Na sequência de algumas actuações verdadeiramente incendiárias em festivais de Verão, os suecos THE HIVES regressam à estrada em nome próprio, que passa pelo Cineteatro Capitólio, em Lisboa, no dia 6 de Outubro.
Depois das suas três primeiras visitas ao nosso país terem sido precisamente à capital (SBSR em 2005, Coliseu dos Recreios e Optimus Alive em 2008), os suecos THE HIVES iniciaram depois um périplo de actuações (seis!) noutros pontos do país, que já faz deles entendidos em geografia portuguesa — ou, pelo menos, devia. Esta é, portanto, uma ocasião de vários regressos, já que a banda sueca encerrou recentemente um hiato discográfico de mais de uma década, com a edição do muito elogiado «The Death Of Randy Fitzsimmons» a suceder finalmente ao «Lex Hives», de 2012. Um álbum energético, pleno de vitalidade, e que, segundo o guitarrista Niklas Almqvist, aka Nicholaus Arson, vai figurar fortemente naquele que será o alinhamento do concerto do próximo dia 6 de Outubro.
Como é estar de volta, pelo menos em termos discográficos?
Niklas: É altamente! É verdade que estávamos numa espécie de hiato, mas também fomos tocando durante estes anos, apesar de não lançarmos discos. Mas o sentimento é sempre muito melhor quando saímos para tocar e estamos armados com um álbum novo, isso é claro. As coisas acontecem numa escala maior quando é assim. Se fazes parte de uma banda de rock, acho que, primeiro que tudo, deves andar em tour. E segundo, tens que fazer discos novos. Os The Hives têm certamente feito uma quantidade considerável de tours, mas temos sido decepcionantes pelo menos no tamanho dos intervalos entre os lançamentos dos discos. Portanto, o sentimento que temos agora é muito bom, claro.
O álbum tem uma vitalidade inegável. O Pelle [Almqvist, vocalista e irmão de Niklas] tem uma citação bestial no press release, a dizer que o rock’n’roll não deve amadurecer nunca, deve ser sempre um adolescente zangado. Vocês fazem um esforço para manter esse vigor “adolescente”?
Niklas: Acho que teria sido um embaraço para nós se ao fim deste tempo todo aparecêssemos com um álbum lento e calminho. Uma dança lenta, chamemos-lhe assim. [risos] Penso que está mais que provado, para nós e para o resto do mundo, que quando fazemos esse tipo de punk rock rápido e pesado, somos uma espécie de líderes no nosso campo, e acho que queríamos voltar com um álbum pleno dessa energia. É sempre esse o nosso objectivo, e era esse mais uma vez o plano desta vez – ter um álbum que fosse como um comboio desgovernado!
Como se deu o regresso aos discos? Aconteceu alguma coisa que vos tenha “acordado” do hiato?
Niklas: Bom, o hiato foi longo porque não estávamos em contacto com o nosso, enfim, chame-se o que se lhe quiser chamar, manager, guia espiritual, sexto membro…
O coitado do Randy, não é? [NR: a história é que o tal Randy Fitzsimmons, o mitológico mentor e compositor e isso tudo que nunca ninguém viu, desapareceu durante estes anos e acabou por morrer – a banda decidiu ir exumar o corpo, mas no caixão só encontrou um monte de cassetes com demos e os fatos novos que agora envergam…]
O coitado do Randy! [risos] Não sabíamos o que se passava com ele, mas sem ele nós não somos nada, em termos de lançamento de discos pelo menos. Uma vez descobertas as cassetes com as demos, começámos a trabalhar e foi bastante rápido a partir daí. Não sei bem precisar quanto tempo, mas não foi muito. A pandemia também não ajudou a estas contas. Temos vários amigos em bandas que decidiram lançar álbuns durante esse período, alguns até mesmo no princípio de tudo em 2020, mas nós não quisemos fazer isso, decidimos não editar mesmo nada até as coisas voltarem ao normal. Mas sim, o trabalho para o álbum foi rápido e eficiente, uma vez munidos daquele material. Se quiseres fazer um belo colar, tens que ter o ouro, não é? Era nessa situação que estávamos: não havia ouro, não há colares.
Apesar do título do álbum, estamos um bocado em aberto nesta altura em relação a esse assunto, não é? Uma vez que, em vez de um corpo, o Randy só deixou cassetes e fatos, a partir de agora, tanto pode vir aí outro álbum, como outro hiato, certo?
Niklas: Sim sim, é mesmo isso. Não sabemos. Enfim, quando nós fazemos um álbum com os The Hives, a sensação que temos é sempre de que é o último. E agora com este título, isso pode indicar alguma coisa. Mas por outro lado, estamos no pico dos nossos poderes, creio eu. Voltar com um álbum destes, tocar em todo o lado, tudo me parece fantástico. Não me apetece pendurar o fato, apetece-me continuar durante muito tempo. Vamos lá ver que tipo de caça ao tesouro é que o Randy tem reservado para nós durante os próximos tempos… Como banda, estamos à espera de fazer mais um álbum.
A brincar, a brincar, já lá vão 30 anos disto. Nesses primeiros tempos, havia algum tipo de plano delineado? E quão longe ou perto estão desse plano passado este tempo todo?
Niklas: Acho que somos overachievers, de certa forma, tendo em conta as nossas expectativas iniciais. Se havia um plano nessa altura, o plano era ter uma banda, fazer um disco e ir dar concertos! Não sei se havia algum tipo de conquista mundial já delineada especificamente nesses primeiros planos, isso provavelmente só veio seis meses depois, quando já tínhamos catorze anos e meio! [risos] Acho que foi isso. Juntámo-nos com catorze anos e o plano era ter uma banda, e aos catorze e meio, conquistar o mundo. Faz sentido.
