Após dois anos de um longo e penoso interregno, 2022 marca o regresso da já apelidada por muitos como “Meca” do panorama de peso nacional, cada vez mais com projeção internacional. Com um espaço mais organizado, com uma maior atenção aos pormenores e com uma evolução notória edição após edição – mas, convenhamos, o sistema de pulseiras anunciado em cima da hora foi um valente tiro no pé – o VAGOS METAL FEST volta a assentar arraiais na Quinta do Ega, em Vagos, atraindo a si uma vasta legião de clientes habituais, de novos seguidores, de meros curiosos sedentos de música ao vivo e de fãs que se deslocam à vila nas proximidades de Aveiro para assistir ao concerto da sua banda de eleição. Nesse particular, louve-se o facto dos EMPEROR terem permanecido no alinhamento inicialmente anunciado em 2020, a par de outros nomes de maior ou menor relevância, e contrastando com outros que, entretanto, foram ficando pelo caminho, após sucessivos cancelamentos. MY DYING BRIDE e SACRED REICH foram as baixas de maior relevo, prontamente substituídos pelos portugueses DESIRE e pelas multinacionais CRYPTA, embora longe de colmatarem o vazio deixado.
Verdade seja dita, contam os que lá estão e, no arranque da edição de 2022, merece destaque o primeiro nome do forte contingente português a subir ao palco, com os LYFORDEATH a apresentarem a sua mistura de influências que vão do thrash ao death metal mais melódico e progressivo, numa prestação curta mas competente. Outro contingente com presença crescente em Vagos é o espanhol, piscando o olho a cada vez mais público que chega do outro lado da fronteira. Desde Granada, os SOLAR apresentaram o seu rock simples, directo, alternativo e musculado, bem ao estilo de uns Audioslave ou Incubus, servindo de agradável banda-sonora a um público que ia chegando de forma paulatina, própria de um dia e de um horário que ainda era de trabalho para muitos. Constituindo uma das surpresas do dia, os noruegueses UBUREN, promissora banda com três álbuns editados, apresentaram-se senhores de uma sonoridade algures entre o black e o viking metal e próxima do trabalho de uns Thyrfing ou Blodhemn, tendo assinado uma prestação que elevou os níveis qualitativos para outro patamar e que, garantidamente, captou e granjeou a atenção de novos seguidores, pese embora tenha sabido a pouco. No palco Amazing, com o sol ainda bem alto, mas com a plateia mais composta, os nacionais BØW destilaram pouco mais de 30 minutos de um punk hardcore inspirado, injectado de raiva e verdadeiramente cativante, tendo agitado as águas e aquecido as hostes para os franceses BETRAYING THE MARTYRS que, logo a seguir, subiram ao palco principal. Com o português Rui Martins a assumir recentemente a voz e a face da banda de forma bastante consistente e confiante, foi deveras impressionante assistir à força contagiante com que o deathcore que praticam, injectado de melodia e de alguns apontamentos mais sinfónicos, acaba por cativar a atenção mesmo daqueles que torcem o nariz a um género antagónico ao de outros nomes que marcavam o dia. Indiferentes a isso, e com uma legião de fiéis seguidores a apoiá-la, a banda francesa foi passando por vários momentos de uma carreira à beira de completar quinze anos e sublinhou com convicção a diversidade estilística pela qual se pauta este festival.
