Foi sob o olhar atento de Kathrine Shepard – sim, essa mesmo, a Sra. SYLVAINE; que estava ali do lado do direito do palco, junto ao acesso ao backstage, a observar de forma atenta a sua banda de suporte – que E-L-R deram início à sua actuação. Com «Vexier», o mais recente LP do trio suíço a dar o mote, o arranque foi dado precisamente com os dois temas de abertura do disco e, verdade seja dita, seria difícil imaginar um exemplo mais evidente da dicotomia que caracteriza a música desta gente. Em compasso lento, o primeiro desses temas, «Opiate The Sun», desenvolve-se a meio tempo, a invocar as melodias tipicamente pós-metal que não soariam deslocadas num álbum dos Cult Of Luna. O segundo, «Three-Winds», acaba por surpreender sobretudo pelo contraste, com o início num frenesim de tremolo picking que, primeiro, os coloca mais próximos do pós-black metal, mas que acaba inevitavelmente por desembocar num groove pesadão. O riff apela, simultaneamente, à introspecção e ao abanar de cabeça com um bom embalo. Que o diga Kathrine Shepard, a agitar gentilmente a melena em sinal de aprovação. A artista acaba rapidamente por ser interrompida, chamada a resolver um qualquer assunto de última hora nos bastidores, mas nós ficamos ali a sentir as ondas de peso que vêm do palco. Apoiadas de forma estóica num baterista sólida como uma rocha, as protagonistas na boca de palco – Selina Muth na guitarra e Isabelle Ryser no baixo, ambas com o seu microfone à frente e uma associação aos black metallers KARG – vão dividindo as despesas vocais de forma equilibrada, entre um registo mais xamânico e a profundidade do ocasional ataque gutural. Sem qualquer interação com o público, nem mesmo quando só se ouve o roncar dos amps na sala, teimam em deixar a música falar mais alto sem quaisquer distrações. E fazem bem, porque as tensões vão oscilando, ora mais intensas, ora mais etéreas, com a banda, apoiada em «Seeds», «Fleurs Of Decay» e «The Wild Shore», a construir uma teia sonora que consegue arrastar de forma eficaz para 2023 um som que, apesar de já não puxar o público que puxava na viragem do milénio, continua a apelar a uma franja que, por muito que custe admitir, já não chega para encher a sala 2 do LAV – Lisboa Ao Vivo.
ALINHAMENTO E-L-R: Opiate The Sun | Three Winds | Seeds | Fleurs Of Decay | The Wild Shore
Shepard, a timoneira e principal visionária de SYLVAINE, continua em digressão para divulgar seu último LP de estúdio, o muito aplaudido «Nova», que foi editado em Março do ano passado e que a trouxe agora pela primeira vez a Portugal em dois concertos integrados numa rota ibérica. Sendo que se tratava precisamente de uma estreia, nesta ocasião o alinhamento abrangeu toda a sua discografia, agradando aos fãs mais antigos e aos mais recentes que, sem nunca terem ultrapassado as escassas centenas de pessoas, compareceram ao chamado. Pontualmente, e com o plácido tema-título do mais recente álbum a servir de introdução tocada através das colunas do P.A., o quarteto conseguiu atrair a atenção do público assim que “aquela” voz angelical começou a encher a sala. Já com os músicos a tocarem, seguiu-se a muito mais intensa «Earthbound», da estreia em LP, «Wistful», e ficou desde logo bem claro que a plateia tinha ficado cativada desde o primeiro momento. Contrastando com a abordagem mais gradual da abertura, o primeiro tema “a sério” do alinhamento revelou-se absolutamente esmagador com as suas ondas de guitarras pesadas, batidas muito fortes e voz estridente. Resultado, a multi-instrumentista, em palco dedicada apenas ao microfone e à sua guitarra, não precisou de mais de dois ou três minutos para mostrar que é capaz de uma registo angelical e de um grito lancinante e desagradável que faria corar muitos dos seus pares mais trve kvlt. Isso, claro, muito contribui para a criação de uma dualidade textural impressionante, aquilo de que este som “post” vive acima de tudo o resto. De melodias suaves e gentis a um sofrimento uivante, e intercalando temas mais antigos com composições do mais recente «Nova», tanto a cantora como a sua muito competente banda de apoio criaram um som capaz de rasgar a tranquilidade pacífica da noite de Primavera antecipada, expuseram ali toda a intensidade da sua música e agraciaram a multidão com um som melancólico mas intenso, numa espécie de manual de instruções pensado ao mais ínfimo pormenor para fazer bem o que é habitualmente descrito como blackgaze. Para encore ficaram guardados mais dois temas antigos, «A Ghost Trapped In Limbo» e «Mørklsgt», e a actuação chegou ao fim com Kathrine Shepard, sozinha em palco, transformada no centro de todas as atenções, a cantar uma arrepiante versão da tradicional «Eg Er Framand».
ALINHAMENTO SYLVAINE: [intro] Nova | Earthbound | Nowhere, Still Somewhere | Abeyance | Fortapt Thrjar | I Close My Eyes So I Can See | Mono No Aware | Encore: A Ghost Trapped in Limbo | Mørklagt | Eg Er Framand