Bitch», que contou com a participação de Carlos Guimarães, houve de tudo um pouco. Em suma, foi o final perfeito para uma edição do Vagos Metal Fest que, apesar de todas as polémicas e de uma série de problemas técnicos, acabou por ser bem superior às expectativas.
Fotos por Sónia Ferreira