Na estrada desde 2004, o Desalmado se consolidou nos últimos anos como um principais nomes do metal extremo underground do Brasil, ao lado de bandas como D.E.R., Facada, Infamous Glory e Surra, apenas para citar algumas.
Formado por Caio Augusttus (vocal), Estevam Romera (guitarra), Bruno Teixeira (baixo) e Ricardo Nutzmann (bateria), o quarteto de São Paulo não dá sinais de querer diminuir a pegada. Pelo contrário, já que lançou há alguns meses o elogiado «Save Us From Ourselves» (2018), seu disco mais forte nesses quase quinze anos de carreira – e o primeiro a trazer letras em inglês.
Com influências variadas e uma ótima produção, o trabalho traz o Desalmado mais afiado do que nunca em sua mistura poderosa de death metal, grindcore e thrash metal, entre outros gêneros e subgêneros do metal.
Em outubro, os brasileiros voltam à Europa para uma turnê por Portugal e Espanha, ao lado do Besta (que estiveram pelo Brasil no início de 2018), que marcará também o lançamento em vinil do seu mais recente álbum, pelo selo Ragingplanet.
Na entrevista abaixo, o vocalista Caio fala sobre o mais recente trabalho da banda, as expectativas para a tour, as diferenças entre tocar no Brasil e no exterior, o avanço do conservadorismo pelo mundo, os discos que mudaram a sua vida e muito mais.
Loud!: Vocês estão prestes a embarcar em mais uma tour europeia, que desta será focada em Portugal e Espanha. Por que focar nesses países desta vez e quais as expectativas? Vocês vão dividir o palco com o Besta, com quem fizeram uma tour pelo Brasil há alguns meses.
Caio: Essa turnê foi uma surpresa. Lançamos o disco novo no inicio do ano e estávamos com a turnê conjunta com eles engatilhada por aqui, nesse período junto, a Ragingplanet, selo do Besta, gostou muito do disco e quis lançá-lo em vinil na Europa, a condição era que fizéssemos algumas datas por lá para promovê-lo, então aceitamos e decidimos focar apenas nesses dois países. É uma turnê de tiro curto, onze shows em treze dias, será nossa terceira vez em Portugal e Espanha, são os países que mais curtimos quando estamos em turnê europeia.
Ainda nisso, quais as principais diferenças que sentem ao fazer shows fora do Brasil em termos de estrutura e de público, por exemplo? E acha que a “cena” para som mais extremo está melhor no Brasil neste sentido?
No Brasil temos uma cena muito boa e intensa, aqui o fã de death metal e grindcore é muito fiel, porém, o publico de alguma forma está envelhecendo, então é um pouco estranho, tem shows com muita gente e outros nem tanto.
Agora olhando para Europa, a gente vê esse publico mais presente e um “mercado” estabelecido, tem um circuito por lá, toda uma estrutura em torno das bandas com calendário legal de festivais e shows. Por aqui existem diversas frentes no cenário extremo querendo criar esse circuito com festivais e shows, as bandas se esforçam para que isso ocorra, vejo o Test e Torture Squad como as principais forças nesse sentido, acho que o Desalmado também tem feito isso desde 2017, mas não com a mesma intensidade dos grupos citados. Por aqui precisamos melhorar e muito a nossa estrutura, ainda temos muita precariedade, todo mundo precisa se ajudar para fazer algo melhor, de produtores a músicos, em todo caso consigo perceber melhoras nesse sentido, acho que temos o principal, fãs fieis do estilo.
Aliás, essa tour vai marcar o lançamento do Save us From Ourselves em vinil pela Ragingplanet. Como tem sido a recepção do disco nesses meses e essa versão vai ter alguma música bônus ou algo diferente do CD?
A gente não esperava essa repercussão em torno do S.U.F.O, em quase todos os lugares do mundo a opinião é a mesma, que esse é o melhor disco da nossa carreira e também um dos melhores lançamentos do ano.
