Dois anos sem TREVOR SCOTT STRNAD. Num mundo de rostos toldados, esgares de esforço e poucos sorrisos, o vocalista dos THE BLACK DAHLIA MURDER trazia alegria e bom humor aos palcos, enquanto demonstrava a cada oportunidade uma profunda paixão pela música extrema.
Era um personagem lebowskiano com uma enorme paixão pela música, e em particular pelo underground, como atesta o curto comunicado divulgado ontem pelos seus companheiros de grupo. Nascido a 3 de Maio de 1981, em Waterford, no Michigan, Trevor Scott Strnad encontrou nos THE BLACK DAHLIA MURDER a sua banda de sempre. Junto com o guitarrista Brian Eschbach, fundou e geriu o projecto ao longo de 21 anos de existência, durante os quais gravaram nove álbuns de estúdio.
Inicialmente associados à vaga do metalcore que à época surgia, os jovens músicos norte-americanos rapidamente se assumiram como estando no campo do death metal, e neste, não só foram inovadores, como um dos nomes maiores do género neste século do lado norte-americano. Estreando-se na Metal Blade, a sua editora de sempre, com «Unhallowed», em 2003, conseguiram uma primeira entrada nas tabelas norte-americanas logo ao segundo longa-duração, «Miasma», de 2005.
Desde aí, os seus discos foram sempre relevantes em termos de vendas. «Everblack», de 2013, e «Nightbringers», de 2017, foram os mais bem-sucedidos. Não se podendo afirmar existir um disco menos bom, foram, no entanto, os primeiros quatro álbuns que realmente criaram a sua base de fãs. Se hoje se fala de old school death metal, esse revivalismo surgiu exactamente porque nomes como os THE BLACK DAHLIA MURDER trouxeram uma injecção de criatividade a um estilo que, no final dos anos 90, estava a definhar.
E foi graças a eles (e, sobretudo, graças a Trevor Strnad) que uma nova vaga se implantou, em particular do outro lado do Atlântico. A exigência do género e do rigoroso esquema de trabalho do grupo levou a inúmeras mudanças de formação, com mais de dez músicos a passarem pelas seus fileiras, com uma maior estabilidade atingida a partir de 2012.
A 11 de Maio de 2022, o universo da música pesada foi abalado pela notícia da morte do músico, avançada pelo próprio grupo de Detroit num pequeno comunicado: “É com grande tristeza que anunciamos a morte de Trevor Scott Strnad. Amado filho, irmão e companheiro de bons momentos, ele foi amado por todos que o conheceram. Uma enciclopédia musical andante, sobre todos os aspectos musicais. Ele abraçava, escrevia e era m verdadeiro entertainer. As suas letras forneceram ao mundo histórias e feitiços, de terror e caprichos. Viver a sua vida para ser o vosso espectáculo”.
Brandon Ellis, um dos guitarristas do grupo, também deixou uma mensagem pessoal, intitulando-o “Irmão. Melhor amigo”. O músico fez também notar que Trevor Strnad era “uma das mais engraçadas e divertidas pessoas à face da terra”, classificando-o como o centro da festa no dia-a-dia dos THE BLACK DAHLIA MURDER. O colega de banda durante mais de seis anos, não se esqueceu de recordar ainda as suas capacidades como letrista ou a forma como mudou a própria vida de Brandon.
Para lá da sua banda, a marca de Trevor Strnad espalhou-se também por mais de três dezenas de participações em temas de outros, sendo convidado para colaborar com nomes tão distintos como CANNIBAL CORPSE. HATESPHERE, LIGHT THIS CITY, BROKEN HOPE, BENIGHTED ou ABORTED. Estes últimos, num verdadeiro sinal da crescente popularidade do cantor, tinham dado recentemente os parabéns ao cantor a propósito do seu último aniversário, recordando a sua colaboração no tema «Vermicular, Obscene, Obese».
Sem que tenha sido revelada a causa de morte de Trevor Strnad, o comunicado dos seus companheiros de banda terminava com o número de telefone de uma linha de apoio a suicidas, o que permite fazer uma leitura do seu trágico desaparecimento. Como é cada vez mais habitual nestes casos, um claro contraste com o personagem dinâmico e sempre sorridente que todos conheciam. Na realidade, o músico tinha já efectuado tentativas de tratar um problema de depressão, e enfrentava problemas de alcoolismo.
Numa entrevista à Metal Injection referia-se ao seu problema, bem como à chegada aos 40 anos e como necessitava de mudar um hábito que já não o deixava feliz. Mais recentemente, em finais de 2021, abordou nas redes sociais a dificuldade que estava a passar na tentativa de superar a morte da sua mãe, ocorrida semanas umas antes.
Nas muitas declarações de choque e estupefacção que percorreram as redes sociais, não são as habituais referências de circunstância que marcam o momento, mas a forma como muitos nomes menores, ou menos reconhecidos, se referem a Trevor Strnad e têm algo para contar. Sejam fotos a partilhar o palco com o músico, como no caso dos BENIGHTED, sejam uns BASEMENT TORTURE KILLINGS a recordarem como o facto de Trevor ter partilhado um vídeo-clip seu nas redes sociais catapultou imenso o visionamento do mesmo.
Além do músico, havia o fã, reconhecido por todos, não só apreciador de death metal, como conhecedor profundo do género e de inúmeras bandas. É por isso que não espanta ver veteranos como os BROKEN HOPE a elogiarem Trevor como se este fosse mais velho e uma influência primordial, quando era na verdade o contrário. Já os 3 INCHES OF BLOOD, um dos primeiros grupos envolvidos com os THE BLACK DAHLIA MURDER numa digressão de grande escala, preferiram lembrar a apreciação do músico por Phil Anselmo.
Por cá, muitos foram também os grupos que apresentaram condolências no post inicial do óbito – THE VOYNICH CODE, DESTROYERS OF ALL e ANALEPSY, por exemplo, foram apenas alguns deles. Estes últimos, prestaram mesmo uma homenagem ao músico nas suas redes sociais ao músico, que – na última passagem por Portugal; no SWR, em Barroselas, corria o ano de 2019 – fez questão de vestir uma t-shirt do grupo em palco.
Numa declaração exclusiva para a LOUD!, o guitarrista Marco Martins referiu mesmo que “ele sempre nos apoiou, mesmo desde o inicio. Principalmente quando saiu o primeiro álbum”. Também Sérgio Batista, actualmente vocalista dos SEPULCROS, usou as redes sociais para lembrar que, há onze anos atrás, actuando no mesmo cartaz que os THE BLACK DAHLIA MURDER, Trevor, no final da actuação dos BLACK SUNRISE, lhe deu os parabéns pela performance e lhe ofereceu Jagermeister, partindo ambos para uma conversa sobre filmes de terror e música portuguesa, com o malogrado norte-americano a mostrar os seus conhecimentos enciclopédicos, referindo nomes como GROG e THORMENTOR.
A morte de Trevor Scott Strnad deixa um vazio pelo que foi, mas sobretudo pelo muito que ainda poderia vir a ser.