Falar de SYLVAINE, a multi-instrumentista e compositora nascida Kathrine Shepard, é falar de um espírito que existe para além do véu da convenção e dos estereótipos. Não se trata de uma mulher que tenha embarcado recentemente no tropo da folk melódica e obscura em voga nos tempos que correm, e que se tornou tão predominante na cena do metal mais alternativo, mas sim de uma compositora e arranjadora classicamente treinada, cujas canções explodem contra as ilimitadas convenções do que a música pesada contemporânea pode ser. Desde que surgiu em cena, corria o ano de 2013, desenvolveu uma abordagem muito própria ao blackgaze através de uma sequência de LPs amplamente elogiados. Após o lançamento de «Atoms Aligned Coming Undone», em 2018, voltou uma vez mais a surpreender com «Nova», uma experiência auditiva que se afirma, simultaneamente, como um despertar musical e pessoal de uma artista versátil, que tem vindo paulatinamente a encontrar o seu próprio caminho no mundo em que se move.
Sentes que a tua vida mudou muito desde que criaste este projecto?
Sim, definitivamente. Passei uma série de anos fixada nos meus estudos e a criação deste projecto coincidiu exactamente com o último ano na universidade, em Oslo, onde tirei um bacharelato em musicologia. Até aí tinha estado a estudar e focada noutros projectos que são eram especificamente meus, por isso achei que já estava na altura de fazer o que realmente queria. Quando tomei esta decisão e disse a toda a gente que tinha começado uma banda – no início ninguém sabia, porque eu própria não acreditava que conseguisse fazer isto e mantive tudo em segredo – a minha vida mudou imenso. Os últimos anos têm sido incríveis e todos os dias me sinto grata por isso – e por puder passar o meu tempo a fazer aquilo de que gosto.
Estavas a dizer que, no início, te sentias pouco confiante… Quando conseguiste livrar-te dessas inseguranças?
Depois do primeiro álbum ser editado, porque inicialmente, quando comecei a trabalhar nesse disco, nem sequer sabia bem se o ia conseguir terminar. Quando o terminei, senti-me fantástica e comecei finalmente a partilhá-lo com outras pessoas, depois de meses e meses de trabalho em segredo. As reacções, felizmente, foram logo todas muito boas e foi nesse momento que percebi que a minha música podia significar algo muito especial para as outras pessoas. Até então, a ideia de tocar outras pessoas com as minhas canções era estranha e inacreditável, mas a partir do momento em que me vi confrontada com esse facto, não tive outra solução senão adaptar-me. Foi a aceitação dos meus amigos, do público e da imprensa que me deram força para seguir em frente e me ajudaram a livrar-me de todas essas inseguranças com que lutei durante uma série de tempo.
E, entretanto, não mais olhaste para trás. O projecto “a solo” passou a banda e a tocar ao vivo. Como correu esse processo de adaptação?
O momento em que decidi formar uma banda, para tocar ao vivo, foi, provavelmente, o mais crucial no crescimento de Sylvaine. Quando fazes tudo sozinho, por um lado é mais fácil, mas também tem as suas dificuldades. Os primeiros espectáculos que fiz, por acaso, até foram sozinha, só eu e a guitarra. Foram mais fáceis, porque só tive de lidar com os meus próprios nervos, mas por outro lado… Quando tens algo tão pessoal, não é fácil abrir mão e entregá-los a outros músicos. Nos primeiros ensaios que fizemos como banda, estávamos a tentar entrar na cabeça uns dos outros e foi estranho ouvir outras pessoas a tocarem as minhas partes e a porem um pouco de si nas minhas ideias.
É fácil lidar com isso?
Foi mais fácil com umas pessoas que com outras, isso é certo. [risos] Já tive uma série de gente na banda e, sinceramente, têm sido todos óptimos a fazer o seu trabalho. E todos se mantiveram muito respeitosos da música. Há sempre quem tenha mais necessidade de colocar mais da sua cor no trabalho, independentemente do que esteja a tocar, o que é natural porque a música é uma forma de auto-expressão. Às vezes é difícil encontrar uma solução com que todos fiquem satisfeitos e acaba-se com um compromisso. Eu sou um bocado control freak, mas sei que não lhes posso dizer exactamente como tudo tem de soar. Hoje em dia ainda fico maravilhada quando tocamos ao vivo, ver a minha música tornar-se real através dos instrumentos de outros músicos, que estão a interpretá-la, é um bocado surreal. É algo muito interessante, uma experiência muito cool.
Achas que a experiência de teres começado a tocar ao vivo com regularidade teve impacto na composição dos discos mais recentes?
A partir do momento em que se começam a levar as canções para o palco, há tendência para pensar nisso quando se está a compor. Não vou dizer que tem uma influência directa, porque acho que não tem, e não teve, mas estive mais alerta para o que é possível recriar ou não ao vivo.
Ao longo dos anos tens colaborado com o Neige, dos Alcest. Artisticamente, o que é que vos une?
No que toca à música, temos formas de pensar muito semelhantes. Estamos muito ligados na forma como falamos do que falamos na nossa música e como vemos as coisas, por isso, quando o conheci, há muitos, muitos anos, percebemos que tínhamos uma ligação e que seria interessante trabalharmos juntos. Tem sido um parceiro perfeito e crucial para o que tenho feito ao longo dos anos. Além disso, sinto que é alguém que percebe o que quero transmitir com a minha música, por isso tem sido uma mais-valia enorme.
Como sabes, uma colaboração tão forte acaba por dar origem a comparações. Sentes-te aborrecida por estarem sempre a traçar paralelos com os Alcest?
Não, a sério que não. Não interpreto essas comparações como algo negativo. É óbvio que toda a gente quer ser a sua própria “coisa” e, no espectro da criação, ninguém quer estar constantemente a ser comparado com outro artista, isso é lógico, mas… A música que o Neige faz com os Alcest é fantástica, por isso não posso olhar para essas comparações como algo prejudicial. Espero, claro, que as pessoas sintam que o que faço é pessoal, mas é óbvio que tem ligações fortes aos Alcest – não vou negá-lo.