O regresso do UM METALEIRO TAMBÉM CHORA — até parece o título de um filme de potencial dramático sobre a difícil vida de um fã que aprecia música (e um estilo de vida) menosprezado pela generalidade. De certa forma, não está muito longe da verdade. Com a primeira edição em 2019, antes de “vocês-sabem-bem-o-quê”, a ter sido uma boa surpresa no panorama pesado nacional de eventos, a segunda edição antecipava-se épica sendo ampliada a dois dias. Depois veio “vocês-sabem-bem-o-quê” e tudo parou. Os festivais, os concertos e, dramatizando, grande parte da cena musical. Três anos depois dessa primeira edição, assistimos finalmente ao regresso do evento. Não em dois dias, mas num, apenas mantendo praticamente o cartaz do segundo dia de 2020, com mais uma banda que anteriormente, totalizando oito. Como num filme de terror, o vilão está longe de morrer facilmente. O que neste caso fez com que os MOONSHADE tivessem de cancelar a sua participação, ficando prometido pela organização que estariam presentes na próxima edição.
O festival teve seu o pontapé de saída com os CARNE PA CANHÃO, a tal banda que foi adicionada ao cartaz. Os músicos começaram a tocar um pouco mais tarde do que o previsto devido à tal desistência dos MOONSHADE, assinando um concerto que marcou também o regresso da banda portuguesa aos palcos. Punk rock/hardcore à boa maneira portuguesa que surpreendeu pela acutilante mensagem, assim como pela teatralidade por parte do vocalista Umbra, para quem cada tema era motivo para a utilização de um acessório novo. O mais recente álbum, «Síndrome de Revolta», de 2019, foi praticamente tocado na íntegra, mas ainda houve tempo para algumas incursões pela estreia homónima de 2015. O metaleiro não tinha razões para chorar em relação à variedade nem à qualidade, algo que os NIHILITY trataram de assegurar. A banda portuense já nos tem habituado a concertos demolidores (a mais recente prova foi a estreia em Lisboa), pelo que não esperaríamos menos do que isso. Apesar do som inicialmente estar mais alto do que seria recomendável para se perceberem os muitos pormenores da sua música, a brutalidade habituou os ouvidos de forma a que «Organic Fallacies» e «Destroy the Shackles of Prejudice» fossem recebidos de braços abertos pelo público. Tal como no referido concerto no RCA Club, a banda apresentou-se em formato quarteto já que o Afonso Gomes ainda se encontra na Irlanda a finalizar um estágio, conforme foi comunicado à plateia pelo frontman Mário Ferreira. Reforçaram a nossa opinião de que são uma das mais temíveis bandas da música extrema nacional e arredores.
Da zona do Porto vieram também os BIOLENCE que, apesar de um soundcheck moroso, não se livraram de ter alguns problemas técnicos, que além de atrasarem a programação, também quebraram o ritmo de um público apático nos primeiros temas — e bombas como «Devoured» e «Global Domination» bem que obrigam sempre a headbanging furioso. Nada que desmoralizasse a experiente banda, que conseguiu acabar por cativar pela persistência o pessoal que, na segunda metade do concerto, despertou e fez a festa. De assinalar a participação meio improvisada (ou assim nos pareceu) do primeiro vocalista Pedro no tema «Merda». Igualmente do Porto chegaram os EQUALEFT, que são sempre garantia tanto de peso como de groove metálico. Primeira coisa a assinalar, som fortíssimo e bem definido. Segunda coisa e bem mais óbvia, esta banda arrasa ao vivo e muito disso se deve à presença de palco e a um frontman como Miguel Inglês. Alternando entre o álbum de estreia e o mais recente «We Defy», motivos para circle pits não faltaram mas ainda assim, e não satisfeitos, os músicos saltaram para o meio do público para fazer uma “roda” de proporções épicas, ficando no palco apenas Gaspar Ribeiro na bateria, por razões óbvias. Pelo meio, assinaram rendições demolidoras de «We Defy», «Maniac» e «Overcoming».
A fechar o contingente do norte de Portugal, subiram ao palco os REVOLUTION WITHIN, de Santa Maria da Feira, mestres do thrash bruto e que também tiveram direito a um excelente som. O público esteve entusiasmado desde o primeiro momento e a banda alimentou-se dessa energia, não deixando Raça de assinalar o facto, agradecendo a sua recepção nesta primeira visita ao UM METALEIRO TAMBÉM CHORA. O destaque óbvio ao último trabalho, «Chaos», seria esperado assim como a visita a temas mais antigos como «Pure Hate», que foi motivo para uma wall of death que aumentou ainda mais a fasquia de um concerto que já tínhamos categorizado como alucinante e intenso. Claro que intensidade também é um adjectivo que assenta muito bem para descrever os SACRED SIN. Depois de terem estado no Barreiro no dia anterior com os Alpha Warhead e Rage And Fire, a máquina de debulhar brita sónica veio espalhar o seu charme ao Parque Natural de Roda Moinas, onde tivemos clássicos do passado assim como do futuro (sim, «Storms Over The Dying World», estamos a olhar directamente para ti). O alinhamento esteve bastante próximo do que ouvimos da banda no Massacre Metal Fest, onde passado e o presente se misturaram da melhor forma. Começaram com «In The Veins Of The Rotting Flesh», do clássico «Darkside» — cujo tema-título também nunca falha — e intercalaram com «Born Suffer Die», tema-título do mais recente EP. A hora já ia adiantada e notou-se claramente que os níveis energéticos já eram inferiores, mas ainda assim isso nada disso que a mais clássica banda de death metal nacional fosse apreciada por todos.
Por falar em adiantado da hora, os MORDAÇA foram talvez os maiores prejudicados pelos atrasos acumulados, visto que, quando subiram ao palco, já a plateia estava mais despida. Nada que fizesse esmorecer o habitual hardcore de Linda-a-Velha. Sempre com uma mensagem forte e música igualmente acutilante, os resistentes foram brindados com «O Pior Ainda Está Para Vir», «Vives Entre Nós» (dedicada a Sérgio Curto “Bifes” e a todos os que partiram), «Tiro P’la Culatra» (o primeiro tema composto pela banda e também o primeiro vídeo) e «Perfeita Palhaçada» (música nova que fará parte do próximo álbum de originais). Palavras de ordem, agradecimentos ao público por manter o underground vivo e, no final, o sentimento de que, mais do que serem palavras que ficam bem dizer em cima do palco, fazem cada vez mais sentido. O nosso underground poderá não ter a dimensão que tem noutros países e que até pode ser desprezado de forma geral por público e instituições, mas felizmente existem excepções como o UM METALEIRO TAMBÉM CHORA FEST a provar que isto de correr por gosto cansa, mas a recompensa continua a fazer com se queira voltar para mais. Assim esperemos que seja.