Para alguns, o período de quarentena e pandemia, serviu para pararem um bocado, talvez até para reflectirem sobre o passado, como se aquele cenário que ninguém previa tivesse tido até os seus pontos positivos, traduzidos no eventual desaceleramento do ritmo em que vivíamos. Há, no entanto, quem nunca consiga parar e, se dúvidas restassem depois de observarmos o percurso constante dos THE OCEAN ao longo das décadas, o multifacetado Robin Staps, guitarrista, principal compositor e mentor do colectivo berlinense, é uma dessas pessoas. Pois bem, entre vários novos projectos e uma série de tentativas goradas de voltarem à estrada, os músicos trataram de editar um novo álbum de estúdio durante a pandemia e tudo fizeram para se manterem tão ocupados quanto possível. Com o título «Phanerozoic II: Mesozoic | Cenozoic», o disco apresentou-se como a segunda parte do épico colossal cujo primeiro tomo foi editado em 2018 e serviu de mote a uma conversa esclarecedora com Staps.
Vocês são, muito provavelmente, umas das bandas que mais toca por esse mundo fora. Como lidaste com a situação pandémica?
Passei por várias fases, confesso. Primeiro foi a negação, acho. [risos] No início pensei que era tudo uma treta, que não era nada perigoso, e segui em frente com tudo o que estava a planear. Depois percebi que as coisas não iam funcionar, porque toda a gente estava a ser afectada mas, mesmo assim, fiquei muito zangado quando começaram a fechar tudo. Tivemos de cancelar toda uma digressão sul-americana. Depois de muitos avanços e recuos, tinha acabado de fechar de uma vez por todas o planeamento desses concertos, não tinha sido fácil fazer as coisas funcionarem porque íamos fazer catorze concertos em sete países e… Foi um verdadeiro balde de água fria. Felizmente, não demorei muito a perceber que não faz sentido estar zangado com um vírus e atingi um patamar de paz e calma. Toda a gente estava na mesma situação, por isso senti que devia pensar em novas formas de canalizar a minha energia.
Que nem uma pandemia conseguiu domar.
Vá, não vamos agourar. [risos] Não, mesmo a sério, foi interessante explorar novas avenidas e acabou por ser um período muito produtivo, em que me dediquei a alguns projectos que, noutra situação, provavelmente nunca teriam ido em frente. Por exemplo, o livro de 130 páginas que saiu com uma das edições do álbum novo. É, de forma resumida, um livro de fotografias, que retracta tudo o que fizemos desde 2018… Tocámos em montes de sítios onde nunca tínhamos estado e foi um período bem louco da nossa carreira. No entanto, a dada altura tinha decidido que não o ia fazer este ano, porque tinha de contactar os fotógrafos, pedir autorizações e, com tanta gente envolvida, ia ser uma trabalheira e nós íamos estar na estrada.
Antes de falarmos do disco novo, fala-nos então desses projectos extra livro.
Na Pelagic, começámos a trabalhar com os Kadavar. São uns roqueiros muito 70s aqui de Berlim, têm um público estabelecido, que é diferente daquele que segue a editora, por isso aumentámos o nosso raio de acção. Digamos que o facto de termos começado a trabalhar com eles nos dobrou o número de encomendas mensais, o que me tem tomado algum tempo. Além disso, também com a Pelagic, pusemos finalmente em prática algo que já queria fazer há algum tempo, que é a criação de lotes de café que traduzam o espírito das bandas a que são associados. Começámos a trabalhar com uma pequena empresa local e eles torraram três lotes para três bandas, The Ocean, Mono e God Is An Astronaut. Sei que isto é muito pouco alemão, mas estou numa altura da minha vida em que bebo muito mais café que cerveja. [risos]
O «Phanerozoic II: Mesozoic | Cenozoic» já estava pronto antes da pandemia, certo? Não houve mudanças em relação ao lançamento nem nada do género?
Não, nesse aspecto até foi simples… Até porque, como disseste, o disco estava pronto. Eu fechei os temas ainda em 2017 e as baterias que usámos nas duas partes foram todas captadas no início de 2018, por isso estava mesmo tudo pronto. Na verdade, o processo esticou-se durante algum tempo, mas o material estava, inclusivamente, misturado e masterizado quando a pandemia começou. A forma como o fizemos seria, hoje, difícil de replicar, porque gravámos em vários sítios. A bateria foi captada na Islândia, no estúdio que foi construído pelos Sigur Rós numa antiga piscina. Em termos de som, foi uma experiência fantástica. As guitarras, o baixo e as vozes foram gravadas no nosso sítio secreto em Espanha… A mesma casa, à beira mar, onde fizemos os últimos quatro álbuns.
