Na activa há cerca de quinze anos, o Facada é actualmente um dos principais nomes da música extrema underground brasileira, ao lado de bandas como Violator, Test, Deaf Kids, Surra e Desalmado. Ao longo desse tempo, o grupo de Fortaleza, no Ceará, construiu uma reputação e tanto graças ao seu caos sonoro na forma de um grindcore simples, directo e extremamente eficiente. Como se isso não fosse o bastante, o quarteto formato por James (baixo/voz), Danyel (guitarra), Dangelo (bateria) e Ari (guitarra) lançou no último dia 29 de junho o seu melhor trabalho. Quarto full da carreira da banda, «Quebrante» (que sai em CD pela Black Hole e em vinil pela Läjä Records) leva as coisas a um nível ainda mais alto do que os álbuns anteriores, como «Nadir» (2013), ao longo dos seus 31 minutos de violência em forma de música espalhados por 23 faixas. Na entrevista abaixo, o baixista e vocalista James fala sobre o disco novo, como é o processo de composição da banda com um integrante morando em outro país, os álbuns que mudaram a sua vida, a cena grindcore do Brasil e os 15 anos de estrada do Facada, entre muitas outras coisas.
O disco novo, «Quebrante», me parece o trabalho mais forte da banda, tanto em termos de composição, com as músicas só melhorando a cada disco, e de produção, que deixou o som de vocês ainda mais brutal e na cara. Concorda com isso? E como foi o processo de composição e gravação desse trabalho em relação ao full anterior, o Nadir? Esse foi o primeiro full em que o Ari (que mora na Alemanha) e Danyel trabalharam em parceria, certo?
Valeu demais, Luiz! É difícil você falar em termos de comparação dos próprios filhos, né? Mas acho que esse disco é o mais variado desde o «Indigesto» (nosso primeiro disco, de 2006). Cada um tem uma característica e tentamos não repetir, mantendo uma unidade na banda e, principalmente, de disco. Acho que pelo tempo que tivemos, tentamos organizar e compor os sons de uma forma melhor, com mais calma.
O Ari e o Danyel fazem suas músicas sem precisar consultar um ao outro, como eles já sabem como cada um funciona, fica mais fácil criar. No fim, quando as músicas aparecem, eles fazem alguma intervenção e assim seguem. Nosso processo de composição é bem doido, não sei como acaba acontecendo. No «Nadir» foi da mesma forma. O Ari compõe as músicas de lá e a gente compõe aqui e depois juntamos tudo. Como temos algo bem definido e claro de como a banda é, não temos problema de fugir muito, nem de serem coisas totalmente díspares uma da outra e assim acaba que a unidade sai naturalmente.
Aliás, já que falei na produção na pergunta anterior… Com quem vocês gravaram/mixaram/masterizaram dessa vez? E em quanto tempo o disco ficou pronto desde o início das gravações?
É um processo bem doido mesmo, acredito que poucas bandas conseguiriam fazer isso e realmente não sei como acaba dando certo. O Ari quando veio de férias ao Brasil, em 2014, já ensaiou e ajeitou com o Dangelo as músicas que ele tinha e já gravou as partes da bateria. Mesmo que meio tortas, sem letra ainda. Em 2015, entramos em estúdio e gravamos todas as nossas partes. Inclusive gravamos 2 discos juntos, o de covers («Nenhum Puto de Atitude») e as músicas do «Quebrante». Então, resolvemos lançar logo o «Nenhum Puto», que saiu ano passado, como um intermezzo, e trabalhámos nisso enquanto finalizávamos o «Quebrante». Entre uns contratempos e outros, demorámos um pouco para terminar, então só no começo desse ano tivemos o material completo para mandar para o William Blackmon (Gadget) mixar e masterizar na Suécia. É um processo demorado, cheio de altos e baixos, mas bastante recompensador quando acaba e vemos o resultado final. Ainda bem!
