SWR — BARROSELAS METALFEST | Dia 1 | 28.04.2023 [reportagem]

Finalmente! Depois do SWR Feast de 2022 a meio-gás (ainda assim, um rico gás) e do promissor dia 0 desta edição, eis-nos perante um dia a sério de Barroselas, a começar às cinco da tarde e a acabar às… horas que Satanás bem lhe apetecer, como é óbvio. Porque já ninguém tem paciência para relatozinhos lineares, nem este festival único se presta a convencionalidades só porque sim, demos aqui uma volta a isto, de forma a trazer-vos, acima de tudo, os sentimentos principais com que ficámos depois do mergulho a fundo neste dia inicial do SWR 23. Aqui vamos nós…

Destaque: PROFANATICA

foto: Estefânia Silva

Muito à semelhança dos Autopsy, os Profanatica são um nome lendário no cenário underground extremo norte-americano (também no resto do mundo, porque não?). Apesar de não estarem propriamente a estrear-se em solo luso, depois de por cá terem passado para uma actuação no extinto Le Baron Rouge nos idos de 2016, eram indubitavelmente um dos nomes fortes desta edição. Vamos lá ser realistas; o que íamos ter pela frente é uma instituição, uma das primeiras bandas a adoptar a estética black metal do outro lado do Atlântico, comandada com punho de aço pelo incontornável Paul Ledney, o homem que saiu dos Incantation porque queria fazer música ainda mais brutal (!) e que, pelo caminho, até com o G.G. Allin tocou ao vivo. E sim, é certo e sabido que o respeito é muito bonito, mas que um legado não se faz apenas do passado, mas os Profanatica têm continuado a gravar de forma consistente e não deixaram créditos por mãos alheias no SWR Arena. A começar nesta noite o seu mais recente périplo pelo Velho Continente,  o trio tomou o seu tempo para iniciar os procedimentos e, mesmo ao longo da actuação, notou-se a necessidade de limarem algumas arestas. Entre si; entenda-se; o que passa cá para fora é jarda da boa. Facto: quando uma tour começa, ainda mais uma com início tão caótico como indiciam as movimentações frenéticas do tour manager/merch guy ao longo do dia, é natural que ainda nem tudo esteja 100% no sítio. E sim, também é verdade que, quando tocarem no RCA Club, em Lisboa, a 27 de Maio, provavelmente vamos vê-los ainda mais coesos. No entanto,  detalhes como esses, reflexo de uma busca por equilibrio entre os pés em palco, ocasionalmente com os olhares fixos uns nos outros, afectou a força da brutal descarga com que nos brindaram. Escondidos atrás das suas habituais vestes ritualistas, apoiados num som alto, mas bem definido (e em que aquele tom hiper agreste e cortante do baixo acabou por fazer muitas das despesas do estrago), os músicos debitaram temas com títulos tão sugestivos como «Sacramental Cum», «Mocked, Scourged And Spat Upon», «Final Hour Of Christ» ou «Spilling Holy Blood». Em suma, fomos brindados com uma enxurrada implacável de distorção grave e explosiva cortesia da secção rítmica, vocalizações rosnadas – com o Sr. Ledney, sentado atrás da bateria, a ser o foco de todas as atenções – e riffs de guitarra macabros, cruzados com elos alucinados. A proverbial cascata infinita de metal cru, old school e totalmente demoníaco, que não oferece descanso, melodia ou qualquer merda dessas que não interessam para nada neste campeonato. Garantida a destruição ara os fãs mais brutos do género, a gente que se desloca anualmente a Barroselas, não precisaram sequer de fazer grande esforço para conseguirem sugar a audiência num vórtex de caótico black/death/doom, capaz de satisfazer qualquer afecto da tradição de Ross Bay ou até o mais metaleiro mais incauto, mas que não se furta a ser massajado por colossais descargas sónicas de distorção pela madrugada dentro. [J.M.R.]