Isso é realmente incrível, depois de tantos anos conseguir algo assim é gratificante demais. Rolou esse acordo com a Ragingplanet que pra nós é muito legal, ter esse trabalho em mãos no vinil distribuído em Portugal que tem entrada para o resto da Europa, é a cereja do bolo. Nessa bolacha teremos alguns bônus ao vivo de um show que rolou São Paulo.
Vocês anunciaram recentemente um “split show” com o Surra, intitulado Surralmado. Como vai ser essa parceria das bandas e alguma chance de sair um disco a partir disso?
Essa ideia é algo que queríamos colocar em prática há muito tempo, sempre pensei que poderia rolar algo do tipo, LADO A CONTRA LADO B, um show intenso, com as duas bandas tocando sem intervalo. Estamos pensando em filmá-lo e tentar captar o melhor áudio possível para ver se transformamos em material de vídeo. Pode ser que ainda role um split com os caras, é uma ideia para o futuro, mas tem de ser algo bem diferente do habitual.
E, além do Surra e do Besta, com quais outras bandas vocês sentem esse tipo de afinidade, em termos de som e ideologia, digamos?
Em termos de som e ideologia, acho que tem o Manger Cadavre?, Facada, Expurgo, Ratos de Porão, são ótimos exemplos que conseguem unir as duas coisas que mais estamos identificados. Em termos de sonoridade, particularmente sou um grande fã do Krisiun, hoje somos amigos dos caras e eles conseguem nos inspirar pela atitude e trabalho que desempenham a todos esses anos em nome do death metal brasileiro. As afinidades sempre irão se misturar em termos de letras e musicalidade.
O Desalmado sempre foi uma banda com letras fortes, trazendo críticas políticas e sociais. Por isso, queria saber como você vê esse crescimento da direita e do conservadorismo no Brasil e no mundo e acha que falta um posicionamento mais claro das bandas de metal sobre isso de forma geral – seja em letras ou apenas falando sobre o assunto?
Em primeiro lugar, acho que o crescimento do conservadorismo e da extrema direita é reflexo da decadência do sistema capitalista, por isso esse levante no mundo inteiro, não apenas aqui.
Eu não gosto de impor que sujeito deve ser isso ou aquilo, cada um é livre para expor a opinião que quer, mas tem de estar pronto para receber críticas e ser confrontado. As bandas que pertencem ao campo progressista devem sempre estar dispostas ao enfrentamento, independente das circunstâncias. O debate de ideias é necessário sempre e é isso que move o mundo, nesse momento não dá para tirar o pé de questões importantes e nós acabamos sendo parte desse grande movimento em torno da batalha de ideias.
Essas são as duas últimas. Por favor, me fale três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
Essa é a parte que mais gosto, sou um eterno apaixonado pelo metal extremo.
«Altars Of Madness» (1989), do Morbid Angel, sempre será o meu disco da vida, tanto é que tenho o braço tatuado com a capa, foi o primeiro contato que tive com o death metal e dali em diante tudo mudou. É um disco único, é o Morbid em sua essência.
«World Downfall» (1989), do Terrorizer, a bíblia do grindcore, a perfeição, o disco que mostra que o metal extremo pode ser incrivelmente musical e ao mesmo tempo sujo, passando das letras a cada detalhe instrumental, é um disco que nunca será superado.
«Wolverine Blues» (1993), do Entombed, esse disco sempre foi o meu preferido da banda. Passei a vida toda ouvindo, mas depois de ter me tornado “musico” e ouvi-lo novamente, percebi sua grandiosidade, esse álbum me ensinou a importância de uma bateria simples em uma banda pesada, Nick é certeiro em tudo o que fez ali, conseguiu impor groove a distorções pesadíssimas e fez com que todas as linhas de guitarra ficassem incríveis.
E do que tem mais orgulho nesses quase quinze anos de estrada com o Desalmado?
Ter criado algo consistente, sólido e que vem construindo uma base de fãs fieis, assim como aprendi com grupos que admiro. Além dessa construção que continua sendo edificada, acho que o S.U.F.O premia os 4 sujeitos que continuam apaixonados pelo som que fazem, isso com certeza é a nossa maior recompensa.