Notei em algumas músicas uma pegada mais black metal, especialmente em riffs de sons como «Putrescina», «Nós Somos o Veneno», «Eu Sei Como é Morrer» e «A Vitória da Diva», ainda que o grind domine a maior parte do disco. Houve alguma influência específica para ter mais riffs nesse estilo no disco novo? Digo, algum álbum ou banda em especial que estivessem ouvindo mais na época da composição?
Na verdade, o grindcore é o que une todas nossas influências, ele é o mote para a gente juntar todo tipo de riff que a gente compõe e o que costura todos eles. Todos na banda são fãs de black metal antigo, como Marduk (antigo), Sarcófago, Blasphemy, Impaled Nazarene, Mayhem, Immortal (antigo), Darkthrone (antigo) – inclusive, eu e o Danyel temos um projeto de black metal (Monge). Mas não tivemos uma banda ou disco específico que fosse preponderante na influência desses riffs. Desde o «Nadir» que isso tem saído naturalmente e deixamos fluir porque acaba combinando com a nossa proposta.
Já que falei sobre isso, queria saber como é que vocês trabalham essa questão de ter um integrante que mora em outro país, incluindo desde tomar decisões do dia-a-dia, como agendar shows no Brasil, por exemplo, até direcionamento musical, composições? Rola muita conversa via Skype para acertar as coisas, como funciona isso na prática?
Pois é, a gente nunca teve reunião da banda, ou algo do tipo pelo Skype, mas tem o grupo, então a gente toma as decisões por lá. Acho que cada um já sabe bem como a banda funciona, então não tem muito essa de mudar muita coisa, quando um quer tentar uma coisa diferente, avisa logo, para não ter briga depois… [risos] O Ari, como mora fora, só toca quando vem pra cá, daí a gente aproveita ele, mas geralmente quem fez os shows são só os três mesmo.
Voltando ao «Quebrante», qual o significado por trás do título? E quem fez a capa? A arte ficou incrível, assim como já tinha acontecido no «Nadir». Aliás, qual a importância da parte visual para vocês? Parece que ganhou um peso maior nos últimos trabalhos.
O «Quebrante» é também conhecido por “mau olhado”. Quando alguém está indisposto, triste, sem forças, ruim mesmo, é comum ouvir que a pessoa está com quebrante/mau olhado, que alguém lançou sobre ela energias negativas que foram capazes de anular a energia vital daquela pessoa. A pessoa com quebrante tem prostração, fraqueza e um bocejar constante.
E diante desse actual sentimento de apatia que temos nesses últimos tempos, principalmente aqui no Brasil, veio bem a calhar. A gente sempre achou muito importante que os materiais tivessem algo que marcasse bem para quem o tivesse. Na escolha de outro papel, outras formas de encarte, para que a pessoa possa, quando adquirir o material, ter uma ideia completa do que tentamos passar. Nesse último, quem fez a arte foi o Nelson Oliveira (mesmo cara que fez a do «Joio») e ele conseguiu definir bem o que queríamos passar. A ideia era que a capa fosse apenas um detalhe do desenho e ela vai se desdobrando, mostrando o todo e ele conseguiu ir além do que esperávamos. Tanto o «Nadir» (feito por Everton Silva), como o «Quebrante», foram feitos por caras da nossa cidade e que são nossos amigos, então cada um tem uma personalidade muito forte.
Falando em visual, vocês lançaram um clipe para «Amanhã Vai Ser Pior» [ver abaixo], em 2016, com imagens da banda ao vivo e também com imagens de diversos políticos, desde a época da ditadura até o Bolsonaro, mais recentemente. Como você enxerga esse momento actual do Brasil (e do mundo, de forma mais ampla) com o conservadorismo ganhando cada vez mais espaço, inclusive no metal?
