O objectivo desta nova rubrica é falar do que de melhor se vai passando no underground dos Países Baixos, aquela terra basicamente debaixo de água que também é conhecida pelo nome de duas das suas províncias. Para abrir, damos sequência a algo que surgiu na entrevista a Gnaw Their Tongues na LOUD! de Abril. Mais concretamente, nessa conversa o Mories contou-nos que está a preparar uma colaboração com Willie Darktrousers. Se não é nome que vos diga grande coisa, espreitem a malha ali em baixo e pensem no que vai acontecer quando os horrores de Gnaw Their Tongues forem ao encontro do auto-tune do Darktrousers.
Com esta ímpia união ainda em fase embrionária, este primeiro Under The Sea versa então sobre dois discos deste ano que resultam de colaborações entre artistas neerlandeses, uma na sua vertente mais conservadora, o split, e outra com dois artistas a comporem juntos.
Throw Me In The Crater & Witches Brew
«Throw Me In the Crater / Witches Brew»
[Vleesklak / Grindfather]
Dado que de certa forma o país se ergueu de um pântano à custa da engenharia humana, nada como começar por um lançamento que junta dois nomes do mais pantanoso género de música extrema, o sludge. Lançado no final de Março, este split marca o regresso dos Throw Me In The Crater e um surpreendente passo na evolução dos Witches Brew.
No lado A, temos «Volcanic Winter», dez minutos que mais parecem uma eternidade de sludge obcecado por erupções vulcânicas. Sobre esse ponto, convém referir que os Throw Me In The Crater incluem malta de Tilburg e foram formados depois das erupções islandesas de 2010 terem deixado uma marca indelével na edição desse ano do Roadburn. Mais, referem-se aos concertos como erupções da mesma forma que bandas de black metal usam o termo ritual, e incluíram sacos com cinzas do Eyjafjallajökull na edição física do EP de 2016. Esta obsessão é reflectida na nova malha para lá do nome da mesma, com a inclusão de um sample em que, sobre a erupção não explosiva dos ditos vulcões vermelhos se diz que “it’s damn destructive in its own way, but slow, very slow,” uma caracterização perfeita da música em questão. Dito isto, trata-se de um tema que foi gravado em 2015 na mesma sessão que originou o EP a que aludimos acima e o split com os belgas Prisoner 639, pelo que não nos permite tirar grandes conclusões sobre o actual estado da banda em termos criativos.
Já o lado de Witches Brew condensa cinco malhas em exactamente dez minutos e foi gravado em Outubro do ano passado, pelo que esse sim, nos permite tirar umas conclusões. Contextualizemo-las: formados em 2010 a partir das cinzas dos President Evil, durante os primeiros anos de carreira, os Witches Brew foram lentamente incluindo sludge no powerviolence encharcado em feedback do primeiro lançamento (outro split que envolveu os Prisoner 639). O EP «Red Gravy», lançado em 2015, é exemplo disso mesmo, alternando o powerviolence de uma «Mooncup» com o sludge porco de «Weedy Sweat». No entanto, quando os vimos actuar no Bloodshed do ano passado, notámos a presença de temas inéditos com clara influência de black metal naquele registo meio punk que os Bone Awl tão bem fazem. Estes cinco temas, gravados pouco depois do festival, afastam-se do powerviolence e têm uma boa quantidade de blastbeats particularmente feios, mas o black metal pelo qual enveredam tem sobretudo traços da vertente mais primitiva de um «Drawing Down The Moon» do que de outra coisa qualquer. Destaquemos então a «Embers Of Satin», que consegue começar num andamento perto do sludge, entrar numa toada de black/death e descambar num d-beat vicioso no espaço de dois minutos, e a «Circle Of Vengeance» pela deliciosa inclusão de berimbau de boca no meio desta violência toda.
DNMF
«Smelter»
[Tartarus / Moving Furniture]
DNMF é o nome da junção entre os Dead Neanderthals, duo de free jazz proveniente de Nijmegen, e Machinefabriek, pseudónimo do compositor Rutger Zuydervelt, cujo reportório incide maioritariamente no drone, neo classic, ambient, e electronic. Descansem se estes géneros vos sugerem música pouco pesada, que o «Smelter» é o tipo de peso monolítico que faria os Conan corar de inveja. Constituído por um único tema de quase 40 minutos, «Smelter» abre com uma ominosa secção de saxofone e maquinaria sobre a qual René Aquarius, baterista dos Dead Neanderthals, nos martela os tímpanos com o tipo de percussão que se espera de um álbum de doom cavernoso. Tal facilidade em passar de uma base free jazz para um registo francamente pesado é aliás paradigmática na carreira dos Dead Neanderthals, sendo uma boa razão para se terem tornado os porta-estandarte da new wave of heavy dutch jazz e terem no currículo presenças em festivais como Roadburn e Incubate, bem como concertos com bandas como Shining (noruegueses), Author & Punisher, e Orthodox. No entanto, «Smelter» não nos enche a cabeça de cacetada do princípio ao fim (para isso temos, por exemplo, este concerto). Pouco depois da marca dos vinte minutos, a bateria dissolve-se na barulheira acabada de atingir o clímax e até ao fim assistimos imponentemente a um lento e belíssimo desconstruir da parede de som acabada de erigir. Pode não ser o melhor lançamento para fãs do habitual frenesim dos Dead Neanderthals, mas é precisamente pelo alcance composicional revelado que é tão relevante, ainda por cima numa altura da carreira do duo em que acabaram de lançar o primeiro trabalho totalmente electrónico, o «Life».
Outras sugestões
Dead Neanderthals
«Endless Voids» (2015)
[Alone]
Colaboração especial ao vivo no Incubate entre Dead Neanderthals, Rutger Zuydervelt, Thomas Ekelund (Trepaneringsritualen), Dirk Serries, Colin Webster (Sex Swing), Peter Johan Nÿland, e Steven Vinkenoog.
DNMF
«DNMF» (2014)
[Moving Furniture]
Primeiro colaboração entre Dead Neanderthals e Machinefabriek, ainda com uma sonoridade mais próxima de uma sobreposição de ambos os artistas do que em «Smelter».
Witches Brew
«Reefer II» (2016)
[Edição de Autor]
Segundo EP da série «Reefer», dos Witches Brew, em que trocam a guitarra pelo baixo e enfiam dez malhas em cinco minutos, com referências non-stop a erva e uma candidata a cover mais interessante de sempre de Black Sabbath a fechar os procedimentos.
Throw Me In The Crater
«Throw Me In The Crater» (2013)
[Edição de Autor]
A primeira demo dos Throw Me In The Crater fez recentemente cinco anos e continua um interessantíssimo exercício em peso sujo e abjecto.