O retorno à “normalidade” é, cada vez mais, uma realidade. Com a concretização dos eventos pendentes e muito aguardados — primeiro Bad Religion, depois The Ocean –, foi a vez da celebração dos 40 anos de carreira de um dos mais seminais nomes do punk britânico — THE TOY DOLLS. Por uma questão de alinhamento cósmico, com todos os adiamentos durante dois anos, o aniversário coincidiu com a celebração dos 40 anos de carreira daquela que é uma referência incontornável no punk rock português — MATA-RATOS. No final tudo fazia sentido, assim como também fez todo o sentido ver a horda de pessoas ávidas pela festa punk. Aliás, a sensação de ver, ouvir e sentir o (novo) LAV – Lisboa Ao Vivo cheio de pessoas em festa foi de tal forma especial que ainda exacerbou um pouco mais tudo o resto que se seguiu. Foi então uma sala já completamente cheia que os MATA-RATOS encontraram para fazer a sua festa tribal, que apesar de não revelar grandes surpresas — ninguém ia à procura de algo para além de motivos para um festim — meteu todos a mexer sem grande esforço. A começar logo com o início demolidor composto por uma sequência onde tivemos «Napalm Na Rua Sésamo», «Zebedeu», «Outra Rodada», «Ratos» e «C.C.M.», o público revelou voz afinada ao cantar ao lado (por cima) de Miguel Newton. Daí ao final, foi um desfilar de clássicos sem grande comunicação com o público — convenhamos, quando se tem um setlist cheio de clássicos, essa é toda a comunicação que se pretende. «Leis de Merda» colocou o ponto final e a banda saiu de palco com Newton a despedir-se com “Obrigado Lísboa. Viva a Fatela car#%&@!“
A mudança de palco foi relativamente rápida para receber os THE TOY DOLLS, que conseguiram preencher de forma impressionante um palco que, para o olho menos atento, poderia parecer demasiado grande para o power trio. Tal como tinha acontecido com a banda portuguesa, também a entrada dos britânicos foi fulminante. A festa fez-se logo com «Fiery Jack», «Cloughy Is A Bootboy!», «Bitten By A Bed Bug» e «The Death Of Barry The Roofer With Vertigo», que deixou o público a dançar e a cantar efusivamente. A banda não precisou realmente de uma grande produção de palco; precisou, isso sim, de espaço para poder andar de um lado para o outro, incansável, numa coreografia que nunca é demais repetir — e. pelos vistos. nem Tom “Tommy Goober” Blyth (baixo e voz) nem Michael “Olga” Algar (voz e guitarra) pareciam dar qualquer sinal de exaustão, o que é mais impressionante no caso deste último que, com 62 anos, demonstra ter uma vitalidade impressionante. Vitalidade e jovialidade que a própria música transmitiu também, assim como as diversas brincadeiras que a fizeram ao longo da actuação. Fossem as garrafas de champanhe insufláveis ou a distribuição óculos de sol “The Toy Dolls Style” pelos fãs na linha da frente, tudo resultou em pleno. Até nos temas instrumentais, que são pura diversão e que demonstram que apesar da brincadeira jovial inerente, está longe de ser música desprovida de técnica («El Cumbanchero», «Toccata In Dm» e «Wipeout»).
Houve de tudo, e os mais cépticos poderão dizer que não seria preciso tanto para um espectáculo de punk — como uma guitarra com três braços ou as bolas gigantes que caíram em cima do público na despedida enquanto tocaram «Theme Tune» (o primeiro tema do primeiro álbum, que tem posto fim aos concertos da banda) após uma festiva «Idle Gossip». Tudo isto poderia parecer desnecessário, mas isto são os THE TOY DOLLS, e é esta a festa que todos queriam, Passando um rápido olhar pelos sorrisos, que eram gerais, ninguém ficou insatisfeito. Verdade seja dita, foi deste espírito descomprometido e festivo que tanto sentimos falta nos últimos tempos e que, mais que nunca, urge cultivar. A banda saiu de palco pronta para continuar a sua tarefa difícil de tornar este mundo um pouco menos cinzento e, depois de o terem conseguido de forma impressionante em Lisboa, seguiram para o Porto para repetir a dose. THE TOY DOLLS — a fazer um mundo feliz, um concerto de cada vez.
FOTOS: Sónia Ferreira