Suponho que o Jens Bogren não tenha andado atrás de vocês.
Não andou, não. O Jens só misturou o material, e é assim que temos feitos os últimos álbuns. Nós, basicamente, gravamos tudo, geralmente com a ajuda de um engenheiro durante a captação da bateria… É aí que gastamos a maior parte do nosso orçamento, porque é importante termos uma sala com um bom. De resto, gravamos as guitarras e o baixo aqui na Alemanha ou em Espanha. Tudo o que se passa entre a bateria e a mistura é feito por nós, sem qualquer interferência exterior. Depois o Jens entra em jogo e acho que acaba por ser muito positivo termos alguém com quem podemos trocar ideias já quase no final do processo, porque ele está relativamente virgem em relação aos temas e pode ter uma opinião mais imparcial.
Há algum produtor com que gostasses mesmo de colaborar?
Sinceramente? Acho que não. De certa forma, depois de tantos anos à procura de um método com que toda a gente se sentisse confortável, sinto que conseguimos finalmente atingir esse patamar, por isso tenho medo de estragar tudo outra vez. É óbvio que há por aí gente muito talentosa, com quem seria interessante fazer algumas experiências, mas não sei… Por enquanto, não me faz sentido mudar a fórmula. O que, estranhamente, é o oposto do que pretendo fazer com a música, porque evito a todos os custos ficar preso aos mesmos métodos.
Talvez resultado disso, este álbum soa um pouco mais experimental…
Isso é verdade, mas as coisas não foram pensadas necessariamente assim. Às vezes, brinco com isto, porque parece que acabamos sempre nas mesmas ratoeiras. O que se passou com estes álbuns agora, foi exactamente a mesma coisa que se passou com o «FluXion» e o «Aeolian», cujos temas foram todos escritos e gravados na mesma altura, mas os discos foram editados em alturas diferentes. Eu, basicamente, escrevo sempre material a mais, que não cabe todo num disco… Depois, lá tenho de arranjar uma forma de fazer as coisas funcionarem. [risos] Neste caso, optei uma vez mais por colocar os temas mais directos na primeira parte e o material um pouco mais diferente, chamemos-lhe assim, no segundo volume. O bizarro nisto tudo é que soube logo como é que a primeira parte ia funcionar, mas tive alguma dificuldade em fechar o alinhamento da segunda, porque os temas são todos muito diferentes uns dos outros.
Surgiram associados à cena do post-metal, ao lado de bandas como os Isis, os Cult Of Luna, Pelican e quejandos. Como olhas hoje em dia para esse rótulo, uma vez que já foi bastante mais popular?
Nunca foi algo que me fizesse confusão, para ser sincero. Até porque eu cresci nessa cena do hardcore, assim como todas essas bandas, por isso a ligação sempre esteve lá. E eu, na altura, ouvia mais ISIS e Pelican que outra coisa qualquer. Nós tocámos com os ISIS em 2004, foi em Munique e um dos nossos primeiros concertos. Na altura já conhecia o Aaron Turner, porque passei uns tempos nos Estados Unidos, foi ao concerto de apresentação do «Oceanic» e, depois, estive uns dias na casa dele, em Boston. As ligações sempre estiveram lá, sem dúvida. Ao mesmo tempo, sempre tivemos uma costela um pouco mais progressiva, sempre gostámos de usar orquestrações e de fazer coisas pouco comuns no universo do metal, sem nos estarmos a preocupar com rótulos. Aliás, acho que esse é o segredo da maioria das bandas dessa altura que continua por aí, todas desenvolveram uma personalidade própria. Quanto ao facto de ser mais ou menos popular, não é algo que me preocupe… Houve uma altura em que havia clones a mais, houve até um período em que perdi um bocado o interesse de trabalhar na Pelagic, mas actualmente as coisas estão bastante melhores e o catálogo da editora é uma boa mostra disso. Em termos artísticos, continua a fazer-se música válida nesse espectro.