Depois do SWR Feast do ano passado (recordar: aqui e aqui), edição de transição pós-pandemia que, mesmo em versão limitada, nos conseguiu trazer de volta o espírito único do festival extremo mais lendário do país e provar que é preciso mais que uma pandemia para nos mandar abaixo, eis-nos agora perante a primeira edição do SWR “a sério” depois daqueles anos horríveis. A verdade é que, não nos tendo mandado abaixo, e não sendo só por causa da pandemia, as repercussões dos tempos difíceis que vivemos ainda se fazem sentir, não só mas também, na indústria musical, e em particular na sua vertente das actuações ao vivo. Estão sobejamente documentadas as dificuldades que os eventos deste género, sejam grandes ou pequenos, vivem hoje em dia. Custos constantemente a subir em flecha, bandas cada vez mais indisponíveis ou também elas sujeitas a ter que pedir valores inatingíveis ao comum dos promotores mortais para conseguirem sobreviver, tudo isto já levou a que vários festivais tenham desaparecido pelo mundo fora, ou pelo menos tirado um ano de folga, como aconteceu por exemplo com o Psycho Las Vegas, só para mencionar um dos maiores e cujo cancelamento mais nos surpreendeu. Isto tudo para enaltecer ainda mais o mérito dos irmãos Veiga e restante organização do SWR, que num mercado de nicho, tantas vezes injustamente tratado num país ele próprio “de nicho” também, continuam a resistir, firmes como o aço.
Verdade, o cartaz deste ano, na sua globalidade, poderia não ter o apelo instantâneo de outros anos mais… marcantes, digamos assim. Mas para além dos nomes incontornáveis que terão levado a Barroselas a maior parte do muito público que respondeu presente — vá lá, só a presença do “tio” Tom G. Warrior já valia o bilhete, ou não? –, houve também, dentro das bandas de média e pequena dimensão, muito valor emergente a marcar a sua posição, fazendo com que o balanço final seja francamente positivo. E não foi só uma questão de sobreviver — a própria estrutura e logística do festival sofreu alterações e evoluções, com as pulseiras electrónicas para entrada e saída e o sistema cashless a parecerem finalmente estar no ponto perfeito de funcionamento, por exemplo, e com a passagem para o modelo de dois palcos, o “de dentro” (Abyss Stage) e o “de fora” (Arena Stage), a tornar a mobilidade muito mais fácil e cómoda. Nos próximos dias vamos fazer o balanço detalhado deste fim-de-semana grande obrigatório no calendário da música pesada nacional, começando hoje pelo já habitual Dia 0.
Ao contrário do que tem sido costume, este ano não houve Wacken Metal Battle, mas o formato deste primeiro dia, em que só o Arena Stage esteve em funcionamento, acabou por ser o mesmo, com quatro bandas nacionais a servirem de anfitriões para as boas-vindas ao pessoal que teve oportunidade de chegar mais cedo. E já eram bastantes os que se encontravam no recinto para saudar os PLEDGE. Poucas bandas teriam sido mais apropriadas para dar um tiro de partida que ponha logo tudo a mexer com esta naturalidade — aliás, só as vociferações ferozes de Sofia Magalhães já bastariam para deixar tudo em sentido. Como o quinteto já nos habituou, a transposição das subtilezas do seu post-hardcore — com destaque quase total para o último «Haunted Visions» — para o palco foi perfeita, mantendo todas as toadas de cinzento mas sem nunca descurar o imediatismo e a fúria. Dado o mote, coube aos HUNTED SCRIPTUM estarem à altura, tarefa nada fácil que se revelou, para os bracarenses, de uma naturalidade desarmante. Estão ali num misto interessante de caminhos — por um lado, já andam nisto há quase vinte anos e têm essa credibilidade para quem está mais atento ao underground nacional, mas por outro, vivem actualmente o entusiasmo do regresso à actividade e da edição há muito esperada do seu longa-duração de estreia, «Paracusia», que teve finalmente lugar em 2022. Ambos se notam na performance da banda, tanto a experiência como a excitação — com o vocalista José Santos a entrar em palco de cadeira de rodas e num colete de forças, a forma como rapidamente se levantou e libertou para começar a explosiva actuação foi quase metafórica. A apoteose deu-se com «Slay, Kill And Torture», ficando a certeza de que temos nome fiável para o nosso contingente de death metal thrashado no futuro.
Seguiram-se os PRAYERS OF SANITY, e se se quiserem sentir um bocado velhotes, basta lembrar que os thrashers algarvios já estiveram numa posição semelhante, englobados num conjunto de bandas nacionais no Dia 0, quando venceram a Wacken Metal Battle há… treze anos atrás! É verdade, foi em 2010, quando ainda só tinham editado a sua estreia no ano anterior, «Religion Blindness», que a história dos PRAYERS OF SANITY em Barroselas começou a ser escrita, e como que reconhecendo essas origens, a banda incluiu três temas desse álbum de estreia numa actuação bastante equilibrada, recuperando malhas de todos os seus trabalhos de estúdio. A verdade é que, escolham as que escolherem, todas vão ser descargas de thrash à 80s, de energia imparável, com o acréscimo de já se notar a rodagem da banda na facilidade com que conseguem tomar conta de qualquer público. Circle pits e movimento violento com fartura durante toda a noite, mas o cansaço ainda não se tinha apoderado da audiência ávida por mais barulheira (lá chegaria, uns dias depois), pelo que os NAGASAKI SUNRISE caíram que nem ginjas como fecho desta noite introdutória. Pouco falatório, muito rock’n’roll sujo e apunkalhado, e cá vai disto. Incluindo mesmo alguns temas novos pelo meio das selecções esperadas que foram retiradas de «Turn On The Power» e de «Distalgia», com o tema-título do EP a servir de ponto final — ou de exclamação, mais correctamente — de uma prestação plena de caos, velocidade e confusão em frente ao palco. Estava dado o mote para os três dias que se iriam seguir…
FOTOS: Estefânia Silva