Entre a fidelidade às origens e a necessidade de evolução, os suecos THE HAUNTED reencontram o ponto de equilíbrio num dos álbuns mais ferozes da sua carreira.
Num universo como o do heavy metal, onde a longevidade é uma das provas de mérito mais aplaudidas, cada década conquistada traz consigo um dilema inevitável: mudar ou manter-se fiel? A verdade — e os THE HAUNTED são exemplo disso — é que qualquer escolha será sempre recebida com resistência. Ficar demasiado iguais? “Estão estagnados.” Mudar? “Traíram as raízes.” Esta maldição cíclica persegue todas as bandas com passado, especialmente quando o passado em questão inclui clássicos incontornáveis e mudanças de formação que redefinem uma carreira inteira.
Formados a partir das cinzas dos lendários AT THE GATES, os suecos THE HAUNTED começaram por definir, logo nos primeiros três álbuns, uma fórmula devastadora de thrash técnico com nuances melódicas herdadas do death metal de Gotemburgo. Era uma fórmula tão precisa quanto destructiva, e foi exactamente isso que lhes garantiu um lugar cimeiro no metal europeu do virar do milénio. Mas a partir de 2004, a banda entrou num período de reinvenção corajosa — e divisiva. Discos como «The Dead Eye», com o seu conceito sombrio e estrutura melódica pouco ortodoxa, ou «Unseen», no qual andaram no flirt com sonoridades alternativas, dividiram fãs e críticos como nunca.
A tempestade só começou a acalmar com o regresso de Marco Aro à voz em «Exit Wounds», de 2014. Com ele voltou também a brutalidade dos tempos mais antigos, agora temperada por uma maturidade composicional que só os anos trazem. o explosivo «Strength In Numbers», de 2017, consolidou essa posição, equilibrando a agressividade thrash com um foco renovado na estrutura e na dinâmica. Mas foi também esse disco que deu início a um hiato inesperado de sete anos — o maior da carreira da banda — e deixou no ar a dúvida: teriam os THE HAUNTED perdido a força?
A resposta chega agora com «Songs Of Last Resort», o décimo álbum de estúdio da banda, e é um estrondo inequívoco. Longe de um regresso rotineiro ou acomodado, este é um disco com punhos cerrados, olhar fixo e um propósito inabalável: provar que, quase 30 anos depois, os THE HAUNTED continuam a ser uma força imparável. As novas músicas não pedem licença para entrar — arrombam a porta com raiva acumulada e precisão cirúrgica.
Logo à entrada, «Warhead» e «In Fire Reborn» oferecem duas rajadas de thrash moderno, onde a violência rítmica e os refrões demolidores se aliam a letras de crítica sócio-política. Em vez de slogans vazios, há aqui reflexões amargas sobre a guerra e o ciclo de destruição em que a humanidade parece permanentemente mergulhada. «Death To The Crown» desce a um tom mais atmosférico, com teclados discretamente góticos e um véu de tensão quase cinematográfica, mas sem nunca abandonar a dureza instrumental que define o álbum.
A meio do alinhamento, «Unbound» e «Hell Is Wasted On The Dead» elevam o nível de intensidade. A primeira é um manifesto de fúria com groove infeccioso e um solo brilhante de Ola Englund, enquanto a segunda é simplesmente uma das composições mais agressivas que a banda gravou em décadas — uma descarga de malícia que remete aos tempos de «The Haunted Made Me Do It». A seguir, «Through The Fire» mantém o pulso acelerado, misturando mudanças de andamento com ambientes mais soturnos, quase death metal, numa das prestações vocais mais intensas de Aro até à data.
O título do álbum não é um acaso. Inspirado nas misteriosas e inquietantes “cartas de última instância” do Reino Unido — instruções secretas deixadas pelo Primeiro-Ministro aos comandantes de submarinos nucleares em caso de aniquilação nacional —, «Songs Of Last Resort» mergulha num universo lírico de desespero, sobrevivência e decisões impossíveis. Este é, talvez, o disco mais tematicamente coeso da carreira da banda.
«Collateral Carnage» abranda o andamento, mas amplifica o peso emocional. Há algo de elegia no riff principal, como se cada nota estivesse a nascer de um campo de batalha ensanguentado. Já «Labyrinth Of Lies» é mais contida, ameaçadora na sua cadência lenta e nos seus toques de teatralidade herdados do metal tradicional, construindo tensão até à libertação final. O fecho dá-se com «Letters Of Last Resort», uma peça quase experimental, com narração distorcida e efeitos sonoros arrepiantes. Um fim surpreendente para um álbum que, ainda assim, nunca abdica da coerência nem do poder dos riffs.
Mais do que um simples novo capítulo, «Songs Of Last Resort» é um reafirmar de identidade e relevância. Os THE HAUNTED não se limitam a regressar — regressam com algo a dizer, algo a provar e, acima de tudo, algo a destruir. Numa altura em que muitos dos seus contemporâneos optam pelo conforto da nostalgia ou pela reinvenção forçada, os suecos mostram como se faz uma evolução natural: mantendo o espírito intacto, mas afiando as armas. Quase três décadas depois do início da missão, os THE HAUNTED continuam na linha da frente. E não nos parece que estejam prontos para recuar.
Os fãs já podem fazer a encomenda de «Songs Of Last Resort», que está disponível em vários formatos, entre os quais se contam edições limitadas em vinil e bundles especiais com merchandise exclusivo.