Destaque (menção honrosa): IMPERIAL TRIUMPHANT

foto: Estefânia Silva

Termos como avant-garde e free jazz são usados a torto e a direito, mas circunscrever a capacidade musical dos IMPERIAL TRIUMPHANT a esses chavões genéricos raia a blasfémia. Não há experimentação e a cacofonia é apenas aparente. O que este segundo concerto no SWR (agora no palco principal) revelou, uma vez mais, foi uma macabra exactidão matemática nas baterias, pejadas de fills que quase só saem de cena para os momentos de blast, pontuadas por um insano e quase ininterrupto duplo bombo.
Desde «Tower Of Glory, City Of Shame», que abriu o concerto, a execução frenética das escalas pelo baixo, a colagem harmónica que fez entre o ritmo e os cromatismos dissonantes da guitarra, criou uma atmosfera de horror e demência inigualável. Então os acordes e os leads das guitarras em intervalos e modos de escala “estranhos”, mesmo sem os preenchimentos melódicos dos coros ou dos metais que sucedem em disco, são a coroação de uma capacidade triunfal de (para lá do jazz ou do metal) fazer música. Zachary Ezrin (guitarra), Steve Blanco (baixo) e Kenny Grohowsky (bateria), sem o conforto de backing tracks (apenas uns samples aqui e ali), revelaram um tremendo arrojo e assombrosa proficiência instrumental como power trio, usando de algum improviso e de maior acidez psicadélica nos efeitos para conseguirem evocar horror Lovecraftiano e bad trips de heroína. Se duvidam, basta dispararem a interpretação de «Metrovertigo» no livestream no YouTube do SWR. «Atomic Age» e a forma brusca como cada um dos instrumentos interage, tal como secção do temas, abriu espaço à magistral performance de Grohowsky. As cordas como que removeram as notas mais óbvias, preservando o seu preenchimento harmónico, mas fazendo curvas de aproximação a cada uma das secções do tema. E depois, são as síncopes e as melodias rítmicas da bateria, a fundir swing e blasts de forma prodigiosa, que colam estas aparentes antíteses. O momento de Blanco brilhar chegou depois de «Transmission To Mercury», com um solo colorido a absinto. O concerto, quase exclusivamente centrado nos álbuns «Alphaville» e «Spirit Of Ecstasy», relevou ainda as duas facetas que a banda ostenta precisamente nestes dois registos, o estranhamente inacessível e o facilmente acessível. Uma coisa digna de Zappa. [N.]


Surpresa: GALLOWS RITES

foto: Estefânia Silva

A ocuparem o lugar originalmente destinado aos Necrobode, que deviam estar na estrada com os Profanatica, mas que acabaram por cancelar a sua participação em toda essa digressão europeia (e, consequentemente, a actuação no SWR), os Gallows Rites foram chamados à última hora para taparem um aborrecido buraco no alinhamento e, depois de terem saído de palco, percebeu-se de imediato que tinham captado a atenção de quem os viu, mesmo que distraidamente, na SWR Arena. Formado em plena pandemia, corria o ano de 2020, o quarteto formado por Hellkrätus, Evil Slaughter, Sordidus e The Dreadful parece ter saído de uma máquina do tempo e, apesar de não almejar fazer nada de revolucionário ou inovador, revelou-se uma promissora proposta de retro blackdeathrash que tanto invoca o caos proto-black/death sul-americano de uns Sarcofago com o thrash teutónico de uns Sodom ou Destruction dos seus princípios. Com as devidas distâncias, porque ainda lhes faltam muitos quilómetros nas pernas para apresentarem coesão semelhante, podem bem ser vistos como uma espécie de Nifelheim nacionais, e os temas do EP de estreia «Witchcraft And Necro Desecration» soaram fortes (e familiares) o suficiente para porem quem tinham pela frente de orelha em pé. [J.M.R.]


