SORTILEGE

SORTILÈGE: “Não queremos reviver os 80s, mas sim mostrar quem somos hoje” [entrevista]

No próximo Sábado, dia 13 de Dezembro, o Heavy Duty Fest recebe aquela que é, incrivelmente, a estreia absoluta dos mestres franceses do heavy metal SORTILÈGE em Portugal.

Quarenta anos depois de terem marcado de forma indelével o heavy metal europeu com uma identidade absolutamente singular, os SORTILÈGE preparam-se finalmente para estrear-se em território português. A primeira edição do Heavy Duty Fest assume, por isso, um papel verdadeiramente histórico: vai ser o palco que concretiza um capítulo que faltava há muito na memória colectiva dos fanáticos nacionais do género.

Portanto, quando Christian “Zouille” Augustin, cantor icónico e único resistente da formação original dos SORTILÈGE, diz em tom cúmplice “o público português merece a nossa melhor versão”, fica evidente que o concerto do próximo fim de semana será muito mais que “apenas” uma actuação — será uma reparação simbólica de uma ausência longa demais. A antecipação em torno da estreia do lendário grupo francês por cá é compreensível.

Desde que o LP «Métamorphose», de 1984, redefiniu o som pesado cantado em francês, os SORTILÈGE passaram a ocupar um estatuto de culto. E, ainda assim, Portugal nunca assistiu ao vivo à alquimia que, durante décadas, alimentou um dos fenómenos mais queridos da cena clássica europeia. A própria voz do colectivo reconhece essa lacuna com honestidade e um toque de surpresa: “Nunca pensámos que a nossa música viajaria tanto… muito menos que haveria, tantos anos depois, este carinho tão forte vindo de Portugal.”

Verdade seja dita, o que os SORTILÈGE representam hoje não é só a nostalgia de um passado dourado — é o testemunho de como certos álbuns e canções sobrevivem ao teste do tempo e às mudanças estéticas sem perderem consistência. Christian “Zouille” Augustin revisita essa ideia de forma muito esclarecedora quando afirma que “as canções continuam vivas porque nós continuamos vivos nelas.”

Essa frase, aparentemente bem simples, ilumina uma verdade fundamental da banda: com o regresso aos palcos nos últimos anos, fizeram-no não com a postura de quem deseja reciclar glórias antigas, mas com o desejo de reactivarem uma identidade estética que continua profundamente relevante. Há, aliás, uma dimensão emocional que “Zouille” não esconde: “Quando canto estas músicas sinto sempre que o tempo dobra. Não volto ao passado — trago o passado comigo para o presente.”

Esse processo tornou-se particularmente evidente nos lançamentos mais recentes dos SORTILÈGE. Pese o facto da banda ter passado por mudanças na formação e por pausas longas, a intenção artística manteve-se intacta. Olivier Spitzer, guitarrista, produtor e, assumidamente, o actual dínamo criativo do colectivo, articula essa continuidade com precisão: “O espírito é exactamente o mesmo. Não queremos parecer algo que não somos.” Sim, e eu quero apenas cantar como sempre cantei”, acrescenta “Zouille”. Essa coerência explica, em parte, porque a base de fãs internacional cresceu em vez de se diluir. A autenticidade ainda se mantém como principal motor.

Uma questão inevitável, perante um regresso tão tardio, é a relação entre passado e presente. Como se consegue actualizar uma banda cuja identidade está tão intrinsecamente associada a uma época muito específica? “Zouille” oferece uma resposta inesperadamente lúcida: “Não estou aqui para reviver os anos 80. Estou aqui para mostrar quem somos hoje, com tudo o que aprendemos.”

É um ponto importante: a modernização dos SORTILÈGE não passou por uma reinvenção forçada. Passou, isso sim, pela afirmação da essência histórica numa moldura um pouco mais contemporânea. O Sr. Olivier Spitzer aprofunda essa ideia: “Não faria qualquer sentido tentarmos soar como as bandas actuais. Tenho a perfeita noção de que os SORTILÈGE têm uma alma própria, e é essa alma que as pessoas procuram.”

