IRONMAIDEN

Como Tom G. Warrior recusa a nostalgia, honra a perda e reinventa a sua arte a partir das cinzas. Os TRIPTYKON são uma das principais atracções do primeiro dia da edição de 2025 do EVILLIVƎ FESTIVAL.

A história dos CELTIC FROST é, por si só, um capítulo central do metal extremo europeu. Mas a história que se seguiu ao fim da banda é talvez ainda mais fascinante — porque nela se entrelaçam perda, ética, tragédia e reinvenção artística. No centro desse enredo está Tom G. Warrior, uma figura incontornável do underground, cuja relação com o passado nunca foi pacífica. Com os TRIPTYKON, banda formada após o colapso dos CELTIC FROST em 2008 e que será uma das grandes atracções do cartaz deste ano do EVILLIVƎ FESTIVAL, Warrior criou algo que é mais do que uma continuação: é um ritual de transfiguração e fidelidade.

Desde os primeiros concertos, tornou-se claro que os TRIPTYKON não seriam uma banda completamente nova, mas também não seriam apenas uma cópia do que existiu. Não se tratava de uma reunião informal, nem de uma simples homenagem. Havia algo mais profundo em jogo — uma tentativa de reconciliar os fragmentos de uma história interrompida, sem trair os seus princípios. E isso passava, inevitavelmente, por tocar ao vivo temas clássicos dos CELTIC FROST.

Para Tom G. Warrior, as canções compostas com Martin Eric Ain — de que são exemplo clássicos como «Procreation (Of The Wicked)», «Circle Of The Tyrants» ou «Dethroned Emperor» — são inseparáveis da sua identidade. Ao contrário de muitos músicos que optam por deixar para trás as suas obras antigas, Warrior insiste que essas composições são parte integral de si. “Se eu ignorasse essas músicas, estaria a apagar uma parte essencial da minha vida“, afirmou numa entrevista recente. Mas não se trata de um gesto de nostalgia. Trata-se, antes, de um acto de resistência contra o esquecimento.

A morte de Martin Eric Ain, em 2017, marcou de forma irreversível esta ligação. A possibilidade de uma reunião “real” dos CELTIC FROST morreu com ele. E, com isso, o peso de preservar esse legado recaiu exclusivamente sobre Warrior. Nas suas palavras: “Sem o Martin, não há Celtic Frost. Mas as músicas merecem ser tocadas com dignidade. Eu prefiro fazê-lo com os Triptykon do que ver isso ser desvirtuado por outros.

Esta posição não é teórica. É sentida — e vivida. Quem assiste a um espectáculo dos TRIPTYKON em que estas canções são tocadas reconhece o tom grave, cerimonial, quase fúnebre, com que são apresentadas. Não há espaço para celebrações baratas nem para encores simplistas. O palco torna-se um altar onde se homenageia o que se perdeu — e onde se afirma que o espírito, mesmo mutilado, pode ser evocado.

Ainda assim, dizer que os TRIPTYKON são os herdeiros dos CELTIC FROST seria tanto uma verdade como uma simplificação. Sim, há uma continuidade estética e conceptual inegável, especialmente da fase final, com o muito aplaudido «Monotheist», de 2006. No entanto, os TRIPTYKON acabam por ser também um novo veículo, uma nova linguagem, forjada a partir da desilusão e da maturidade artística. Álbuns como «Eparistera Daimones» e «Melana Chasmata», de 2020 e 2014, respectivamente, empurram os limites da escuridão emocional e do experimentalismo, fundindo doom, black metal, avant-garde e um sentido de tragédia quase litúrgico.

Esta banda não é uma réplica. É uma continuação daquilo que ainda fazia sentido continuar“, explica o Sr. Warrior, nascido Thomas Gabriel Fischer. Com os TRIPTYKON, a agressividade primitiva dos primeiros tempos dá lugar a uma meditação pesada e lenta sobre o sofrimento, o tempo e o abismo interior. A música torna-se veículo para um diálogo íntimo com a dor — tanto pessoal como histórica.

Importa também dizer que os músicos que acompanham Warrior nos TRIPTYKON — como é o caso de V. Santura — não estão lá para “imitar” ninguém, mas para contribuir com a sua própria sensibilidade. Feita a matemática, o respeito pelo material antigo é total, mas há uma apropriação colectiva, não um pastiche. E sim, isso faz toda a diferença: em vez de tentar reviverem algo que já morreu, os TRIPTYKON oferecem uma forma de continuação digna.

No metal, onde tantas vezes se glorifica o regresso de bandas clássicas sem qualquer critério para além da popularidade, a posição de Tom Warrior é singular. Ao rejeitar uma reunião oficial dos CELTIC FROST, mesmo com promessas tentadoras, o músico posiciona-se numa ética clara: há coisas que não se devem repetir, porque deixaram de ter legitimidade. “É fácil ceder à tentação do dinheiro ou da fama, mas eu prefiro respeitar os mortos e a verdade da minha própria história“, declara ele.

Esta integridade é rara. Num panorama saturado de reuniões artificiais, tours comemorativas e quilos e quilos de merchandising vazio, Warrior escolhe o caminho mais difícil, tentando honrar o passado sem o mercantilizar. É precisamente por isso que os concertos dos TRIPTYKON, mesmo quanto 100% dedicados ao repertório dos CELTIC FROST, têm tanto impacto. Não são apenas viagens nostálgicas, mas rituais de aceitação, dor e afirmação. São testemunhos de que uma herança artística pode ser cuidada com rigor, sem se tornar numa caricatura.

Mesmo que o nome mude, a visão persiste. E, como diz o influente músico suíço: “A arte verdadeira não morre. Pode mudar de corpo, mas continua a falar — se houver alguém disposto a escutar.” Os bilhetes para o EVILLIVƎ FESTIVAL continuam disponíveis em evillive.rocks, com o passe geral de três dias à venda por 169€ e o passe de dois dias (28 e 29 de junho) por 139€. Os portões abrem a 27 de Junho, marcando o início de três dias que prometem ficar para sempre gravados na memória colectiva dos fãs de metal em Portugal.