Naquele que foi o primeiro concerto de apresentação de «Under The Southern Light», os TOXIKULL cumpriram o que prometeram numa noite em que a paixão pelo som eterno foi, efectivamente, celebrada em grande estilo.
Desde a sua “entrada em cena”, o rock passou por inúmeras transformações. A popularidade deu origem a inúmeros subgéneros, incluindo o heavy metal e todos os seus derivados, com bandas como os LED ZEPPELIN, BLACK SABBATH, IRON MAIDEN ou JUDAS PRIEST a serem lembradas com carinho como pioneiras que trouxeram ao género o seu merecido reconhecimento. A dada altura, o rock foi mesmo o género musical mais popular de todos, mas desde então deixou de provocar nas massas o apelo gerado no apogeu.
Depois, as mudanças drásticas ocorridas na indústria musical com a chegada da era digital fizeram com que o rock’n’roll, em geral, e o heavy metal, em particular, fossem deixados de lado em favor da pop, do hip-hip, do r’n’b e da EDM. Talvez por isso, as manchetes das revistas de música mainstream andam, há décadas a proclamar a morte do rock, mas isso não poderia estar mais longe da verdade.
Noites como a da passada sexta-feira, 1 de Março, em que RCA Club registou lotação esgotada para assistir ao concerto de apresentação do mais recente álbum dos nacionais TOXIKULL, provam que o rock pesado e o heavy metal continuam a prosperar fora da vista dos grandes meios de comunicação, apoiado e reverenciado por todos aqueles que estão cansados da forragem sem alma produzida por uma indústria cada vez mais em vias de extinção.
E sim, é verdade que a cultura do rock mudou dramaticamente desde a ascensão das redes sociais, mas, observando uma plateia maioritariamente jovem, torna-se claro que isso é uma prova da evolução do género e não do seu declínio.
Desde que se juntaram, os TOXIKULL têm construído paulatinamente a sua carreira de uma forma muitíssimo inteligente. Encarnando ferozmente o espírito DIY, têm subido a pulso, têm dado todos os passos certos, nunca maiores que as suas pernas, e, resultado disso, podemos hoje descrevê-los como uma das mais sólidas e bem conseguidas propostas saídas do espectro mais tradicional do underground luso. No pós-pandemia, fizeram-se à estrada e construíram uma reputação ainda mais sólida que antes, espelhada de forma sublime no mais recente «Under The Southern Light», o seu terceiro registo de longa-duração, que chegou aos escaparates no passado dia 23 de Fevereiro.
Sendo que o disco denota uma transformação no som dos TOXIKULL, a curiosidade para perceber como os novos temas funcionariam ao vivo era enorme, mas antes dos cabeças-de-cartaz, a plateia do RCA Club foi presenteada com duas actuações exemplares. Com as honras de abertura da noite a cargo dos ALPHA WARHEAD, a sala de Alvalade foi fustigada por um furacão de speed/thrash à antiga como, de resto, faziam antever os dois bonecos com fatos e máscaras de proteção nuclear presentes em palco.
Com um som que remete para os primeiros discos dos MEGADETH se o bom do Dave Mustaine e companhia tivessem crescido a ouvir discos de crossover, o quarteto da Margem Sul apoiou-se na poderosa sinergia entre os seus elementos e nos temas do álbum de estreia «Code Red» para assinar um concerto tecnicamente irrepreensível e carregado de uma energia muito jovial, que motivou muita cantoria em uníssono e as primeiras movimentações na plateia.
De seguida, tivemos direito a uns FILII NIGRANTIUM INFERNALIUM em grande, grande forma, comandados com punho de aço por um demónio BTHZR tão inspirado como sempre e uma descarga de necro rock’n’roll carregado de doses muito bem equilibradas de mestria e selvajaria. Na sequência de vários concertos focados no EP «A Era Do Abutre», que foi finalmente reeditado em 2022, neste regresso aos palcos a banda lisboeta optou por apresentar um alinhamento bem representativo do seu já longo percurso no underground.
Com Rick Thor no baixo e Beto na bateria a assegurarem uma secção rítmica sólida como poucas, não há mesmo como não notar a importância que o João Duarte, também conhecido como J. Goat, ou melhor ainda, Cardeal Aborto XIII, o seu pseudónimo neste delirante universo, tem na formação actual destes veteranos. Feitas as contas, por esta altura os FILLI NIGRANTIUM INFERNALIUM já somam três décadas de carreira e o facto de soarem mais letais que nunca continua a impressionar sobremaneira.
Impressionante foi também a actuação dos cabeças de cartaz. Cheios de energia por regressarem aos espectáculos com um novo álbum na bagagem, ainda por cima numa sala cheia, os TOXIKULL subiram ao palco e mostraram o que fazem melhor — heavy metal, puro e duro! Muitíssimo coesos, em topo de forma e gozando de um som bastante equilibrado, os músicos liderados por Lex Thunder prepararam uma alinhamento especial para esta noite, que visava apresentar pela primeira vez ao público os temas do soberbo «Under The Southern Light».
Com a abertura da actuação a cargo de «Cursed And Punished» e «Nightraiser», sucedidas pelo single «Around The World», a banda agarrou desde os primeiros acordes uma plateia muito participativa e conhecedora do seu fundo de catálogo. Pese alguma disparidade entre o material mais recente, mais melódico, mais maduro e mais orelhudo, e a natureza mais crua, speed/thrash que caracterizou os discos anteriores, no geral, o som dos TOXIKULL encaixaria perfeitamente em qualquer discografia dos anos de 80 e temas como «Speed Blood Metal», «I Will Rock Again» ou «Nascida No Cemitério» estão já, indubitavelmente, entre o melhor que se fez a nível do metal tradicional em Portugal nos últimos anos.
Já com um repertório de “clássicos” à sua disposição, e apoiados num alinhamento que passou por vários pontos da sua carreira, com destaque também para os temas de «Warriors Collection», de onde se destacaram as muito aplaudidas «Darkness» e «Rising Dust», em noite de celebração a banda fez-se acompanhar por uma série de convidados em palco, com o Sr. Johnny Lee, dos MISS LAVA, a dar um ar da sua graça na «Battle Dogs», e o Ben Stockwell, dos SEVENTH STORM, a emprestar todo o seu enorme talento à «Knights Of Leather».
Mostrando saber como construír um alinhamento sem pontos mortos, a recta final da actuação foi de luxo, com a banda a entregar a «Night Shadows», uma poderosa versão da «Filhos Do Metal» (um original dos XEQUE-MATE), o hino «Metal Defender» e ainda o épico tema-título de «Under The Southern Light», que contou com a participação de Sienna Saly na voz e de Josh Riot, também dos SEVENTH STORM, na guitarra acústica. Como cereja no topo do bolo houve direito também a uma demolidora versão da clássica «Iron Fist», dos MOTÖRHEAD, com um BTHZR possesso como convidado.
Tendo em conta a afluência registada e a forma soberba como se apresentaram, por esta altura já não será exagero dizer que os TOXIKULL são um dos expoentes máximos da cena tradicional em solo luso, tanto pela forma como têm conseguido expandir a sua base de fãs (tanto em terras lusas como além delas) como, sobretudo, pela lição de heavy metal que é cada concerto que dão. Tudo bons áugurios para o futuro, portanto.