O clipe foi feito com imagens do show que fizemos na Virada Cultural/SP e teve ideia e edição do Tomás Moreira e do Airton Lucena – os caras captaram bem a ideia da letra: a do que o amanhã pode ser pior. Que apesar de termos tido alguns poucos avanços no campo social e da tecnologia, parece que o pensamento retrógrado nunca esteve tão forte. Acho que estamos vivendo em tempos de facilidade da informação, logo, é difícil se manter alheio às notícias. De um tempo pra cá é possível notar uma mudança, mesmo que mínima, e que ainda precisa caminhar cada vez mais em busca de uma melhoria comportamental dentro desse cenário. Há urgência em se posicionar, questionar e confrontar. O que acontece aqui nesse micro-espaço é retrato do que acontece na sociedade, não é uma questão simplista sobre som. Quando a gente deixa passar essas atitudes reduzindo a “tanto faz”, “deixa pra lá”, estamos sendo coniventes com isso e ajudando a manter cada vez mais essas mazelas que continuam afetando, ferindo e matando tanta gente por aí.
Claro, consigo enxergar essas coisas hoje em dia devido aos questionamentos que me foram feitos, aos confrontos que me fizeram tomar vergonha na cara, sempre há tempo para deixar de ser otário e encarar as coisas com maturidade e coerência.
Aliás, o Brasil sempre teve bandas boas de metal mais extremo, seja thrash, death ou black. Mas por que acha que há tantos nomes bons no grindcore, como vocês, Rot, DER, Hutt, Expurgo, Homicide, entre outros? E rola um sentimento de cena ou algo do tipo com essas bandas?
Eu acho que cada um faz o corre da sua forma e isso dá a liga para que todos sejamos uma cena unida. Acredito que todas essas bandas citadas são grandes amigas e o que é muito legal é que gostamos da música uns dos outros. Diferente do metal, o grindcore tem um lance de união e amizade entre as bandas sem ter uma competição entre elas. E quando uma delas necessita de algo, cada um tenta ajudar da sua forma. Tanto as bandas mais novas, quanto as mais antigas. E é massa quando você escuta essas bandas e elas lançam cada vez mais coisas legais e bem feitas. Gostaria de citar ainda o Desalmado, Agorhy, Rabujos, Manger Cadavre, Arquivo Morto, Ruim, Fuck Namaste, Echoes of Death, Ruína, Revolta Civil, tem muita coisa boa acontecendo.
Por favor, me diga três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
O «From Enslavement To Obliteration», do Napalm Death, por ter me deixado realmente assustado e demorar MUITO pra entender o que era aquilo e o que estava acontecendo. O melhor disco de grindcore de todos.
Outro seria o «Reek Of Putrefaction», do Carcass, por me fazer ver beleza e inteligência onde deveria ser só desgraça.
E o «Brasil», do Ratos de Porão, por ser um disco raivoso, porrada e que, apesar da gente ser de um país de terceiro mundo, poderíamos ter orgulho de algo feito aqui.
Como estamos em um veículo de Portugal, queria saber se conhece bandas portuguesas e se planejam tocar por lá no futuro próximo?
Eu conheço o Besta que é muito legal e já vieram várias vezes pra cá, além do Simbiose – mas fora isso, quase nada. Gostaria até de conhecer mais a cena, ultimamente tenho escutado mais as coisas antigas e as coisas novas que me indicam. E com certeza tá na hora de fazermos esse rolê fora do Brasil, já estamos devendo isso tem um tempo e espero que isso seja concretizado o mais rápido possível.
Para terminar. O Facada completa quinze anos de estrada em 2018, certo? Quando começaram a banda lá em 2003 esperavam ficar na activa por tanto tempo e chegaram onde estão hoje, como um dos nomes mais respeitados da América Latina?
O Facada nasceu como projecto pra gente se encontrar, ficar escutando som e se divertindo. Tínhamos outras bandas, mas com o Facada ensaiávamos para desopilar mesmo. Quando gravamos a demo, foi mais para sacar como que aquilo estava mesmo, mas a repercussão foi tão legal e estava dando tão certo que a gente resolveu levar adiante. De lá pra cá, tem essa vida toda aí. O mais massa é que ainda gostamos de fazer música, compor e pensar na banda como uma coisa legal, como era no início. Fazemos a coisa no nosso tempo e, até agora, não sentimos vergonha de nada que fizemos. Ainda bem!