Surpresa (menção honrosa): CRISIX

foto: Estefânia Silva

A popularidade dos espanhóis Crisix em Portugal estava em crescendo, com uma mini digressão nacional esgotada, e eram tudo eram bons augúrios para o futuro dos catalães até que aconteceu a pandemia. Felizmente, os músicos não perderam muito tempo e, com a novidade «Full HD» e centenas de concertos na bagagem, partiram definitivamente para o salto que lhes poderá valer a internacionalização em larga escala com o seu thrash aguerrido. O LP foi registado em Barcelona, mas com mistura e masterização nos Estados Unidos, pela mão de Ete Rutcho, e editado pelo selo francês Listenable Records. Cheios de boa disposição e riffs letais a rodos, saíram da experiência a soar como a banda-sonora perfeita para musicar uma festa bem regada a cerveja e com cheiro inconfundível de pizza de queijo no seu crossover thrash. Nuestros hermanos tocaram como demónios, com enorme groove nos temas e muita diversão em malhas carregadas de intensidade. Com muito público diante do palco, isso criou uma atmosfera mais vibrante, potenciada pelos refrães energéticos e orelhudos de malhas como «Macarena Mosh» ou o antémico tema que partilha o título com o mais recente disco. Julian Baz (voz), Albert Requena Marc Busque (guitarras), Pla Vinseiro (baixo) e Javi Carrion (bateria) deram-nos um concerto sem fillers e centrado nesse excelente álbum que é o tal «Full HD», abrindo logo com um dos seus temas centrais («W.N.M. United») e sem deixar de fazer a ocasional visita uma discografia que já vai longa e consistente. A meio disso, um medley que msiturou «Hit The Lights», dos Metallica, «Walk», dos Pantera, e «Antisocial», dos Anthrax, meteu o SWR em ebulição. Vale ainda a pena fazer alusão a algo que não diz respeito apenas a este concerto, tendo sido comum a todos os que decorreram no palco Abyss: o melhor som de sempre na porra do Barroselas! [N.]


Produto Nacional: KRYPTO

foto: Estefânia Silva

Os três elementos que compõem os KRYPTO têm já todos uma história interessante no panorama do peso alternativo nacional, em particular o tresloucado e imparável vocalista Gon, que desde os Zen até aos Plus Ultra tem um currículo invejável, mas ao sermos submetidos ao rolo compressor sonoro do trio ao vivo, até esse rico passado se parece apagar da nossa mente. Somos invadidos pelo discurso inegável e imparável de Gon até ao ponto em que deixa de haver espaço no cérebro para mais nada, e a pouca sanidade a que nos conseguirmos agarrar é varrida pelo espesso lamaçal que a dupla instrumental Martelo e Chaka (i.e., os Greengo) vai criando como suporte para os devaneios estrondosos do seu frontman. É aqui que se vê que somos pequeninos e com um alcance limitado – uma proposta com estas características, que tanto arrasa em Barroselas, como foi o caso, como num Primavera, ou num Rock In Rio, num Sonic Blast ou numa cave qualquer com 30 pessoas aos encontróes umas às outras, algo tão visceral que acaba por ser universal, se tivesse outra origem, já andava por aí a ser atirada pelos BrooklynVegans e pelos Pitchforks desta vida como os novos Oxbow, ou coisa que o valha. Assim, continuam a ser um segredo infelizmente bem guardado aqui no rectângulo do fundo da Europa, mas pelo menos consideremo-nos sortudos por termos a oportunidade de partilharmos a confidência deste segredo. Para que conste – os Krypto estão aqui na categoria do Produto Nacional, e muito bem, mas foram facilmente o melhor concerto deste primeiro dia, e como tal o grande destaque é mesmo para eles. Honra lhes seja feita. [J.C.S.]