Contando já com um recinto surpreendentemente bem composto para um primeiro dia, os portugueses THE OMINOUS CIRCLE fizeram cair o manto negro sob Vagos, com uma actuação centrada no único álbum da banda portuense, «Appalling Ascension», um verdadeiro compêndio de death metal sufocante, intríncado e putridamente negro, a contrastar diametralmente com um final de dia solarengo. Prestação segura e avassaladora, que, não sendo para todos, encheu certamente as medidas aos festivaleiros que procuram sonoridades mais exigentes e sacou um dos melhores sons do dia no palco secundário. Passando para o palco principal, o contraste dificilmente poderia ser maior, ao sermos brindados com o tom festivo, espalhafatoso e completamente esquizofrénico dos noruegueses TROLLFEST. A parafernália em palco impressiona, quer pelo excesso, quer pelo inusitado do que por lá se encontra, entre flamingos, perucas, muito cor-de-rosa e tudo e mais alguma coisa que remeta para festa – e, literalmente, palhaçada. Musicalmente a coisa segue na mesma linha e um concerto desta gente é isso mesmo: festa, diversão, rebaldaria e algo para ser levado pouco a sério. Entretenimento para animar as hostes, ao qual não faltou uma cover de Britney Spears e humor mais ou menos refinado, havendo pouco mais a assinalar de relevante de uma prestação diferente, que acabou por servir de hora de jantar para muito boa gente. Voltando ao negrume e com a noite a dominar, os norte americanos CATTLE DECAPTITATION eram um dos nomes que maior curiosidade e expectativa despertavam no cardápio para o dia 28 e, porventura, em todo o cartaz desta edição. E não foram precisos mais que cinco minutos para percebermos que poderíamos estar perante uma das mais demolidoras e fustigantes prestações que alguma vez assistimos em Vagos, não fosse o som embrulhado e um concerto assombrado por problemas técnicos borrar ligeiramente a pintura. Com mais de vinte anos de carreira e sete álbuns na bagagem, e com o mais recente «Death Atlas» a merecer destaque, a banda liderada por um possuído Travis Ryan cilindrou autenticamente uma plateia perplexa perante a explosiva fusão entre grindcore, death metal, black metal, sludge e tudo o que lhes venha à ideia que debitava das colunas com uma intensidade que estremeceu o chão da Quinta do Ega e que não terá deixado ninguém indiferente.
O ambiente estava propício para dar as boas-vindas a um dos nomes maiores da edição de 2022 e a um dos nomes maiores da cena norueguesa, nomeadamente no que ao black metal sinfónico diz respeito. Com uma longa, respeitosa e influente carreira, aos DIMMU BORGIR foi-se colando, principalmente no período pós «In Sorte Diaboli», editado em 2007, um certo desdém e descrédito relativamente ao puritanismo da abordagem que fazem ao black metal, seja lá o que isso significa. Mas o que ninguém pode negar é a notável influência que a banda deixou em toda uma geração de músicos e bandas, pela forma opulenta com que soube tornar a música extrema apelativa a ouvidos menos treinados. Pelo caminho foram assinando discos incontornáveis, com «For All Tid», «Stormblast» e «Enthrone Darkness Triumphant» a marcarem uma fase inicial e «Spiritual Black Dimensions», «Puritanical Euphoric Misanthropia» ou «Death Cult Armaggedon» a representarem o período de maior sucesso e relevância da banda. Com um fundo de catálogo extenso e de enorme qualidade, qualquer actuação do colectivo pecará sempre por curta, por ficar aquém do esperado, por deixar sempre a sensação de que faltou alguma coisa. No entanto, na quase hora e meia em que pisaram o palco de Vagos fizeram-no com a classe que se esperava e interpretaram com mestria e clarividência temas retirados de várias fases da sua carreira, com as mais antigas «Puritania», «Vredesbyrd», «The Insight And The Catharsis», «Progenies Of The Great Apocalypse» e a incontornável «Mourning Palace» a arrancarem as reacções mais entusiastas, numa verdadeira viagem saudosista para os muitos trintões e quarentões que por ali andavam.
Já a música brotava das colunas em Vagos quando foi anunciado – mais um! – cancelamento, desta feita dos espanhóis SAUROM que teriam o papel de encerrar o primeiro dia de festival. A solução foi pronta e eficazmente encontrada, com os portuenses HOLOCAUSTO CANIBAL – que partilham elementos com os THE OMINOUS CIRCLE – a subirem ao palco Amazing e, sem grande preparação prévia ou qualquer tipo de artefacto, próprio de quem foi apanhado desprevenido, debitaram o seu brutal death metal com a intensidade e o profissionalismo que lhes é reconhecido, acabando por encaixar de uma forma mais natural no encerramento de um dia que teve na negritude majestosa dos DIMMU BORGIR o domínio das atenções. O frio da noite, o cansaço do primeiro dia e a poupança de energias para os dois que ainda faltam fez com que muitos tivessem abandonado o recinto assim que a banda norueguesa fez cair o pano, deixando, no entanto, uma moldura humana considerável exposta à abrupta trucidação a cargo de Zé Pedro e companhia.