Desde que tenha sido divertido…
Niklas: Acho que sempre fizemos as coisas à nossa maneira durante este tempo todo, não me lembro de termos feito algum compromisso ou cedido a alguma vontade alheia. E tem sido uma viagem super divertida. Acidentada, com muito trabalho, mas sempre divertida. Tem sido um pouco de tudo. Pode ter sido uma montanha-russa, mas ao mesmo tempo sinto que também tem sido sempre em trajectória ascendente. Sempre gostámos imenso de fazer isto tudo, e acho que é assim que se consegue durar muito tempo enquanto banda. As pessoas estão sempre a perguntar às bandas que chegam a determinados pontos de longevidade “qual é o segredo”, e eu acho que não há segredo nenhum, é só gostar imenso do que se faz, como nós gostamos.
Estes 30 anos, a mim, parecem-me seis meses, de certa forma. Quando te estás a divertir, o tempo anda rápido. Só percebemos que de facto já passou muito tempo quando nos começamos a lembrar de todas as maluquices que já tivemos oportunidade de fazer. Já tocámos com as bandas que crescemos a ouvir, como os AC/DC e os Rolling Stones, também já tocámos com as nossas bandas punk favoritas, como os New Bomb Turks, Oblivions, Dirt Bombs… tudo faz parte desta aventura enorme que continuamos a viver.
Parece esquisito falar nisso porque o homem já faz parte da banda há dez anos, mas este vai ser o primeiro álbum que vão gravar com o Johan [Gustafsson, aka The Johan And Only, baixista]! Mudou alguma coisa na forma de trabalharem em estúdio?
Niklas: Acho que nem pensámos nisso. [risos] Foi quando alguns fãs nos começaram a perguntar como é que o álbum ia soar agora com o Johan no baixo que nos ocorreu essa situação. Vai soar ao que ele soa sempre, é fácil. Tocar baixo nos The Hives já por si é algo que tem um certo estilo próprio. Claro que o Johan é um músico diferente do Dr. Matt Destruction, bastante identificável, mas quando nos juntamos como The Hives… vá, não estamos a tocar nada que não esteja já decidido. Não somos propriamente uma banda de jams. Lembro-me que dei uma entrevista a uma revista de guitarras, e perguntaram-me sobre o meu estilo… Eu disse que é essencialmente mexer a mão direita. [risos] O que quer que eu esteja a fazer com a mão esquerda, basicamente só preciso de ter um pulso firme e agarrar bem! [risos]
E agora, a pergunta obrigatória dos temas favoritos. Tens alguns, no álbum novo?
Niklas: Tenho sim, aliás, tenho sempre, em todos os discos. Acho que é natural, as canções são todas diferentes, e acaba sempre por haver algumas que concluímos que resultaram um bocadinho melhor. E outras para as quais se calhar tínhamos esperanças mais elevadas e que não chegaram totalmente lá. Não há problema nenhum em admitir isso. Apesar disso, o que me dá mais prazer constatar é que, como já discutimos no princípio da conversa, o álbum como um todo tem a energia que eu queria que tivesse. Individualmente, acho que a «Bogus Operandi», a «Rigor Mortis Rádio» ou a «Trapdoor Solution» são as que mais se destacam. Aqueles quatro ou cinco temas que abrem o álbum, sinceramente, acho que é um exemplo do que um álbum dos The Hives deve ser.
Há essa estrutura, sim. Esses temas iniciais são “sempre a abrir”, e depois no lado B aparecem as “esquisitas”, tipo «The Bomb», ou «What Did I Ever Do To You?». Foi planeado para ser assim, imagino.
Niklas: Sim, há uma determinada forma de o álbum fluir. Não quero entrar muito nestes detalhes minuciosos, mas para mim até há uma diferença grande ao saltar da «Bogus Operandi» para a «Trapdoor Solution», e depois para a «Countdown To Shutdown»… Todos esses temas são “esquisitos” à sua maneira, para mim, e estão pela ordem que estão por várias razões. Sim, a diferença para os temas que mencionaste é obviamente mais notória, mas a forma como o álbum flui do princípio ao fim é algo com que nos preocupamos bastante. Nós fazemos álbuns, não fazemos músicas, essencialmente. E portanto queremos que cada álbum seja uma viagem por si só.
É muito bom ouvir-vos dizer isso. A morte do formato álbum já foi vaticinada por muitos, mas ainda há quem se preocupe, pelos vistos.
Niklas: Excelente! E sim, sem dúvida! Connosco será sempre assim!
Podemos esperar muitas malhas novas no concerto de Lisboa?
Niklas: Temos dado concertos em que tocamos cinco, seis ou até sete do álbum novo, portanto sim! Preparem-se!
Vais curtir voltar a Lisboa?
Niklas: De certeza que sim! Por acaso, a primeira ideia que tenho de Portugal, sinceramente, é de que costumamos tocar sempre em sítios meio remotos! Tipicamente aterramos em Lisboa ou no Porto, e depois temos sempre algum tempo de viagem de carro para chegar ao sítio onde vamos tocar, seja na montanha ou na província ou seja o que for. Acho que tem calhado tocarmos quase sempre em festivais desse estilo, em Portugal. Portanto vai ser bom desta vez não ter que sair de Lisboa. Do pouco que me lembro de Lisboa, acho que os vossos passeios são muito escorregadios para mim! [risos] Estamos ansiosos por voltar a fazer a trajectória toda de uma tour de um álbum, depois da época dos festivais.