Há humildade, mas também convicção no discurso dos músicos. Ao falar sobre a recepção aos LPs mais recentes, o guitarrista afirma: “Se ainda tocamos pessoas com músicas novas, isso significa que a chama nunca se apagou.” Essa chama, ao que tudo indica, é o elemento central da ligação entre público e banda francesa — uma chama que, em Portugal, vai finalmente acender-se ao vivo. Não estranhamente, se há algo que atravessa toda a conversa com os dois simpáticos músicos, é a profunda gratidão perante o apoio vindo de Portugal. O vocalista repete a ideia várias vezes, com palavras que revelam surpresa e profunda consideração: “Vocês falam connosco como se sempre tivesse existido um laço. Isso é muito raro.”

Esse sentimento de comunhão antecipada parece ter impacto direto na preparação para o Heavy Duty Fest. “Temos estado a preparar este concerto com muito cuidado. Não queremos apenas tocar — queremos dar algo especial a quem nos espera há tanto tempo”, revela o guitarrista. Quando instado a clarificar o que significa “especial”, sorri e explica: “O alinhamento vai valorizar aquilo que somos, mas também aquilo que fomos.”

É um enigma deliberado, mas que aponta para a coexistência entre clássicos intocáveis e composições recentes que mantêm o código estético da banda. A promessa implícita é clara: o que os fãs nacionais vão ver será um espetáculo que abraça toda a narrativa dos SORTILÈGE, não só um recorte nostálgico.

Outro dos temas mais significativos abordados na entrevista foi a relação os músicos com a sua língua. Para muitas bandas da época, cantar em inglês era a estratégia óbvia para alcançar mercados fora de França. No entanto, os SORTILÈGE optaram pela fidelidade ao idioma natal — uma escolha que acabou por distinguir a banda de forma irrepetível. “A língua francesa faz parte da nossa identidade musical. Não é uma barreira — é uma ponte”, dispara “Zouille”, indo mais longe e desmontando a ideia de que cantar em francês pode ter limitado o alcance da banda: “A emoção não precisa de tradução… As pessoas entendem-nos porque a energia é verdadeira.”

Esta afirmação ecoa com particular força num país como Portugal, onde melodia e expressividade vocal sempre tiveram grande importância para o público. Há, portanto, uma afinidade natural que explica porque os fãs portugueses, mesmo sem concertos durante décadas, mantiveram viva a admiração pelos autores de «Sortilège», «Métamorphose» e, mais recentemente, «Apocalypso».

Em vários momentos, Olivier Spitzer revela a consciência de que os SORTILÈGE já não são só uma banda — são um proverbial símbolo. Essa noção não parece intimidá-lo; pelo contrário, dá-lhe uma dose extra de motivação adicional: “Não vejo esta responsabilidade como um peso. Vejo-a como uma honra.” Para a voz da banda, preservar essa herança não implica rigidez artística, mas sim integridade: “O importante é nunca trairmos aquilo que as músicas representam.”

Importa recordar que a estreia dos SORTILÈGE em Portugal não acontece num evento qualquer. O Heavy Duty Fest afirma-se como um evento que acolhe bandas que privilegiam autenticidade, tradição e peso — características que se alinham de forma natural com a estética da banda francesa. Christian “Zouille” Augustin reconhece essa sintonia: “É o festival certo para esta estreia. Sentimo-nos em casa com este tipo de público. Este concerto vai ser para todos vocês. É a nossa forma de agradecer por 40 anos de espera. Se há algo que prometemos, é sinceridade. E a sinceridade, em palco, é tudo.”

No Heavy Duty Fest, cujo cartaz fica completo com os SAVAGE GRACE, TOXIKULL, RAPTORE, WANDERER, SPEEDEMONLADON HEADS e DANGER MACHINE, essa promessa será posta à prova — e, pelo que nos é dado a crer, tudo indica que o público lusitano está prestes a testemunhar um capítulo que já faltava há muito, muito tempo na brilhante história de uma das bandas mais marcantes do heavy metal francês. Os bilhetes para o evento estão disponíveis em pré-venda a 35€, sendo que no dia do evento o preço sobe para 40€. As entradas podem ser adquiridas em Unkind.pt ou, para quem prefere um método old school, na Neat Records, em Lisboa.