Max Cavalera reacende o seu fogo tribal num disco dos SOULFLY que combina brutalidade, memória e transcendência.
Há artistas que parecem feitos de uma matéria diferente. Aos 57 anos, Max Cavalera continua a recusar a ideia de abrandar — e «Chama», o 13.º álbum dos SOULFLY, é a mais recente prova de que a chama do veterano brasileiro não se extingue, apenas muda de cor, intensidade e direcção. Enquanto muitos dos seus contemporâneos se resignam à nostalgia, Max continua em plena combustão criativa, alternando entre o revivalismo dos NAILBOMB, as reinterpretações de clássicos dos SEPULTURA com os CAVALERA CONSPIRACY, e este novo capítulo do projecto que há mais de 25 anos se alimenta do seu instinto mais visceral.
O título, «Chama», vai muito para além da tradução literal; é também uma referência directa ao grito de guerra do lutador de MMA Alex Pereira, uma espécie de invocação de energia bruta e indomável — e é exatamente isso que se ouve ao longo destas onze faixas. O novo dos SOULFLY é um proverbial rugido de resistência, uma catarse tribal, um manifesto contra a estagnação.
O arranque com «Storm The Gates» é de um poder primitivo quase assustador. O tema, com pouco mais de dois minutos e meio, soa como o encontro entre os SOULFLY mais pesados e a electrónica infernal de um Mick Gordon. As guitarras cortam o ar como lâminas incandescentes, e a produção parece prestes a implodir sob o peso da própria distorção — há um momento em que se ouve literalmente o som de um amplificador a colapsar, como se o próprio estúdio tivesse sido engolido pela fúria.
Segue-se «Nihilist», que eleva ainda mais a intensidade, como se o planeta inteiro tremesse sob o peso dos graves. No entanto, é com «No Pain = No Power» que o álbum encontra o seu equilíbrio perfeito entre passado e presente: o groove percussivo e os cânticos tribais remetem para «Roots» e «Primitive», enquanto o peso mecânico e serrado recorda os SLIPKNOT e FEAR FACTORY. É uma síntese poderosa da identidade dos SOULFLY — o espírito guerreiro do metal tribal misturado com a agressividade industrial e moderna.
A primeira metade do disco é, de resto, pura devastação. «Ghenna» avança com influências de grindcore e rasga tudo à frente a mil por hora, enquanto «Black Hole Scum» mergulha numa raiva política abrasiva, ecoando MINISTRY e NAPALM DEATH. São temas que demonstram que Max ainda tem muito a dizer — e que o faz sem filtros, sem medo e sem concessões.
É, no entanto, em «Always Was, Always Will Be» que se sente a faceta mais retro de «Chama». A canção funciona quase como uma celebração da própria carreira de Max Cavalera: riffs que soam como um belo piscar de olho ao «Arise», texturas rítmicas que evocam os primeiros discos dos SOULFLY, um refrão que soa a manifesto — o tema é uma declaração de continuidade, de quem sabe exactamente o seu lugar na história do metal e o defende com orgulho.
Quando chegamos à recta final, «Chama» abranda — não por exaustão, mas por transcendência. «Soulfly XIII», a já tradicional faixa instrumental, é uma peça etérea e psicadélica, com ecos de selva e vibrações a pender para o xamânico, como se tivesse sido composta durante uma viagem às margens do Amazonas. É uma ponte espiritual para o tema-título, que encerra o álbum em modo visionário: riffs bem dilatados, percussão ritualista, e uma densidade atmosférica que parece abrir portais para outra dimensão.
O resultado é surpreendente. Longe de soar como um gesto de sobrevivência ou um exercício de estilo, «Chama» afirma-se como o trabalho de um criador em plena posse e domínio do seu fogo. Os SOULFLY surgem aqui simultaneamente mais duros e mais aventureiros, fundindo a brutalidade e a introspeção de forma natural, quase orgânica. Em suma, Max Cavalera mostra que ainda tem algo a provar — não aos outros, mas a si próprio. E prova-o com um disco que honra o passado, desafia o presente e lança faíscas para o futuro. «Chama» não é apenas um título: é uma promessa cumprida.
