Produto Nacional (menção honrosa): VAI-TE FODER

foto: Estefânia Silva

Directamente vinda de Braga, mais especificamente d’O Poço, esta malta dos Vai-te Foder tem crescido a olhos vistos. Muitas vezes confundidos com uma mera party band que nos pões um sorriso nos lábios – porque… bem, basta olhar para o nome e dizê-lo em voz alta – são hoje muito, muito mais, que isso. É verdade que, na memória, trazíamos a presença de há uns anos neste mesmo palco, em que, à semelhança do que se passou no fim de semana passado, encerraram mais um dia de devastação com um bailarico dantesco. Nesse ano foi rocambulesco, com a banda a debitar uma sova caótica para um plateia à beira da loucura. No entanto, se nessa ocasião se tinham revelado mais inesquecíveis pelos pormenores periféricos e bizarros (um cão a fazer crowdsurfing, por exemplo) do que pela música propriamente dita, desta vez causaram uma impressão bem diferente. Como se tivessem renascido no caos de outrora, em 2023 os VAI-TE FODER já têm duas décadas de percurso às costas e estão transformados numa unidade tão sólida que, mesmo com poucos ensaios e com um retorno imperceptível em cima do palco, como os ouvimos dizer no bar da piscina, parecem estar num ponto em que não conseguem dar um espectáculo menos sólido. Entre o grind, o punk crust e o metal, armados com os temas da novidade «Cansado» (que estava a ser lançado naquele dia) e também com alguns petardos mais antigos, o que fizeram foi fustigar a audiência com as suas cuspidelas de bílis disfarçadas de canções. A plateia, claro, fez a festa o melhor que pôde. E não, este ano, não houve momentos bizarros fora do palco que tenham ficado para a memória mas, lá em cima, mostraram-nos uma garra do caraças – e isso também não se esquece. [J.M.R.]


Desilusão: PIG DESTROYER

foto: Estefânia Silva

Mais de duas décadas e seis álbuns depois, muito boa gente aguardava com ansiedade redobrada a estreia dos PIG DESTROYER em Portugal – o problema talvez tenha sido mesmo esse, estávamos todos com as expectativas demasiado elevadas. Talvez nem todos, mas aqueles que os seguem do início, que já os viram, que tentam analisar além do imediato. Apesar do mais recente LP do grupo, o «Head Cage», de 2018, ter apresentado mais nuances e uma descarga menos frenética do que é habitual no cânone grind… Bem, por enquanto esta ainda continua a ser uma das propostas mais desafiantes saídas do grindcore nas últimas décadas. Claro, o que se esperava aqui era uma boa descarga “daquelas”. Foi o que nos serviram, mas numa versão diferente, e menos atraente, do que tínhamos antecipado. Verdada seja dita, tecnicamente não há defeitos a apontar ao colectivo da Costa Leste dos Estados Unidos, que revelou a sua capacidade, aparentemente imaculada, de contrastar uma postura enérgica com uma solidez musical impressionante. Novo baixista, Travis Stone (um ex-membro dos Noisem) e o exímio Adam Jarvis atrás do kit, a manterem uma solidez incrível durante todo o concerto? Check. O renegado sónico, estivemos até hoje a tentar apanhar-lhe o nome (sem sucesso), que substituiu Blake Harrison a libertar samples entre e durante os temas como pontualidade britânica? Check. O arquitecto musical do grupo, Scott Hull, a dominar a sua peculiar riffagem espástica sem quaisquer problemas, sem repetir um riff que seja? Check. J.R. Hayes, o poeta macabro, sempre na boca do palco, a contorcer-se como se estivesse possuído e a provar que não perdeu nenhuma da força e versatilidade vocal que o tornou famoso ao longo dos anos? Check. Tudo no sítio, dirão alguns; tudo DEMASIADO no sítio, dirão outros tantos. De certa forma, a experiência que tivemos ali, quando queríamos “barulho” descontrolado, foi em tudo semelhante à de ouvir um disco dos PIG DESTROYER em casa. Ora bem, se fosse para ouvir música na segurança do lar, não tínhamos ido quatro dias à irredutível meca do underground nacional, correndo o risco de virmos de lá com a peste outra vez. Mais que as tais expectativas, esse foi o maior problema da estreia dos norte-americanos por cá, porque quando estamos à espera de perigo a precisão cirúrgica não chega. Também não ajudou que tivessem adoptado aquele groove maquinal do último LP e uma postura tão “festiva”, quando aquilo que os destaca sempre foi uma visão uber macabra e sinistra da  sonoridade em que se movem. Mesmo assim, apoiados num alinhamento feito por blocos, em que tocaram vários temas de um mesmo álbum de seguida, revisitaram quase toda a sua carreira e até atingiram um pico de intensidade tardio com as micro descargas da estreia «Prowler In The Yard». Se foi bom? Foi. Marcante? Nem por sombras. Se correspondeu às expectativas? Nem por isso. [J.M.R.]